O pesadelo de uma operação naval da WW2. ©Filmes4You/Divulgação

Comboio do Ártico – Análise

O realizador Henrik Martin Dahlsbakken em “Comboio do Ártico”  revive o pesadelo da grande operação naval da WW2, conhecida como o comboio PQ-17 com um filme gelado e honesto, onde a tensão é mais interior do que explosiva. Um cruzamento entre Greyhound e Bergman em alto-mar, chega este fim de semana às salas de cinema

“O Comboio do Ártico” (Konvoi), do realizador norueguês Henrik Martin Dahlsbakken podia muito bem ter sido um thriller de guerra à moda antiga, com explosões, heroísmos e música épica a cada minuto. Mas não. Trata-se de um filme escandinavo, e isso já diz muito, sobre a forma de o conceber e apresentá-lo. Em vez disso, o realizador mergulha-nos num mar de tensão contida, onde o verdadeiro terror não é o torpedo que vem lá ao fundo, mas o silêncio entre duas frases, a hesitação de um olhar e sobretudo a dúvida num comando.

Tobias Santelmann
O imediato Mørk (Tobias Santelmann). ©Filmes4You/Divulgação

Quando a guerra é feita de silêncios

“Comboio do Ártico” baseia-se num episódio verídico e trágico da Segunda Guerra Mundial: o comboio PQ-17, que em 1942 foi praticamente entregue à morte após uma decisão controversa que mandou os navios dispersarem e seguirem sozinhos em águas infestadas de submarinos e aviões nazis. Ao centro está o Capitão Skar (Anders Baasmo), determinado a cumprir a missão, mesmo com tudo e todos contra ele, incluindo o seu próprio imediato Mørk (Tobias Santelmann), que insiste em regressar à Islândia.

Uma guerra de ansiedade e espera

Se Missão Greyhound (2020), de Aaron Schneider nos mostrava a guerra do ponto de vista de quem protege, aqui vemos o pesadelo de quem espera essa proteção…e ela não chega. Mas ao contrário do filme com Tom Hanks, este não corre contra o relógio. Pelo contrário, “Comboio do Ártico” abranda, fecha-se nas cabines, ouve os estalidos da madeira e do gelo, filma rostos suados em silêncio e mostra a guerra como uma espera angustiante pelo inevitável.

Comboio do Ártico
Um filme de guerra não muito convencional. ©Filmes4You/Divulgação

Um mar de gelo e rostos fechados

O ponto forte de “Comboio do Ártico” está precisamente onde alguns espectadores poderão sentir mesmo alguma frustração: na contenção. Dahlsbakken evita a tentação do grande espetáculo. E quando o faz — como na excelente sequência da aproximação dos bombardeiros alemães ou na cena sufocante com as minas — fá-lo com precisão e não com grandiosidade. Não há espaço para patriotismos inflamados nem para personagens que nos deem muitas explicações. Cada um está ali, no seu posto, a fazer o que pode. E a tentar não enlouquecer.

Lê Também:
Limonov: A Balada de Eddie – análise
Comboio do Ártico
PQ 17 foi um comboio do Ártico aliado durante a Segunda Guerra Mundial. ©Filmes4You/Divulgação

Entre o cinismo e o pragmatismo

Infelizmente, nem todos os elementos do argumento sobrevivem a tanto gelo. As tentativas de dar espessura emocional às personagens secundárias, como o mecânico ou os jovens artilheiros, soam a um esboço inacabado. Falta-lhes calor, contexto e empatia. Culpa talvez do tal distanciamento nórdico que aqui é mais um obstáculo do que uma atmosfera. A relação tensa entre o capitão e o imediato, essa sim, tem substância. São dois modos de encarar o dever — um romântico e trágico, outro pragmático e cínico — e é nesse conflito que “Comboio do Ártico” se centra e ganha densidade dramática.

JVM

O Comboio do Ártico — Análise | Guerra fria, rostos fechados e um oceano de silêncio
  • José Vieira Mendes - 65

Conclusão:

“Comboio do Ártico”, do realizador norueguês Henrik Martin Dahlsbakken não é um filme para quem procura adrenalina fácil ou heróis de cartaz. É um retrato glacial e interior da guerra, mais próximo de um drama existencial do que de um blockbuster. Há falhas, sim, especialmente quando tenta humanizar personagens a meio gás. Mas quando se deixa ficar no silêncio e no frio aí sim, é onde brilha. E onde arrepia. No fim, o maior inimigo em “Comboio do Ártico” não é alemão, é o frio, o medo e o silêncio. E talvez seja isso que faz desta obra escandinava. algo mais do que apenas mais um convencional filme de guerra.

Overall
65
Sending
User Review
( votes)

Pros

O melhor: A atmosfera austera e claustrofóbica, bem construída com poucos meios. As sequências de combate, realistas e tensas sem serem pirotécnicas. A tensão moral entre o capitão e o imediato.

Cons

O pior: Personagens secundários pouco desenvolvidos e emocionalmente distantes. Ritmo bastante irregular com zonas mortas que não acrescentam muito.



Também do teu Interesse:



About The Author


Leave a Reply