Beatrice Dillon (foto de Nadine Fraczkowski)

Mês em Música | Playlist de Fevereiro 2020

A Playlist de Fevereiro mostra que a nova década está a levar o seu tempo a arrancar, mas ainda assim tem os seus momentos. Juntámos os melhores.

Talvez tenha sido a habitual hibernação do inverno. Ou o mais mediático Corona vírus. Ou pura e simplesmente (o que é mais provável) a inevitável contingência da arte. Seja qual for a razão (ou a falta dela), este não foi um mês para mais tarde recordar. Mas alguns momentos discretos merecem a nossa deferência e, no tempo, até mesmo a nossa estima.

É o caso do single do mês, apropriado retrato dos tempos que correm e prenúncio do um grande álbum a caminho. É seguramente o caso do nosso álbum do mês, que, se exige uma audição cuidadosa e atenta aos pormenores, está destinado a infiltrar-se em todo aquele cujo aparato conceptual e perceptivo esteja desejoso do futuro.

Playlist de Fevereiro | O single do mês

O terceiro álbum da sueca Maria Lidén sob o nome de I Break Horses, Warnings, sairá no dia 8 de Maio pela Bella Union. O mesmo mês assistiu à partilha do single principal “Death Engine”, tão bom que aqui o elegemos como o melhor, e de “I’ll Be the Death of You”, tema que teria todo o direito a constar da Playlist de Fevereiro, não fora a nossa política de evitar a repetição de artistas. Warnings levou toda a segunda metade da década a pôr de pé e emergiu do tempo passado por Maria Lidén à frente de alguns filmes para os quais começou a criar a sua própria banda sonora. O resultado foi a composição de uma sonoridade cinemática sumptuosa, feita de “mellotrons etéreos, loops e sintetizadores analógicos fantasmagóricos”, que sem ser política capta, contudo, os tempos alarmistas de agora: “Cada canção é um aviso subtil de que qualquer coisa não está bem”.

Playlist de Fevereiro
Capa de Warnings

Maria Lindén compôs “Death Engine” em resposta à tentativa de suicídio de uma pessoa amiga, muito próxima, e aos “progressivos relatórios de que o suicídio é a segunda principal causa de morte entre a geração Z, com o grupo a ter mais problemas de saúde mental do que qualquer outra geração”. Se a matéria de base é trágica, já a canção comporta, na sua sublime atmosfera e melancólica beleza, uma certa redenção.

O tema melódico em crescendo, repetido à exaustão antes de terminar num neo-clássico violino, é como um aguilhão a procurar os céus, elevando-nos vez após vez até lá, “straight to the light”. Qual Nick Carraway que aprende com o que vê acontecer a Gatsby, vítima da ilusão do sonho americano, também aqui a narrativa e a musicalidade constituem a tão necessária tomada de consciência. Abraçando, até às vísceras, a solidão dos sofredores, o ímpeto (a que a imensa, maravilhosa coda dá plena expressão) é transcender a tormenta e “meet salvation”.

I BREAK HORSES | “DEATH ENGINE”




Playlist de Fevereiro | O álbum do mês

Mais uma vez é preciso reconhecer que não foi fácil eleger quem ocuparia este lugar. Ao contrário de Janeiro, este mês apresentava pelo menos alguns candidatos, preferências pessoais às quais só faltou a força de alcançar o consenso da equipa. O EP de Denzel Curry com o produtor Kenny Beats, UNLOCKED, o color theory, da Soccer Mommy, o Loom, da Katie Gately e principalmente o Splid dos Kvelertak encontraram lugar no coração de pelo menos um de nós e merecem, seguramente, uma audição. Mas um único álbum transcendeu a mera preferência, levando-nos a reconhecer que se trata de um exemplar relevante, talvez incontornável, do seu género. Um daqueles exemplares que não se limita a replicar mas constrói, modifica a história, dá corpo ao próprio género.

Workaround é o disco de estreia da compositora e DJ britânica Beatrice Dillon na discográfica PAN. Nele, a produtora combina a sua experiência na música de dança britânica e influências caribenhas com a composição moderna erudita e a fusão estilística. O conceito que unifica o álbum é o andamento, mais ou menos constante, de 150 bpms por minuto, uma escolha pouco usual que o situa algures entre o tecno e o drum’n’bass. O cérebro luta continuamente por reconduzir o que vai ouvindo de inédito no álbum aos padrões familiares que este, ao mesmo tempo, lhe sugere. Também do drum’n’bass retira Dillon a exploração do vazio, do espaço negativo, abordagem na qual aposta em detrimento da atmosférica desmaterialização do eco e da reverberação.

Foram vários os artistas que contribuíram para Workaround, gravando o material do qual Dillon retiraria, mais tarde, as amostras sonoras acústicas usadas na sua montagem sonora computorizada. Sob uma base de drum machine e sintetizadores FM, podem-se ouvir fragmentos da tabla de Kuljit Bhamra, da guitarra pedal steel de Jonny Lam dos Pharoah Sanders Band, da voz e dos sintetizadores de Laurel Halo, da kora do senegalês Griot Kadialy Kouyaté, e do violoncelo de Lucy Railton (que participou também na banda sonora Jackie, de Mica Levi). Ainda assim, é uma identidade única e distintiva o que acompanhamos por detrás desta elegante, mentalmente desafiadora organização do som. Dela resulta uma seráfica, mas perpetuamente agitada, paisagem futurista, onde reconhecemos tanto o experimentalismo da música erudita contemporânea, quanto o universo das pistas de dança.

PLAYLIST DE FEVEREIRO | DESTAQUES DO MÊS

  • Beatrice Dillon, Workaround (PAN, 7 de Fevereiro)
  • Denzel Curry & Kenny Beats, UNLOCKED (Loma Vista, 7 de Fevereiro)
  • Wednesday, I Was Trying To Describe You To Someone (Orindal, 7 de Fevereiro)
  • Kvelertak, Splid (Rise, 14 de Fevereiro)
  • Tame Impala, The Slow Rush (Modular Recordings, 14 de Fevereiro)
  • Katie Gately, Loom (Houndstooth, 14 de Fevereiro)
  • Kamaiyah, Got It Made (GRND.WRK/Empire, 21 de Fevereiro)
  • Grimes, Miss Anthropocene (4AD, 21 de Fevereiro)
  • King Krule, Man Alive! (XL Recordings, 21 de Fevereiro)
  • Soccer Mommy, color theory (Loma Vista, 28 de Fevereiro)
  • Caribou, Suddenly (City Slang, 28 de Fevereiro)
  • Ratboys, Printer’s Devil (Topshelf, 28 de Fevereiro)
  • Gladie, Safe Sins (Lame-O, 28 de Fevereiro)

PLAYLIST DE FEVEREIRO | SPOTIFY


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