MOTELX 2025 | Bulk – Análise
O inglês Ben Wheatley é um realizador de alto gabarito, arrojado e não-convencional, cujas propostas cinematográficas se estendem para lá do reino do facilmente digerível ou comum. Em 2025, marcou presença no MOTELX para apresentar, a vivo e a cores, uma nova experiência insana na sua filmografia: “Bulk”. A obra, aliás, competiu pelo Prémio Méliès d’argent – Melhor Longa Europeia 2025.
A metafísica de Ben Wheatley visita o MOTELX
Distinto, desafiante, experimental, realizado em “segredo” e apresentado como surpresa no Festival de Cinema de Edimburgo, “Bulk” é uma pequena maravilha. De muito reduzido orçamento, mas com ideias bem grandes e complexas, o novo filme de Ben Wheatley merece louvores devido à sua inegável originalidade, criatividade e pelo amor pela arte cinematográfica que espelha em cada frame.
Feito sem o apoio de um grande estúdio, e posteriormente vendido à Film 4 quando já se encontrava basicamente finalizado, “Bulk” é o regresso de um cineasta a casa: aos projetos independentes que caracterizam os pontos altos da sua carreira (relembramos highlights como “Sightseers” ou “Kill List”). Depois de se ter envolvido em grandes produções como o remake de “Rebecca” para a Netflix ou o infame “Meg 2″, Wheatley liberta-se do peso da burocracia e cria uma obra simplesmente deliciosa e para lá de autónoma.
“Bulk” é um filme sincero, extremamente auto-referencial, e que não obstante os seus temas obscuros e metafísicos, não se leva nada a sério. Tudo se passa num laboratório secreto, que se trata também de uma casa. Nesta casa é possível aceder a dimensões paralelas sem fim, onde várias versões, quiçá infinitas versões das personagens principais coexistem.
O protagonista, Corey Harlan (Sam Riley, de “Control”), terá de explorar o coração desta casa, entrando por portas sem fim, as quais são também portais para outros mundos. O seu objetivo é encontrar o arquitecto da casa e, sabemos mais tarde, recuperar os protagonistas de uma “cápsula de salvamento” onde se encontram aprisionados depois de uma terrível explosão no coração da casa.
O novo filme do cineasta que nos trouxe o tenebroso “In the Earth”, que também vimos no MOTELx em 2021, deixou em “Bulk” a sua alma e coração. Prova disso são, por exemplo, os créditos finais, feitos em género de bloopers e com os nomes da equipa literalmente escritos à mão pelo próprio realizador. Todo o aspecto DIY (“Do It Yourself”) só torna o universo de “Bulk” ainda mais cativante.
De Eraserhead ao cinema de autor francês com Bulk
No Q&A após a primeira exibição da obra, Wheatley falou-nos de influências sem fim. Falou-nos de como o cinema japonês animado joga com o silêncio, elogiou também a liberdade e o espírito da Nouvelle Vague, aqui presentes, e mencionou uma referência nada estranha e claramente vital: “Eraserhead“, filme fundador de David Lynch, que se passa dentro de uma só divisão e que por isso não deixa de ser uma lição mestra em tensão e bizarria.
E eis que é isso que Wheatley consegue também fazer: criar mundos dentro de mundos, universos tangentes, loucos e visualmente estimulantes não obstante o reduzidíssimo orçamento. Há de tudo: há fundos de green screen, sim, mas há também belas maquetes e um jogo inspirado em que se brinca com vários tipos de câmaras e padrões de cores. Há, como mencionámos, acima de tudo muita liberdade. Como não podia deixar de ser, há também muito humor à mistura, tornando estes 95 minutos num período de tempo particularmente prazeroso.
O MOTELX continua até segunda-feira, dia 15 de setembro. Cá estamos, juntamente com a promessa de mais um ano de cobertura.
Conclusão
Wheatley consegue fazer de tudo um pouco com “Bulk”: criar mundos dentro de mundos, universos tangentes, loucos e visualmente estimulantes, não obstante o reduzidíssimo orçamento. Há de tudo: há fundos de green screen, sim, mas há também belas maquetes e um jogo inspirado em que se brinca com vários tipos de câmaras e padrões de cores. Há, como mencionámos, acima de tudo muita liberdade. Como não podia deixar de ser, há também muito humor à mistura, tornando estes 95 minutos num período de tempo particularmente prazeroso.