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MOTELX 2025 | The Piano Accident – Análise

Com argumento e realização de Quentin Dupieux, “The Piano Accident” é uma comédia do absurdo que opera um comentário acídico à indústria do influencing e ao mundo das redes sociais. Como protagonista encontramos Adèle Exarchopoulos (“Blue Is the Warmest Colour”)  num papel absolutamente inesperado, bizarro e estrondoso.

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Motelx com THe Piano Accident
©fantasyfilmfest/Lucky Number

Na nova comédia absurda do músico e cineasta francês Quentin Dupieux (“Daaaaaalí!”), acompanhamos, na estreia nacional, uma influencer com milhões de seguidores. É ela Magalie ( entra a fenomenal Exarchopoulous), uma jovem que se especializa em vídeos virais nos quais se magoa a ela mesma das mais insanas e variadas formas. Não tivesse Magalie uma síndrome rara, que convenientemente a impede de sentir dor física.

Quando testemunhou, em criança, o quanto Johnny Knoxville dos Jackass conseguia fazer rir o seu pai, e sem ela própria compreender o fenómeno, Magalie descobriu aqui a pólvora e construiu um império à volta da sua auto-mutilação. Tudo muito bem, durante décadas inclusive, até que um acidente terrível com um piano a atira para uma longa convalescença e a mergulha numa teia de mentiras para esconder o que verdadeiramente se passou.

No início da ação, Magalie está nas montanhas, num chalé decorado à sua medida, a convalescer, quando uma jornalista e a contacta e começa uma chantagem forte e insistente. A nossa protagonista terá de dar a entrevista da sua vida, um olhar íntimo e sem filtros, para evitar que a repórter vá à polícia.

E eis que é aqui que descobrimos que Magalie é tão vazia quanto o conteúdo que cria para as redes sociais. As suas motivações são obscuras, e é um verdadeiro desafio revelá-las perante a jornalista, porque ela própria não sabe bem porque faz aquilo que faz. Porque sempre o fez? Com tanto dinheiro e fama, porque não parar de se mutilar? Magalie não sabe, o que acaba por a deixar ainda em piores lençóis, precipitando uma sequência final bastante deliciosa, em que Magalie perde as estribeiras e nos mostra, uma vez mais, a terrível pessoa que verdadeiramente é.

Uma paródia às ténues relações parassociais

O mais trunfo de “The Piano Accident” é sem dúvida o seu tom. O filme está envolto em 30 camadas de sarcasmo, não levando nada a sério: nem a sua protagonista, nem o seu enredo, nem nada nesta infeliz e caricata situação. Magalie é verdadeiramente detestável e, curiosamente, é daí que advém a força da sua personagem. Toda ela é narcisismo puro, um ego inflamado e tiques bizarros. Adèle Exarchopoulos está completamente irreconhecível neste papel, fundindo-se em pleno com a personalidade atípica de Magalie.

Sendo esta uma atriz vencedora da Palma de Ouro e lendária pelo seu papel no romance lésbico “A Vida de Adèle”, é polémico identificar este como um dos melhores, senão o melhor papel da sua carreira. Mas a entrega e a transformação a que assistimos da sua parte é inegável e plena.

“The Piano Accident” tem ainda como trunfo uma paródia sem limites à cultura de celebridade e às relações parassociais. Vemos, na forma de dois fãs que nos acompanham ao longo de todo o filme, o quão ténue é, na realidade, o seu interesse na celebridade que idolatram e o quão performativa é a relação que constroem com a mesma.

Tudo somado, vemos a fama nem sequer como uma faca de dois gumes, mas antes como uma sentença que leva a um esvaziamento crónico do espírito, dos nossos interesses à nossa própria humanidade. Magalie não é apenas uma má pessoa, é uma má pessoa com poucas esperanças de redenção. É refrescante e delicioso ter uma protagonista como ela, que não se qualifica sequer como anti-heroína, e que vemos exposta em toda a sua fealdade.

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Conclusão

Adèle Exarchopoulos é verdadeiramente imperdível em “The Piano Accident”, um filme que expõe ferozmente o vazio existencial que advém da fama fácil na era das redes sociais. Para fãs do mais intenso e acídico sarcasmo corrosivo.

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