Oldboy, em análise
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“Oldboy” é um ‘remake’ do filme de Chan-wook Park, realizado há dez anos e detentor de uma mística de cortar a respiração. Com um ‘twist’ inesperado e magnificamente elaborado, vai buscar um dos melhores argumentos da banda desenhada manga.
Projectando loucura e um crescendo relampejante de violência, a película sul-coreana conseguiu catapultar, do ecrã para as nossas ideias e sentimentos, uma aura de perdição, desespero, força interior e transfiguração. E além destes, outros conceitos se podem ir buscar ao argumento. Mas quem viu o original de C. Park não ficou, sem qualquer dúvida, indiferente ao final. Que é o clímax. E nos conduz ao universo da tortura emocional, da subjugação ao mais alto nível, da humilhação humana pela razão mais preciosa.
Não obstante o carácter mais enigmático, criativo e peculiar, com ligeiros apontamentos de comédia, do primeiro filme – características que, na verdade e com essa amplitude e forma, nada mais são do que algo intrínseco ao cinema sul-coreano, difíceis de igualar ou até próprias de uma cultura que, provavelmente e muitas vezes, só na sua redoma fazem sentido -, não há notícias más no que se escreve de ora em diante.
Joe Doucett (Josh Brolin) é um alcoólico altamente dependente, subitamente raptado e encarcerado durante vinte anos. Desconhecedor dos verdadeiros motivos que o conduziram a um misterioso quarto de hotel onde viverá grande parte da sua existência, ainda assiste à sua incriminação por homicídio e violação da ex-mulher. Sujeito a um estado de insanidade, treina corpo e alma em direcção à ‘caixa de Pandora’ que lhe revelará o segredo do enclausuramento.
Se a carga, quer corporal, quer psicológica e a entrega transcendente de Min-sik Choi nos impressiona no original, é obrigatório que fique registado o complexo perfil de Joe Doucett. Por um lado, a sua fenomenal decadência. O impecável desequilíbrio. A clara desresponsabilização como pai. A enjoativa brutalidade que ele próprio visualiza ao olhar-se ao espelho. Por outro lado, a transformação espiritual; a enraivecida determinação.
Destaque para a aparição excêntrica de Samuel L. Jackson, a trabalhar novamente com S. Lee desde “Jungle Fever”; Elizabeth Olsen não se revela soberba, mas também não desilude; do “lado do mal”, o obcecado Sharlto Copley satisfaz bem.
S. Lee, no que se reporta ao actor principal, optou por firmar a sua personalidade de uma forma mais explícita. A evolução do ‘plot’ é mais morosa, ortodoxa, ‘hollyoodesca”. Nada há a lamentar. São divergentes formas de relatar uma história. E de um ‘remake’, o que se exige é franca qualidade – como, aliás, de qualquer película – e que seja, e só naquilo que é a espinha dorsal, fiel ao argumento (original ou adaptado).
A apontar negativamente algumas falhas no desenlace do enredo; prova viva de que o esforço pela explicação no decorrer da película não é, todas as vezes, sinónimo de maior clarificação na mente do público cinéfilo. Podemos simplesmente chegar ao fim e, sem esmiuçamentos pelo meio, juntar as peças todas que surgiram pelo caminho.
Menos um ponto a retirar provém da falta de credibilidade no aspecto físico de Joe Doucett após ser libertado. A sério? Passaram mesmo vinte anos? É que poderiam ter passado somente dez e mesmo assim estar mais envelhecido do que uma pessoa de noventa, atendendo àquilo por que passou.
É certo que há ‘remakes’ propositadamente nascidos unicamente com vista a atrair lucros para a indústria cinematográfica ou meramente destinados a entreter e ‘virados para o umbigo’ de quem os faz ver a luz do dia. Não me parece que seja o caso deste. É necessário mitigar uma propensão para a subvalorização de uma nova abordagem, principalmente de filmes asiáticos. Contra mim falo, tantas vezes agarrada à fascinante intensidade dramática do Extremo Oriente.
“Oldboy” permanece guerreiro, fiel quanto baste e a sua qualidade é notória, em parte devido à performance de J. Brolin, em parte pela abordagem argumentativa ‘degrau a degrau’ do realizador. E isso contenta-me. Pelo menos, no que ao meu lado ocidental diz respeito.
Não alcança a mística, brilhantismo e carga explosiva do final do seu predecessor. Não. Mas o invólucro cultural, sociológico e até emocional da obra de C. Park pertencem a um território para o qual não é fácil – quem sabe, até, suposto – embarcar.
“Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam” (T. S. Eliot).
SME