"The Disciple" | © LEFFEST

LEFFEST ’20 | The Disciple, em análise

Um dos primeiros filmes da Competição Oficial a ser projetado no 14º Lisbon & Sintra Film Festival foi “The Disciple” de Chaitanya Tamhane. Será que este drama indiano vai sair do festival com algum prémio?

Desde 2001 que um filme indiano não tinha direito a fazer parte da seleção competitiva da Bienal de Veneza. O último havia sido “Casamento à Chuva” de Mira Nair, obra conquistadora do Leão de Ouro. “The Disciple”, realizado por Chaitanya Tamhane e produzido por Alfonso Cuáron, assim chega ao panorama da cinefilia internacional com uma montanha de grandes expetativas sobre os seus ombros. Não podemos dizer que o filme sobrevive totalmente a estas antecipações, mas é um trabalho meritoso mesmo assim.

“The Disciple” é a crónica da vida triste de Sharad, um amante da música clássica indiana. Seguimos sua existência desde a meninice à meia-idade, desde ser filho a ser pai, de ser aprendiz a professor. Muito ele tenta dominar a arte que o cativa, mas parece que a mestria está sempre além das suas capacidades. Talvez para compensar essas limitações, Sharad insufla-se de confiança e olho crítico, convertendo-se num tradicionalista resmungão que torce o nariz ao que é moderno. Com o passar do tempo e as transfigurações de gostos, parece que Sharad se vai assumindo como um guardião do passado face ao ataque da modernidade.

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Todos os detalhes da sua rotina são definidos pela paixão da música clássica Indiana. De facto, isso chega a limites do absurdo, como quando Sharad insiste em tentar vender CDs da sua música preferida em eventos onde vão tocar outros artistas populares que ele mesmo despreza. Obviamente, ninguém lhe compra a oferta e muitos lhe perguntam por que não tem música religiosa. Não fosse a severidade formal da obra, a teimosia do protagonista podia suscitar o riso.

Sharad é aquele triste indivíduo que, por ação própria, não é o protagonista da sua própria vida. Tanto ele dá aos seus gurus e ídolos, que quase se esvazia, acreditando cegamente na palavra alheia e na memória inspiradora do pai. É fácil vermos os vícios de Sharad como o preconceito snob, o pretensiosismo vil de quem julga saber mais do que sabe. As escolhas dele irritam, suas atitudes também, mas conseguimos ver um travo de tragicomédia em tudo isso. Quiçá o maior pecado deste homem foi ter acreditado em demasia no pai. Ele ama a música, mas não parece que a música o ame a ele.

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Viver é aprender a lidar com desapontamentos, desilusões e infelicidades. Crescer pode-se resumir a aprender como aceitar tudo isso e confrontar a verdade que o ser humano nunca é exatamente aquilo que deseja ser. Tais processos não são fáceis, doem e massacram o espírito tal como uma lâmina massacra a carne. Nada disso justifica o ressentimento. As lições do conto moral de Sharad são lições que reverberam pelo mundo moderno e suas crispações políticas e culturais. O passado não deve ser venerado sem razão e sem dúvida, a nostalgia tem seus limites e aquele que não verga está condenado a ser quebrado pelos ventos da mudança.

Pode parecer um tópico estranho para se alcançar grandeza, mas existem obras-primas feitas sobre a mediocridade do artista. Lembremos “Amadeus” de Milos Forman, por exemplo. Aí, Mozart pode dar nome ao filme, mas a história centra-se no Salieri de F. Murray Abraham, um compositor proficiente cujo trabalho é sempre ofuscado pela glória do outro homem. Nesse clássico vencedor do Óscar, a mágoa que vem com estas incapacidades criativas fermenta em ódio e em veneno. Tal como acontece na comparação com o filme de Mira Nair, “The Disciple” não chega a tais píncaros, mas também foge às conclusões óbvias de Forman e companhia limitada.

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Tamhane vai-nos hipnotizando com suas composições simétricas e sonoridades repetidas, imergindo o espetador no panorama psíquico de Sharad. A severidade meio sensabor da imagem é uma perfeita exteriorização do protagonista. Trata-se de uma crise existencial que dura décadas e aqui se traduz em forma cinematográfica. Talvez o mais memorável elemento deste jogo é o mecanismo recorrente de Sharad a flutuar pelas ruas de Mumbai na sua motoreta. Em câmara lenta a cidade torna-se numa assombração de luz amarela, enquanto a voz de uma guru há muito morta ecoa com palavras de disciplina invergável.

Louvamos a paciência do realizador, o ritmo controlado do estudo de personagem e a qualidade cíclica da história. No entanto, a vida de Sharad é um regimento profundamente entediante que só se aviva quando a música consome o momento. A repetição é fulcral para que o filme funcione, ao mesmo tempo que se vai tornando num peso morto que “The Disciple” arrasta consigo. O filme comove, mas também frustra, ilumina e entorpece. Aplaudimos o aprumo da forma e a sensatez do guião, mas não nos rendemos por completo.

The Disciple, em análise
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Movie title: The Disciple

Date published: 17 de November de 2020

Director(s): Chaitanya Tamhane

Actor(s): Aditya Modak, Arun Dravid, Sumitra Bhave, Deepika Bhide Bhagwat, Kiran Yadnyopavit, Abhishek Kale, Neela Khedkar, Makarand Mukund, Kristy Banerjee, Prasad Vanarse

Genre: Drama, Música, 2020, 127 min

  • Cláudio Alves - 75
  • José Vieira Mendes - 70
73

CONCLUSÃO:

“The Disciple” é realmente uma obra feita à imagem e semelhança do seu “herói” e, por isso, é um exercício que merece respeito mesmo que não conquiste totalmente o nosso coração.

O MELHOR: O quadro final corta a respiração. É desolação e apatia, ambivalência e beleza, cantando todos juntos num solitário comboio. Apreciamos sempre quando um filme tem a bondade de acabar num ponto alto.

O PIOR: A repetitiva estrutura nem sempre resulta. Os flashbacks para tempos de infância parecem particularmente redundantes depois de vermos como o passado pode afetar o presente através dos fantasmas do vídeo e das gravações.

CA

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