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Nosferatu, a Crítica | Robert Eggers apresenta um poema gótico sobre desejo

Lily-Rose Depp brilha no sombrio e fascinante Nosferatu de Robert Eggers, uma reinvenção gótica que transforma o clássico de Murnau numa experiência visual e emocional inesquecível.

Robert Eggers é um arquiteto de mundos que parecem simultaneamente reais e etéreos, tangíveis e oníricos. Com Nosferatu, o realizador não se limita a revisitar o clássico expressionista de F.W. Murnau; em vez disso, reconstrói-o como um conto gótico onde o desejo, a decadência e o confronto com o sobrenatural se entrelaçam numa dança macabra. Este não é um filme de terror tradicional – é uma experiência sensorial, um mergulho abissal que desafia as convenções do género para se afirmar como uma obra de arte total.

Desde o prólogo – um momento de pura sedução visual e sonora, onde a jovem Ellen Hutter (Lily-Rose Depp) invoca inadvertidamente uma força primordial – Eggers deixa claro que esta não é apenas uma história sobre vampiros. É um estudo profundo sobre os impulsos que nos movem e nos consomem, sobre a inevitabilidade da morte e o fascínio que ela exerce, mesmo enquanto nos aterroriza. Mas, mesmo feito na perfeição, não deixa de ser um pouco insípido.

Uma dança entre o humano e o monstruoso

Nicholas Hoult em Nosferatu
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No centro de “Nosferatu” está a relação simbiótica entre Ellen e Count Orlok (Bill Skarsgård). Orlok, revestido de próteses grotescas e com uma presença física que exala decadência, é mais do que uma criatura do mal; ele é o reflexo dos desejos reprimidos e da corrupção interna que todos carregamos. Skarsgård dá à personagem uma fisicalidade arrepiante, enquanto a sua voz – viscosa, como se carregasse séculos de putrefação – transforma cada palavra numa ameaça velada.

Ellen, interpretada de forma extraordinária por Lily-Rose Depp, é uma protagonista que desafia as categorizações simplistas de vítima ou heroína. Depp entrega uma performance profundamente física, onde cada gesto, cada olhar, transmite a luta interna de uma mulher presa entre a luz e a escuridão. A sua fragilidade não a diminui; pelo contrário, torna-a uma figura de resistência trágica, alguém que abraça o sacrifício como uma forma de libertação.

Esta relação entre Ellen e Orlok não é meramente antagonista. Há uma ligação inquietante entre os dois – um magnetismo que transcende o simples horror e se instala no terreno da atração fatal. Eggers usa esta dinâmica para explorar temas de submissão, desejo e o poder destrutivo da sedução, conferindo à narrativa uma profundidade emocional rara no género.

O poder do visual: luz, sombra e textura

Nosferatu Robert Eggers
© Focus Features

Se o cinema é uma arte visual, então “Nosferatu” é um testamento ao seu potencial máximo. Cada quadro é uma obra-prima, graças à colaboração entre Eggers e o diretor de fotografia Jarin Blaschke. A paleta de cores, alternando entre tons drenados e explosões de vermelho vibrante, reflete o conflito entre vida e morte, paixão e vazio.

Os jogos de luz e sombra evocam diretamente o cinema expressionista alemão, mas Eggers não se limita a emular; ele reinventa. As sombras não são apenas elementos visuais – são extensões das personagens, como se Orlok pudesse projetar a sua essência corrupta para além do seu corpo. Este uso de sombras, combinado com a atenção obsessiva aos detalhes no cenário e nos figurinos, transforma o filme numa experiência quase tátil (especialmente se tivermos a experiência de o ver em IMAX). Podemos sentir o peso dos crucifixos, o toque áspero da madeira velha e a humidade que parece emanar das paredes.

A música como espírito invisível

A banda sonora de Robin Carolan é o terceiro elemento que completa este universo. Longe de ser mero acompanhamento, a música funciona como uma presença fantasmagórica, amplificando a tensão emocional e o terror latente. As cordas parecem gritar em agonia, enquanto os momentos de silêncio são tão poderosos quanto os de som, criando uma paisagem auditiva que mergulha o espectador numa espiral de ansiedade e fascínio.

Carolan consegue traduzir o espírito do filme em som, especialmente nos momentos mais intensos – como o plano das ruas infestadas de ratos ou o delírio de Knock (Simon McBurney), coberto de entranhas, num frenesi animalesco. A música é, assim, um reflexo da decadência que consome as personagens e o mundo ao seu redor.

Entre a ciência e o misticismo

Willem Defoe em Nosferatu
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Eggers é mestre em criar narrativas que oscilam entre o racional e o irracional, e “Nosferatu” não é exceção. A tensão entre ciência e superstição está presente em cada interação, particularmente nas cenas envolvendo o professor von Franz (Willem Dafoe). A sua obsessão com o oculto e a sua rejeição pelo mundo científico revelam a fragilidade da razão perante o desconhecido.

Essa fragilidade é espelhada nas tentativas primitivas da comunidade de tratar os “sintomas” de Ellen – apertando-lhe o espartilho ou prendendo-a à cama –, atos que revelam uma combinação de ignorância e desespero. Este embate entre o progresso e a superstição, entre o físico e o espiritual, ressoa como uma crítica subtil às próprias limitações humanas na busca por explicações e controlo.

Mais do que uma figura de horror, o vampiro de Eggers é uma metáfora para o que não podemos evitar: a morte, a decadência, o desejo de transcender a mortalidade. Orlok não é apenas um predador – é um lembrete de que, por mais que tentemos resistir, o tempo e a mortalidade sempre nos alcançarão. Este tema ecoa em cada elemento da narrativa, desde as escolhas visuais até às performances das personagens.

Com “Nosferatu”, Eggers entrega uma obra que desafia as expectativas e redefine o que um filme de terror pode ser. Este é um conto sobre monstros, sim, mas também sobre o lado monstruoso da humanidade – o desejo insaciável, o medo do desconhecido, a luta contra o inevitável. É uma experiência que permanece connosco, não porque nos assuste, mas porque nos confronta com as nossas próprias sombras.

Eggers prova mais uma vez ser um mestre da construção de mundos, mas é a alma destes mundos – sombria, febril, hipnótica – que torna “Nosferatu” inesquecível. Não é apenas cinema; é uma invocação.

Ainda vais a tempo de ver no cinema um dos filmes mais comentados dos últimos tempos.

Nosferatu, em análise
  • Patrícia Marques - 60
  • Cláudio Alves - 90
75

Conclusão

Com “Nosferatu”, Eggers entrega uma obra que desafia as expectativas e redefine o que um filme de terror pode ser. Este é um conto sobre monstros, sim, mas também sobre o lado monstruoso da humanidade – o desejo insaciável, o medo do desconhecido, a luta contra o inevitável. É uma experiência que permanece connosco, não porque nos assuste, mas porque nos confronta com as nossas próprias sombras.

Pros

Estética muito bem trabalhada

Um detalhe atento às histórias de terror folclóricas

Lily-Rose Depp (em geral e em particular)

Cons

Não é muito inovador ou impactante

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