© Lisbon Film Orchestra

Lisbon Film Orchestra 2020 | Maestro Nuno de Sá, em entrevista exclusiva

O maestro Nuno de Sá, que lidera a Lisbon Film Orchestra falou com a MHD para promover o concerto especial “Christmas is Coming to Town”. 

A Lisbon Film Orchestra leva o Natal até casa neste ano tão particular para a música e para a arte. Num novo espectáculo completamente original, que decorrerá online a 5 de dezembro a partir das 21h30, qualquer pessoa com acesso à internet, em qualquer parte do mundo, poderá assistir ao espectáculo da Lisbon Film Orchestra que promete cumprir a tradição na época natalícia e quer, inclusive, chamar à atenção para a importância da cultura nas nossas vidas.

Lisbon Film Orchestra
© Lisbon Film Orchestra

Foi por essa razão que voltámos a falar com o maestro Nuno de Sá, um dos criadores da Lisbon Film Orchestra e que nos contou as exigências de um espectáculo digital e até revelou as principais novidades e surpresas preparadas. Este é um período de incerteza, mas poderemos finalmente escapar aos problemas do dia a dia, com aquilo que de melhor a arte em Portugal nos pode oferecer.

Depois de vários espectáculos esgotados, o alinhamento online deste ano da LFO centra-se em músicas dos filmes da Walt Disney, algumas canções nos nossos filmes musicais preferidos, como “Funny Girl” (William Wyler, 1968), “Mamma Mia” (Phyllipa Lloyd, 2008), ou “O Grande Showman” (2017). Desde o conforto da sua casa, poderá continuar a sentir a magia da música do cinema!

Para comprar bilhete para o espectáculo “Christmas is Coming to Town” da Lisbon Film Orchestra basta comprar bilhete na Ticketline (clica aqui!).

MHD: Como surgiu a ideia para a Lisbon Film Orchestra ter um espectáculo online?

NS: Nós tínhamos um 2020 recheado de concertos, como nunca tínhamos tido antes. Todos os anos, na altura do Natal, a Lisbon Film Orchestra faz um concerto no Campo Pequeno e outro no Super Bock Arena, e portanto desde 2007, o ano da sua criação, tem sido uma tradição fazermos um concerto para o nosso público.

Dado as circunstâncias que todos vivemos de pandemia, vimos de braços atados a oportunidade de podermos fazer algo como temos vindo a fazer nos últimos anos. A única hipótese era encolher a orquestra, e fazermos algo em que fosse possível mantermos a tradição. Então decidimos criar o concerto “Christmas is Coming to Town”, que é um concerto exatamente pelo seu nome de podermos chegar a qualquer cidade. Vamos para dentro do estúdio, aquele costumamos ensaiar Atlantic Blue e vamos realizar um concerto ao vivo, que será transmitido em direto para as pessoas que comprarem o bilhete, que o poderão ver em qualquer plataforma digital.

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MHD: Que compositores e canções de filmes e séries serão de alguma forma homenageados este ano pela Lisbon Film Orchestra?

NS: Como a orquestra vai ser mais pequena, não teremos a possibilidade de fazermos aquele repertório sinfónico que estamos habituados. Portanto, o repertório este ano vai ao encontro mais às canções e peças que são possíveis tocar para o nosso formato. Vamos ter canções da Disney, onde iremos tocar pela primeira vez o tema do “Frozen 2: O Reino de Gelo“, o “Muito Mais Além”, interpretado pela Ana Margarida, cantora que gravou a versão portuguesa.

Frozen 2: O Reino do Gelo | © Disney

Vamos também ter clássicos de musicais, onde vamos poder ouvir o tema do filme “Funny Girl”, interpretado pela Barbra Streisand. Vamos ter o “Mamma Mia”, do qual nunca interpretámos nenhum tema. Também vamos fazer o “Never Enough” do “O Grande Showman”… Temos realmente um alinhamento com músicas que vão chegar a toda a gente, que vão chegar a toda a família. Foi esse o propósito de podermos de continuar a manter a tradição da família unida. Desta vez no sofá, e poderem estar a ouvir a música do Lisbon Film Orchestra.

MHD: Será que o público poderá contar, por exemplo, como alguma homenagem a Ennio Morricone, um dos maiores compositores da história do cinema, falecido este ano por parte da Lisbon Film Orchestra?

NS: Tivemos algum cuidado com o tipo de orquestra que vamos ter e não quisemos ir muito fora do conceito original. Nós nos últimos anos temos feito uma homenagem a Ennio Morricone, com “Cinema Paraíso”, mas não está planeada uma homenagem específica. O concerto terá, no entanto, um momento que certamente os fãs de Ennio Morricone vão reconhecer. A resposta é um “Nim”, mas deixo a quem assistir ao concerto.

MHD: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pela Lisbon Film Orchestra neste ano sentido particularmente difícil para a arte? 

NS: A cultura é um dos setores que mais tem sofrido em contexto de pandemia. A Lisbon Film Orchestra é uma orquestra que, normalmente quando se apresenta, tem 56 elementos. Não é fácil levar uma estrutura de 56 elementos para atuarem numa arena, onde nós não sabemos se o público iria aderir dadas as condições. É muita gente…. Nós somos uma associação que depende sempre da bilheteira e portanto não teríamos essas condições. Esta pandemia veio realmente alterar aquilo que é a produção de um espectáculo e ao fazermos o Lisbon Film Orchestra tem que ver o facto de ser ainda possível fazer a adaptação. Imagine uma orquestra com 56 pessoas com todo o distanciamento necessário… Não era de todo exequível. É realmente importante passar a mensagem, que a Lisbon Film Orchestra quer manter a tradição de fazer a música para o seu público, mas tendo consciência que será um produto completamente diferente.

É óbvio que termos uma orquestra com 12 elementos, ter os cantores e mais as surpresas que irão acontecer é um produto diferente. Nós como Lisbon Film Orchestra quisemos mostrar que é possível arranjarmos soluções para continuarmos a trabalhar. Obviamente o público prefere ver um concerto ao vivo. Até eu prefiro fazer um concerto com público é normal, faz parte… Um bom espectáculo passa por essa energia entre público e os artistas. É muito importante pedirmos esse apoio ao público, que experimente, que veja que se calhar é possível fazer um espectáculo com a assinatura da Lisbon Film Orchestra, com a mesma qualidade, com a mesma dedicação como se fosse um concerto para uma arena de 5 mil pessoas.

MHD: É uma forma de passar a vossa paixão pela música, um pouco por todo o país, e até de quebrar as barreiras geográficas… 

NS: É isso! Até já temos bilhetes comprados no Canadá e na Alemanha. É bom sinal. O nome do espectáculo “Christmas is Going to Town” mostra como o Natal está a chegar à vossa cidade. Pode ser vista em qualquer cidade. Nós brincamos porque mesmo o nome do espectáculo tem uma assinatura de que nem o Natal se fazia. Tem sido essa a tradição. Óbvio não queremos ser presunçosos com isso, mas é uma brincadeira de que é já uma tradição de Natal comprar o bilhete para si, para o namorado, para a família para o espectáculo da Lisbon Film Orchestra. Provavelmente estariam à espera que não fizéssemos o espectáculo, mas vamos fazer à nossa maneira e à maneira que é possível.

A cultura e a arte têm sido fundamentais neste último tempos. Foram as séries, os filmes e a música que salvaram o nosso confinamento de vários meses em casa. Por mais que possamos não dar esse valor direto temos que ser honestos. As horas que passamos mais tristes em casa, que não podíamos estar com as pessoas, foi o que nos salvou. Aproveito para dizer isto que desde o fim do confinamento tive oportunidade de ir a vários espectáculos, a concertos, ao cinema, quer mesmo peças de teatro e esse é o sítio que estamos mais seguros. Porque realmente os produtores de espectáculo foram obrigados a cumprir regras muito rigorosas. Salas que tinham pouquíssimos lugares, tiveram que ser reduzidos ainda a metade. As regras estão a ser cumpridas e não deve haver sítio mais seguro que as salas de espectáculos. Precisamos desse apoio. Ao fazermos isto online queremos, de alguma maneira, mostra que há outras soluções para estruturas que não têm condições para irem para um palco, e que o público pode usufruir dessas soluções.

LFO
O maestro Nuno de Sá é quem dirige a Lisbon Film Orchestra. | Sara Tanqueiro, ©Lisbon Film Orchestra

MHD: Quais são portanto as surpresas que estão a ser preparadas? 

NS: O espectáculo foi pensado para a televisão. Terá uma componente para além da filmagem do concerto, que vai dar uma certa interação ao espectáculo. Nós enquanto Lisbon Film Orchestra temos uma área de formação muito desenvolvida, graças à nossa Academia, e convidámos alunos a fazerem parte do coro para cantarem dois temas.

Abrimos audições e foi essa a componente que tornou projeto muito interessante. Abrimos audições exatamente para os alunos poderem cantar com a orquestra. O tema “Million Dreams” do “O Grande Showman” inicia com uma voz mais nova e nós abrimos a audição para o pedaço dessa música. Ao mesmo tempo que damos a experiência profissional aos nossos alunos, estamos a enriquecer a Lisbon Film Orchestra. Vai ser um espectáculo muito diferente. De fazermos algo que nunca fizemos e que nos dá a dar imenso prazer prepará-lo neste sentido.

MHD: Como descreveria o sistema nacional de educação e formação em termos da música? O que ainda falta a Portugal para criar novas condições para os novos compositores?

NS: Teoricamente as coisas estão a ser feitas. Só que há coisas que demoram bastante tempo a terem os seus resultados. Além de maestro, eu sou professor no ensino vocacional, ou seja, no ensino artístico especializado. O Estado tem investido bastante dinheiro na possibilidade dos alunos possam estudar música. Existem pelo país inteiro escolas que fazem o equivalente ao Conservatório Nacional. De alguma maneira, todos os anos entram imensas crianças para começarem a estudar música. Existe as disciplinas de música dentro do currículo da escola. São capazes de estar a ter português e depois têm coro, a seguir vão ter guitarra. Isto existe. Não existe ainda a cultura de que esse ensino possa servir para profissão.

Por isso, a maior parte dos alunos estuda música até ao 9º ano de escolaridade, faz os primeiros cinco graus do conservatório e não segue depois para o ensino secundário. Esse ensino até ao 9º ano está a servir alguma sensibilidade cultural. Estatisticamente já se fala nisso e, de alguma maneira, isso está a ter alguma influência. Mas o mercado é pequeno. Não há teatros, não há orquestras e, de repente, há muita gente formada e há muitos professores, porque o ensino assim o permite. O Estado investe que para hajam muitos alunos para ter música e, por isso, precisamos de mais professores. Mas depois não há locais para se poderem produzir os espectáculos. Começam aqui a haver dificuldades… Não há uma estrutura para os músicos serem empreendedores para montarem os seus projetos. É preciso ter uma dose de loucura…

Como não somos um país que se dedique muito a essa área e, infelizmente, o orçamento de Estado não contempla muito dinheiro à cultura, logo a cultura não pode chegar de maneira mais facilitada a muita gente. Mas as pessoas gostam e é importante fazer essa ressalva. Na Lisbon Film Orchestra, quando fazemos a promoção da música, as pessoas ficam surpreendidas porque muitas delas estão a ver uma orquestra pela primeira vez. Não sabem que uma orquestra soa daquela maneira, mas ouvem aquilo nas séries, nos videojogos, nos filmes… Falta fazer essa ponte, e é muito importante o que está a ser feito, mas depois em casa, com os pais temos que começar a mudar o chip. A cultura é importante. Se o filho tiver sonhos e vontade, a música é uma profissão válida, como outra qualquer. Não é melhor, nem menor. É uma profissão tão válida se o jovem se queira exprimir com ela.

Em Odivelas, onde eu dou aulas, todos os anos entram 80 alunos novos. A escola tem quase 600 alunos a estudar música. As coisas fazem-se. Isto de repente são muitos alunos. Se multiplicarmos isto pelas escolas e pelo país inteiro que existem protocoladas com o Ministério da Educação. O trabalho está a ser feito, agora é preciso também valorizar. Acredito que isso seja o mais importante.

MHD: Será que o Nuno nos poderia contar mais uma vez, depois de várias entrevistas connosco, como nasceu a sua paixão pelo mundo da música? E como formador? 

NS: Eu fui uma criança com pouca vontade de fazer coisas. Até aos 13 anos era uma criança que não gostava de fazer nada. O meu pai perguntava-me “Queres ir para a natação? Queres ir para a catequese? Queres ir para os escoteiros?”. Não me apetecia fazer nada (risos). A escola eu fazia, passava o ano, mas não era nada que me entusiasmasse. Até ao momento em que me dão uma guitarra para as mãos, aos 14 anos e pronto. Passei de não fazer nada a estar 6 a 7 horas agarrado à guitarra, a aprender a tocar os temas do Nirvana ou dos Metallica. A partir daí, abre-se um mundo novo para mim. Foi uma mudança muito radical. Ao fim de dois anos de tocar, eu digo “É isto que quer fazer. Agora como vou fazer? Não faço ideia”. Eu sabia que queria estar ligado à música. Fiz o caminho normal, fiz o Conservatório, fiz as minhas duas licenciaturas, uma em Guitarra, outra em Direção de Orquestra e processo de começar a dar aulas foi um processo natural. Começamos a aprender umas coisas, e quando já temos idade, queremos começar a ganhar dinheiro e surge a possibilidade de darmos umas aulas.

Ao mesmo tempo, começo a sentir que o lado da formação, ao partilharmos com os outros aquilo que sabemos. Em termos de personalidade, gosto de saber porquê que o meu aluno não toca. Ou seja, não quero se “aluno não toca porque é preguiçoso”, mas “porquê não estuda? Porquê não trabalha?” Isso acaba por desenvolver uma relação com o próprio aluno de cumplicidade, de tentarmos desbloquear enquanto futuro artista, os seus medos e as suas inseguranças.

Lisbon Film Orchestra
O espectáculo do Lisbon Film Orchestra em 2018 © MHD

Este meu lado desenvolveu-se também com o lado de maestro. Como maestro as minhas mãos não dão som, a minha batuta não dá som. Eu tenho que ter o músico à frente e obter o resultado na minha cabeça. Eu quero obtê-lo através dos músicos. Eu quero tirar o melhor do meu aluno. Quero que o instrumento soe da melhor maneira. Então, isto é muito importante para mim. Agarrar num grupo de jovens e perceber que todos têm os seus sonhos e como conseguimos que esse sonhos possam ser realizados e não desistam à partida, com as velhas frases que a nossa mente nos dá, que de não sou bom o suficiente ou que há melhores pessoas do que eu.

MHD: Como decidiu encabeçar uma orquestra portuguesa que dedica exclusivamente a tocar as grandes bandas sonoras dos filmes favoritos do públicos?

NS: A Lisbon Film Orchestra nasceu especificamente de um Erasmus que eu fiz em Praga durante uns meses, quando assisti pela primeira vez a uma orquestra a tocar temas de filmes. De uma forma muito ingénua, veio-me à cabeça que aquilo poderia resultar em Portugal. Não fazia a mínima ideia do que isto acarretava, ou de quais eram as dificuldades e juntei-me ao Francisco Santiago que num almoço me pergunta o que precisa e me está disposto a ajudar. A história resume-se a ir bater à porta ao Cinema São Jorge para saber se nos recebíamos….

Se não me engano, a 24 de novembro de 2007, estreamo-nos então com um concurso esgotado. Nós não fazíamos a mínima ideia. Tivemos um quadradinho bem pequeno numa revista de Lisboa e tivemos bilhetes a 8 e a 4 euros. Nós estávamos à espera que esgotasse e portanto percebemos que estava aqui uma coisa séria para desenvolver. Já lá vão 13 anos.

MHD: Teremos agora a Worldwide Film Orchestra e não só a Lisbon Film Orchestra… 

NS: (risos) Quase, quase. Nós sempre tivemos esse sonho de internacionalizar o nosso trabalho. Temos esse produtos que apresentamos aqui. Os alinhamentos que produzimos, temos vontade de ir para além fronteiras. Felizmente as coisas têm acontecido no momento certo. Nem muito rápido, nem muito devagar. 13 anos passaram a correr e olhando para trás temos feito coisas muito interessantes e boas. Eu valorizo muito essas conquistas, porque não temos tido apoios.

Deixa-me sensibilizado pela nossa capacidade e, peço desculpa se isto parecer alguma presunção, ao fazermos isto sem nenhum apoio quando sabemos que é muito difícil. Ao fim de 10 anos, fizemos 5 concertos e somos convidados pela Rádio Comercial no “Christmas in The Night” para 15 mil pessoas. Nunca nos nossos sonhos pensámos tocar para tanta gente. Há uma orquestra que está ali e é a Lisbon Film Orchestra. As coisas demoram o seu tempo. Quando estamos com alguma neutralidade a observar percebemos que as coisas têm que acontecer no momento certo.

MHD: Que mensagem gostaria de passar às pessoas interessadas no vosso próximo espectáculo? 

NS: Dia 5 de dezembro às 21h30 têm a oportunidade de assistir ao concerto da Lisbon Film Orchestra, vai ser um concerto diferente, um concerto online e vocês poderão comprar um bilhete que custa 9 euros e com esse bilhete (há-de ser um link eletrónico), poderão assistir ao concerto em qualquer plataforma digital. Podem assistir no telemóvel, no tablet, numa Smart TV, num computador, onde acharem melhor. E pelos 9 euros podem ter a família toda em casa, desde que tenham espaço no sofá para toda a gente se sentar. Neste espectáculo vamos partilhar a música que estamos habitados a fazer, a melhor música dos filmes e vamos ter também novidades este ano. Vamos ter duas cantoras maravilhosas a Ana Margarida e a Patrícia Duarte e um coro de 12 elementos. Vamos ter uma orquestra com 12 elementos que vai estar a representar a Lisbon Film Orchestra.

LFO
Abertura de “And The Oscar Goes To… Lisbon Film Orchestra” em 2019 | Sara Tanqueiro, ©Lisbon Film Orchestra

Venham apoiar a cultura. Toda a cultura precisa de vocês, precisa do público. Nós tocamos e fazemos música para vocês. Aceitem este nosso presente de Natal, para mantermos a tradição de estarmos todos conectados nesta altura e espero vermos a todos.

MHD: Obrigado por estas últimas palavras e pela conversa. 

NS: Obrigado a vocês também que têm sido parceiros essenciais na divulgação do nosso trabalho!

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