Mark Rylance: um espião perfeito

 

O actor britânico Mark Rylance, que interpreta Rudolf Abel, o agente secreto soviético de ‘A Ponte dos Espiões’ é a grande revelação do ano graças à sua hipnótica e envolvente ‘performance’, no filme de Steven Spielberg. Eis o retrato de um actor discreto que tem feito a sua (enorme) carreira praticamente no teatro e que pode levar para casa na noite de domingo dois Globos de Ouro.    

Spielberg descobriu Rylance, há alguns anos nos teatros londrinos (e vamos contar esta curiosa história de amor de certo modo não-correspondido!), mas só agora a imprensa internacional está de olhos posto no actor britânico, garantindo-lhe para já duas nomeações e um elevado grau de favoritismo a dois Prémios de Interpretação Masculina nos Globos de Ouro, do próximo domingo de madrugada. Esta pode ser finalmente o começo de uma bela história de amor entre o Rylance e Hollywood, que lhe pode valer em breve um Óscar de Melhor Actor Secundário e muito mais trabalhos no cinema e televisão, apesar dos palcos serem a sua verdadeira praia.

Lê Também:  TOP 10 FILMES by MHD— A Ponte dos Espiões

A imprensa britânica considera insistentemente Mark Rylance como o melhor actor da sua geração. Os seus colegas de profissão não hesitam mesmo em afirmar que Rylance é o melhor actor de teatro da actualidade e do mundo. Al Pacino, por exemplo, diz que os diálogos das peças de Shakespeare, parece que foram escritos para Rylance na noite anterior, tal é a facilidade com que o actor britânico os intrepreta em palco.

Em Olivia de 'Noite de Reis', de Shakespeare.
Em Olivia de ‘Noite de Reis’, de Shakespeare.

‘…os diálogos das peças de Shakespeare, parece que foram escritos para Rylance…’

Quase a comemorar 56 anos daqui a dias (18 de janeiro de 1960, Ashford, Reino Unido) Rylance, pode não ser uma grande estrela de cinema, mas é sem dúvida uma das personalidades mais veneradas e influentes da cena teatral britânica e internacional. À porta dos teatros londrinos é frequente formarem-se filas enormes para um lugar na assistência das peças que têm Rylance, como cabeça de cartaz.

Vê o Trailer: A Ponte dos Espiões

O actor que faz o papel do espião ‘cool’ Rudolf Abel, que repete a frase ‘Would it help?’, (E isso adianta?), perante as situações mais complicadas da sua detenção, estreou-se nos palcos em meados da década 70. Na verdade, não demorou muito a tornar-se um dos actores mais elogiados pela exigente e tradicionalista crítica teatral britânica. Formado na prestigiada Royal Academy of Dramatic Art de Londres, quase como todos os grandes actores londrinos estagiou na Royal Shakespeare Company, onde ingressou no inicio dos anos 80. Em 1995, assumiu a direcção artística do Shakespeare’s Globe Theatre, onde esteve até 2005.

Um dos actores mais elogiados da crítica.
Um dos actores mais elogiados da crítica.

‘…não demorou muito a tornar-se um dos actores mais elogiados pela exigente e tradicionalista crítica teatral britânica.’

Na já longa carreira teatral ganhou dois Prémios Olivier (atribuídos anualmente pela London Theatre Society), pelas suas interpretações nas peças ‘Muito Barulho, Para Nada’, de William Shakespeare e ‘Jerusalem’, de Jez Butterworth (foi protagonista desta peça estreada na escadaria do Royal Court Theatre de Londres em 2009); e ganhou três Tonys (os prémios que valorizam a excelência do teatro da Broadway nova-iorquina), pelas duas últimas peças mencionadas, e ainda pela farsa ‘Boeing Boeing’, de Marc Camoletti e ‘Noite de Reis’, mais um clássico de Shakespeare.

poses in the Paramount Hotel Winners' Room at the 68th Annual Tony Awards on June 8, 2014 in New York City.
Um vencedor de muitos prémios no teatro.

No entanto, Rylance, não gosta muito de trabalhar fora dos palcos, porque considera o ambiente demasiado frio, à falta do público, ali mesmo à sua frente. Quando o fez foi assumidamente por razões económicas ou porque em determinados momentos da sua carreira lhe apareceram projectos e argumentos de filmes, mais interessantes que as peças de teatro.

A sua praia é o teatro.
A sua praia é o teatro.

‘…não gosta muito de trabalhar fora dos palcos, porque considera o ambiente demasiado frio, à falta do público…’

Rylance tem feito poucas, (mas boas!) aparições na televisão. Ganhou um Bafta pelo telefilme ‘The Government Inspector’ e este ano foi candidato a um Emmy e está nomeado na categoria de Melhor Actor de Mini-Série ou Telefilme, ao interpretar um espantoso e convincente Thomas Cromwell na também nomeada ‘Wolf Hall’. A sua carreira cinematográfica, principalmente no cinema britânico, tem sido igualmente pouco prolífica: rodou pouco mais do que uma dezena de filmes entre eles ‘Os Livros de Próspero’, de Peter Greenaway (1991), ‘Anjos e Insectos’, de Philip Haas (1996) ’As Irmãs Bolena’, de Justin Chadwick (2008) ou ‘Anonymous’, de Roland Emmerich (2011), numa participação nada casual, já que apesar de ser um ‘actor shakespeariano’ é também um dos mais cépticos relativamente à verdadeira autoria das obras, que são atribuídas a William Shakespeare.

Como Thomas Cromwell na mini-série ‘Wolf Hall’.
Como Thomas Cromwell na mini-série ‘Wolf Hall’.

O seu trabalho mais marcante no cinema e onde muita gente está longe de associar de imediato o seu nome e a figura, foi ‘Intimidade’ de Patrice Chéreau (2001). O filme foi o grande vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim 2001, e contava brilhantemente a história de dois desconhecidos que se encontravam uma vez por semana para manterem apenas relações sexuais, e como este relacionamento terminou quando um deles se apaixona pelo outro. O filme destacou-se pelo poderoso e selvagem erotismo, pelas grandes interpretações de Rylance e da sua companheira de elenco a actriz Kerry Fox (galardoada igualmente em Berlim), e principalmente pela autenticidade e realismo das cenas de sexo, ao ponto de mostrar  mesmo uma felação real.

Como protagonista de 'Intimidade', (2001).
Como protagonista de ‘Intimidade’, (2001).

‘…muita gente está longe de associar de imediato o seu nome e a figura, a ‘Intimidade’ de Patrice Chéreau (2001).’

Além de Spielberg, também o actor-cineasta Sean Penn, mais um confesso admirador de Mark Rylance, andou cerca de quinze anos atrás dele, para trabalharem juntos. O filme que os uniu foi o recente ‘O Atirador’, de Pierre Morel (2015), infelizmente um absoluto fracasso a todos os níveis. A sua relação com Steven Spielberg é longa e algo curiosa: o realizador ofereceu-lhe um papel, no recuado ‘O Império do Sol’ (1987) e Rylance recusou. Spielberg insistiu, ofereceu-lhe até um papel mais importante no filme e um cheque que poderia ter ajudado a resolver os constantes problemas financeiros, de Rylance, recorrentes de uma sempre, apesar de tudo instável, carreira teatral. Nesse preciso momento apareceu-lhe uma peça de teatro irrecusável e Rylance ‘deu com os pés’ a Spielberg. Quase trinta anos depois o cineasta foi vê-lo interpretar curiosamente uma travestida Olivia em ‘Noite de Reis’ e disse-lhe que ele não voltaria a escapar-lhe. Acabou por assinar a sua participação em dois filmes com Spielberg: ‘A Ponte dos Espiões’ e na adaptação cinematográfica do livro infantil ‘O Bom Gigante Amigo’, de Roald Dahl, ilustrado por Quentin Blake, que vai dar filme, com estreia prevista para Julho deste ano.

É já longo o 'namoro' com Spielberg.
É já longo o ‘namoro’ com Spielberg.

‘… apareceu-lhe uma peça de teatro irrecusável e Rylance ‘deu com os pés’ a Spielberg.’

Em ‘A Ponte dos Espiões’, Relance dá então vida a Rudolf Abel, um agente dos serviços secretos soviéticos preso em Brooklyn e que foi uma peça fundamental no inicio das negociações para a troca de espiões durante a Guerra Fria. A crítica na generalidade tem elogiado a sua interpretação, que é memorável e o melhor no filme de Steven Spielberg, protagonizado por Tom Hanks, igual a si próprio. Curiosamente, o filme foi escrito pelos Irmãos Cohen, que com uma certa ironia do destino tinham recusado Rylance, como protagonista de ‘Um Homem Sério’, argumentando, que o actor não tinha um tipo suficientemente judeu, adequado ao papel de Larry Gopnik, o desafortunado professor de física da Universidade de Midwestern.

O actor e sedutor do momento.
O actor e sedutor do momento.

‘Espectacular e facilmente sedutor Mark Rylance é o actor do momento…’

Espectacular e facilmente sedutor Mark Rylance é o actor do momento nos media britânicos, que procuram obviamente promover o seu talento, lembrando que ele pode sair na noite de domingo do Beverly Hilton Hotel, em Los Angeles com dois Globos de Ouro debaixo do braço. A brincar a brincar, (será que ainda se lembram da performance sexual dele em ‘Intimidade’?), Rylance foi ainda considerado o homem mais sexy do mundo, pelos leitores da ‘Glam’mag’, de Dezembro de 2015.

José Vieira Mendes

 

Lê Também:   A nova adaptação deste clássico de Steven Spielberg está prestes a chegar à HBO Max

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *