Maria de Medeiros em "A Quinta". ©NOS Audiovisuais

Maria de Medeiros | 30 anos de Pulp Fiction, uma nova vida em A Quinta e um talento que nunca se gasta

Entre Tarantino, Fernando Pessoa e os pomares do norte de Portugal, Maria de Medeiros continua a provar que é atriz, realizadora, cantora e — acima de tudo — uma força de criação imparável.

Há algo de profundamente poético em ver Maria de Medeiros regressar ao cinema português (ou muito perto disso, ao espanhol, embora com co-produção da O Som e a Fúria) através de uma casa rural filmada no norte do país, em “A Quinta”, de Avelina Prat.

É como se a atriz, que há 30 anos brilhava nos ecrãs de todo o mundo com o icónico papel de Fabienne em “Pulp Fiction”, estivesse a dizer-nos que a sua carreira nunca se esgota: reinventa-se, expande-se, muda de forma como um rio que não pára de correr. Maria de Medeiros é uma daquelas figuras raras que parecem ter nascido para habitar vários mundos ao mesmo tempo. Atriz, realizadora, cantora, pensadora.

Pode estar a interpretar um texto de Robert Wilson sobre Fernando Pessoa, de bigode e tudo, e na semana seguinte apresentar um filme experimental na Berlinale, algo que quase aconteceu se fosse possível estar nos dois lugares ao mesmo tempo. Acredita-se tanto na sua presença como na sua voz, como se cada frase dita ou cantada viesse carregada de uma história inteira.

De Tarantino à revolução portuguesa

O ano era 1994 quando Quentin Tarantino lhe entregou o argumento de “Pulp Fiction”. Maria confessa que o leu com uma mistura de fascínio e estranheza: “Achei brilhante, mas perguntei-me que raio, quem iria querer ver isto.” A resposta veio rápido: o mundo inteiro. Os 13 minutos de Fabienne e Butch (Bruce Willis) tornaram-se eternos na história do cinema (ver o trailer), e Maria de Medeiros tornou-se, para muitos, a eterna namorada francesa pequenina de um pugilista perdido.

Mas ao contrário do que a imprensa americana pensava e perspectivava, aliás também depois de “Henry e June” (1990), de Philip Kaufman, Maria não desapareceu após “Pulp Fiction”. Pelo contrário, voltou a Portugal para realizar o projeto da sua vida: “Capitães de Abril”, mas como realizadora, a sua homenagem cinematográfica à Revolução dos Cravos. E continua orgulhosa: “Foi uma luta de 13 anos, e acho que é a melhor coisa que fiz na vida.”

Maria de Medeiros
Maria de Medeiros é a verdadeira estrela do filme “A Quinta”. ©NOS Audiovisuais

Onde estás Maria?

Enquanto Hollywood perguntava “Onde está Maria de Medeiros?”, ela estava nessa altura, a fazer cinema espanhol com Bigas Luna (“Ovos de Ouro”, com Javier Bardem e Benicio del Toro), argentino, brasileiro, mexicano, português.

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A construir uma carreira tão rica e variada que poucos atores europeus conseguem igualar. E ainda arranjou tempo para gravar três álbuns como cantora, com destaque para o brilhante “Femina”, que este ano completa também 15 anos de lançamento.

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TRÊS IRMÂOS, que valeu a Maria de Medeiros a Taça Volpi em Veneza | ©Atalanta Filmes

“A Quinta”: o charme do norte e a identidade

Em “A Quinta”, Maria encarna Amália (um nome escolhido a dedo, para uma personagem quase saída dos romances de Agustina Bessa-Luís), uma mulher nascida em Angola durante o período colonial, dona de uma enorme propriedade de pomares, onde já houveram amendoeiras que floriam. É um papel que quase parece feito à sua medida: cosmopolita, poliglota (seis línguas, para ser mais preciso), misteriosa, mas com um calor humano que se sente em cada gesto.

O filme, rodado em Ponte de Lima, respira esse charme verde e húmido do Minho, um cenário perfeito para Maria, que ainda vive entre Paris e Barcelona, mas que sabe sempre regressar às suas raízes. A atriz contracena com Manolo Solo, num papel inesperado de um espanhol a reinventar-se como jardineiro, e com Rita Cabaço, que rouba cenas com um humor genuíno. Branka Katić completa o elenco.

A longa-metragem, segundo Maria, “fala de identidade, de como carregamos o nosso passado e reinventamos o presente”. Talvez por isso a atriz se reconheça tanto em Amália: “ela também viveu mil vidas, atravessou fronteiras e nunca deixou de ser, no fundo, ela mesma”.

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Maria de Medeiros também apareceu na cerimónia dos EFA 2020. ©José Vieira Mendes

Maria, a mulher-orquestra

Há quem diga que Maria de Medeiros é como aquelas caixas de música antigas: delicada por fora, mas com um mecanismo interno cheio de surpresas. Recentemente, brilhou nos palcos com “Desde que Sou Eu”, um espetáculo sobre os heterónimos de Pessoa — esteve no Teatro de São Luiz no início de Março passado — realizado por Robert Wilson, e prepara-se para voltar ao lado musical.

E nem falemos dos filmes: ela aparece com a mesma intensidade num filme espanhol de grande audiência como “Airbag-Uma Viagem de Loucura” (1997) ou num filme experimental francês como “Reflet dans un diamant mort” (2024). Talvez seja isso que nos faz gostar tanto dela: a autenticidade. Maria não se repete, não segue modas, não tenta agradar a todos. Prefere arriscar, desafiar-se e, claro, continuar a fazer perguntas, sobre o mundo, a arte e a vida.

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María de Medeiros é a dona da quinta. ©NOS Audiovisuais

Porque Maria de Medeiros é única

Trinta anos depois de “Pulp Fiction”, Maria continua a ser um ícone português. Não daqueles ícones fabricados por campanhas de marketing, mas daqueles que se constroem com talento, trabalho e uma curiosidade infinita. Maria não precisa de ser maior do que a vida: ela é a vida, em toda a sua imperfeição e beleza.



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