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Lovecraft Country | À conversa com o protagonista Jonathan Majors

Numa altura em que a afirmação “Black Lives Matters” ecoa, “Lovecraft Country” vem dar mais uma perspetiva de como é crucial mudarmos mentalidades.

A propósito da estreia da nova série da HBO Portugal, estivemos à conversa com Jonathan Majors, que dá vida ao protagonista Atticus Freeman. O ator, de origem afro-americana, falou sobre a necessidade de ver as vidas negras como qualquer outra vida: composta por bons e maus momentos. Referindo ainda que, apesar de “Lovecraft Country” decorrer na década de 50, a sua mensagem não poderia ser mais atual.

Sentimos que existem muitas pessoas que não compreendem o que uma vida Negra é. A vida não se resume a um batimento cardíaco e respiração. É um ponto de vista, uma cultura, um estilo de vida, uma perspetiva, a sua contribuição, dor, mágoa, amor, riso, por isso sim, as nossas vidas contam, mas com esta série damos uma visão muito mais ampla, não é só ativismo.” – Jonathan Majors

O que o atraiu neste projeto? O que sentiu quando leu pela primeira vez o guião? 

Jonathan Majors (JM): Quando li o guião senti que era uma história que nunca tinha sido contada, por isso fiquei entusiasmado. Também fiquei com, bom não há outra palavra para esta sensação, medo. Estávamos prestes a entrar num mundo mundo antigo e a explorar temas realmente difíceis, isso é medo que por sua vez também está ligado ao entusiasmo. Estava mesmo muito contente e motivado e à medida que o processo foi evoluindo senti que “eu consigo mesmo fazer isto… talvez seja mesmo selecionado para o papel.” Senti a necessidade de contar a história.

Atticus sofre de Stress Pós-traumático, algo que explorou em “Da 5 Bloods – Irmãos de Armas”, qual é a diferença entre o filme e “Lovecraft Country?”

JM: O tema Stress Pós-traumático é interessante, em “Da 5 Bloods – Irmãos de Armas“, o meu pai sofria do síndrome e noutros papeis que interpretei eu era quem acalmava a pessoa. “Lovecraft Country” é diferente porque tudo está a acontecer ao Atticus. E é simplesmente como a vida é, algumas pessoas fazem algo e outras sofrem. Atticus é o último – a Guerra da Coreia afetou-o, bem como a sua paternidade e maternidade, o seu legado, o que é seu por direito, os monstros, ele não os está a ativar, toda a magia, espiritualidade, misticismo, está tudo a acontecer-lhe e nós sentamo-nos a assistir à sua resposta.

Nesse sentido, foi diferente para mim. Creio que Atticus é precisamente a personagem oposta à que interpretei em “The Last Black Man in San Francisco”, está sempre a avançar, é um soldado, está sempre na busca.

A série decorre na América segregada dos anos 50, mas parece passar-se nos dias de dia, por exemplo, o tio George põe as mãos ao alto mal vê a polícia – sente isso?

JM: Sim, atual e direta, é uma série próxima. A história aconteceu há 50, 60 anos atrás, mas algumas coisas são constantes. Infelizmente, esta forma de ser existe na América desde 1619, desde que o leão branco deixou o primeiro grupo de Africanos para serem escravizados, essa mentalidade e sistema foram perpetuados.

A série é como uma lembrança, no que toca à forma como agimos agora, o que estamos atualmente a viver é o que, infelizmente, sempre experienciamos na América. Podemos partir do incidente com a polícia até ao momento em que Atticus e Leti se conhecem, aquele amor e timidez é algo que vejo no bairro quando estou em casa. Um rapaz a caminhar em direção a uma rapariga e vice-versa não deixa de ser algo que já fazíamos. Por isso, de uma certa forma não se trata de uma série de época. Sim, decorre na década de 50, mas é uma série atual.

O que espera que as pessoas retenham ao ver “Lovecraft Country”?

JM: Acho que estamos a oferecer uma experiência. Não vou ser altamente político, mas uma das coisas que está diretamente nas nossas caras é o movimento “Black Lives Matter”. Tenho amigos no Reino Unido que também estão a passar pelo mesmo e a ter esta conversa. Um dos aspetos interessantes sobre esta afirmação é que pode ser verdadeira em muitos casos, mas ao mesmo tempo sentimos que existem muitas pessoas que não compreendem o que é uma vida Negra. A vida não se resume a um batimento cardíaco e respiração. É um ponto de vista, uma cultura, um estilo de vida, uma perspetiva, a sua contribuição, dor, mágoa, amor, riso, por isso sim, as nossas vidas contam, mas com esta série damos uma visão muito mais ampla, não é só ativismo.

Existe a Leti, o tio George, a Hippolyta, o jovem D, a Ruby, e podia continuar – todos representam diferentes vidas Negras. Não somos um monólito. O espetador irá experienciar as suas vivências de formas completamente distintas ao longo da narrativa. E é a partir dessa interiorização que temos uma ligação e podemos realmente dizer que “Black Lives Matter”, porque elas realmente importam. Têm nuances, elegância e contributo, mas também violência, agressão e dores, o que fazem delas vidas completas. 

Para além de bastante divertida, “Lovecraft Country” também está a expandir o universo da ficção científica no terror e nos dramas familiares, acrescentamos algo a esses géneros, mas também à forma geral do pensamento da humanidade. Penso que a altura é muito importante, é um pilar das nossas experiências a que as pessoas podem assistir e dizer “percebo, pelo menos um bocadinho melhor e gosto muito destas personagens.”

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“George mostrou ao Atticus os livros, o que significa ser um homem e como usar o seu cérebro. Tenho uma ligação muito profunda com o arquétipo.” | © HBO Portugal

É comovente ver Atticus a lidar com as suas emoções, não é comum vermos um homem negro a chorar na televisão. Porque é que este elemento foi importante mostrar?

JM: É uma pergunta interessante. Eu sou um tipo extremamente emocional e, por acaso, afro-americano. Creio que esses momentos dizem ‘ok, este é um ser humano completo,’ queremos ver um homem chorar, saber sobre o seu dia. O facto de ter sido Misha Green a escrever, Matt Ruff a apresentá-lo ao mundo e nós a amplificámo-lo e alterámo-lo, e adatamo-lo aos tempos de hoje, depois ao género e por último ao meio.

Penso que esta é uma das partes mais importantes, deixar o espetador ver que um herói é aquele ou aquela que permite que o seu coração parta. A masculinidade negra, como lhe gosto de chamar. À semelhança de todas as outra raças e géneros, nós temos dimensão, não somos apenas músculo, rap, grandes carros ou música alta… Quer dizer, somos tudo isso, somos o Barack Obama e o Tupac, o Martin Luther King, e o [James] Baldwin.

Os monstros da série são assustadores, mas podemos dizer que a polícia e o racismo também são monstros – o que simbolizam estes monstros para si?

JM: Sim, são uma metáfora. Um monstro é uma metáfora, eles representam, como Michael Caine brilhantemente explicou: ‘é o espírito do ódio que representa.” Creio que são importantes porque são a manifestação do espírito. Não estamos a dizer que ‘todos os brancos são racistas’ ou que ‘todos os monstros odeiam os negros’. Estamos a dizer que isto é uma repetição de como o ódio se manifesta. Na história da América, existe uma certa dose de ignorância e ódio que se prendeu a indivíduos e isso é uma qualidade monstruosa. Os monstros representam divisão, ódio e abuso de poder.

O Jonathan e a Jurnee [Smollett] parecem refletir-se, como foi trabalhar com ela?

JM: Chamamo-nos raio e trovoada. Ela é o meu coração. Adoro aquela mulher. Passamos por muito juntos ao conta esta história e a fazer-lo de forma autêntica. É como trabalhar com uma irmã, ou melhor amiga, é uma atriz incrível e um espírito maravilhoso.

Atticus tem uma ligação especial com o seu tio George — Porque pensa que os espetadores irão considerar essa relação importante?

JM: A relação mostra a comunidade a que Atticus pertence, bem como maravilha a família Freeman é. Tenho uma relação atribulada com o meu pai biológico, por isso o meu tio Chuck foi a minha inspiração, foi ele a minha ligação ao tio George. Foi o meu tio que me apresentou às artes, ao jazz e à música, da mesma forma que foi o George que mostrou ao Atticus os livros, o que significa ser um homem e como usar o seu cérebro. Tenho uma ligação muito profunda com o arquétipo.

Depois existe o Courtney [B. Vance, ator que interpreta o tio George], com quem partilhei muitas coisas – a educação, ambos estudamos na Yale School of Drama, e falámos sobre isso. Partilhamos uma linhagem, ele interpretou Cory Maxson em “Vedações” de August Wilson, e o filme foi o meu primeiro papel profissional, estamos ligados. Ele tem cuidado de mim desde que nos conhecemos como se fosse um tio. Adoro-o de morte. Tenho que agradecer muito à Kim Coleman, a nossa diretora de casting, à Misha Green [criadora da série] e ao Yann Demange, as pessoas responsáveis pelo fantástico casting que é a melhor parte da série.

“Lovecraft Country” estreia hoje, em exclusivo, na HBO Portugal.

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