London Town, em análise

Na Londres de 1979, um adolescente encontra refúgio no movimento punk quando a sua vida entra numa espiral de desgraças e esmagadoras responsabilidades adultas.

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Acima de quaisquer outras considerações qualitativas, há que se admirar a ingenuidade e obstinada coragem dos cineastas de London Town. Não é qualquer pessoa que pensa numa inspiradora, inofensiva e juvenil bildungsroman à la Hollywood e imediatamente lhe associa o movimento punk e o volátil clima político de Inglaterra no início do regime de Thatcher. Não será completamente verdade afirmar que os resultados finais desta inorgânica fusão são um sucesso, mas não deixam de ser interessantes.


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Esta é a história de Shay interpretado por Daniel Huttlestone (o pequeno Gavroche de Les Miserables e o Jack de Into the Woods), um adolescente, quase a fazer quinze anos, que vive nos arredores de Londres com o seu pai e irmã mais nova. A sua mãe há muito deixou a unidade doméstica em busca de uma vida boémia no coração da capital inglesa. Ressentido com o seu pai, tanto pelas responsabilidade e controlo que ele impõe sobre o filho como pela certeza que foi o patriarca que levou sua esposa a abandonar os filhos, Shay é uma revolta adolescente à espera de acontecer, mas, infelizmente para ele, o pavio da sua rebeldia é aceso na pior altura possível. Depois de uma noite em que o jovem visitou os clubes noturnos de Londres, ouviu música punk e conheceu a rapariga que será o seu primeiro amor, Shay vê-se com ainda mais responsabilidades depois do pai ter um acidente no trabalho que o confinou à cama do hospital.

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A junção de uma história de rebeldia adolescente com a de um jovem a ser forçado a abruptamente tomar responsabilidades adultas, como o de tomar conta da sua irmã e pagar as contas em atraso, o argumentista Matt Brown, que se baseou num guião de Sonya Gildea e Kirsten Sheridan, acrescenta ainda à narrativa de London Town um forte teor político. Em 1979, Inglaterra estava a passar por um dos seus mais voláteis períodos de incerteza e insegurança social, culminando na emergência de movimentos neonazis e hiperconservadores, ao mesmo tempo que outros setores da sociedade se viravam, antagonicamente, ora para o niilismo anárquico ora para o militantismo de esquerda. Não é preciso ser-se um génio para descortinar o aviso que o filme está a fazer à juventude da atualidade, mas isso não quer dizer que esse aviso não seja necessário, especialmente se considerarmos o triunfo de plataformas políticas apoiadas no ódio que testemunhámos na passada semana.

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Isto são as suas nobres ambições, a realidade final desta mistura de linhas ideológicas e dramáticas é algo bem diferente em termos de valor. Par facilitar a sua análise política e social, London Town elege uma figura quase messiânica, cujas palavras se tornam no evangelho pelo qual Jay encontra o seu caminho. O nosso Jesus Cristo para esta narrativa é Joe Strummer, membro dos The Clash. E, admitimos, que é verdade que esta banda punk foi um dos grupos musicais mais politicamente ativos nesta época da história britânica, mas esse facto não torna menos estranho que um filme que canoniza a música punk e usa sua estética para orientar todo o seu design, seja, no final, um hino à responsabilidade e valores tradicionais de família.

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Uma imagem que sumariza perfeitamente este conflito de ideias incompatíveis aparece bem cedo na narrativa, aquando da chegada do jovem protagonista à sua adorada Londres. Aí, ele e a sua futura namorada olham para os cartazes dos The Clash que estão colados numa rua coberta com os célebres sacos de lixo resultantes das inúmeras greves que marcaram os anos antes e depois da subida de Thatcher ao poder. Apesar do calcinante teor da realidade representada e sua imagética punk, a rua está demasiado limpa, os sacos nunca deixam de parecer adereços cuidadosamente dispostos e a fotografia pinta tudo com uma solarenga displicência que despe o tableau de qualquer poder político ou dramático. As intenções críticas e corajosas estão aqui presentes, mas a sua execução é demasiado inofensiva, esterilizada e polida para ter o impacto pretendido.


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Toda esta torrente de ambições fracassadas chega ao seu triste cúmulo na climática conclusão do filme, que mais parece um esboço a precisar de mais desenvolvimento que um verdadeiro final. Isso é uma pequena tragédia pois todos os ingredientes estão aqui presentes para termos um filme muito melhor. Os atores são geralmente bons e, como Strummer, Jonathan Rhys Meyers tem a sua melhor prestação desde Velvet Goldmine, os figurinos e caracterização são exímios e a escolhas musicais também têm a sua qualidade.

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Talvez nas mãos de John Carney, este pudesse ter sido um companheiro espiritual de Sing Street, ou, sob a direção de Shane Meadows ou Clio Barnard, um estudo de personagem realista. Mas, infelizmente para nós, o público, esses filmes alternativos são meras conjeturas e a realidade de London Town está bem longe de tais glórias hipotéticas, ficando-se pela banal e desinspirada mediocridade.

 

London Town, em análise
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Movie title: London Town

Date published: 10 de August de 2017

Director(s): Derrick Borte

Actor(s): Daniel Huttlestone, Jonathan Rhys Meyers, Nell Williams, Dougray Scott, Natascha McElhone

Genre: Drama , Música, 2016, 92m

  • Claudio Alves - 50
  • Virgilio Jesus - 50
50

CONCLUSÃO

Apesar de ter grandes ambições em termos de carga sociopolítica, London Town é um drama banal e desinspirado. O projeto te, alguns elementos que o elevam acima da abjeta mediocridade, mesmo assim, e uma história relativamente agradável, mas muito açucarada.

O MELHOR: As ambições políticas do filme e o modo como Shay vai progressivamente entendendo a injustiça social que é inerente às disparidades económicas que ele sofre todos os dias na sua pele. Quando essas transgressivas considerações ideológicas entram dentro do estudo de personagem, como quando ele perde a virgindade vestido de mulher, o filme chega a píncaros que quase conseguem fazer esquecer as suas muitas fragilidades.

O PIOR: A polidez na execução e falta de coragem por parte do realizador Derrick Borte para levar o filme aos limites do trash e do realismo punk que necessitava para realmente funcionar de modo concetualmente coerente.

CA

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