Os Olhos de Tammy Faye, em análise
Jessica Chastain está nomeada para o Óscar de Melhor Atriz pela sua prestação em “Os Olhos de Tammy Faye.” Esta cinebiografia já conquistou um prémio SAG à atriz, enquanto suas maquilhagens foram premiadas pelos BAFTAs. Note-se que os feitos de cosmética e cabelo que transformaram Chastain e Andrew Garfield nos dois mais infames tele evangelistas do século XX estão também indicados para os prémios da Academia de Hollywood. Com sorte, a fita pode ganhar dois Óscares!
Entre as décadas de 70 e 90, o fenómeno do tele evangelismo explodiu nos EUA. Homens e mulheres de fé saíram da igreja e invadiram o estúdio de filmagens, pregando para audiências espalhadas por toda a nação. Longe de serem influências benignas, somente interessados na prática religiosa individual, estas estrelas do pequeno ecrã cresceram em poder e influência, tanto na esfera económica como política. Uma série de escândalos pintou-os em controvérsia, mas não é por isso que o tele evangelismo morreu. De facto, perdura hoje em dia, mesmo que sem o mesmo tipo de caché cultural de outrora.
O caso de Jim e Tammy Faye Baker é quiçá o mais caricato e famoso. De humilde casal que brincava com marionetas enquanto ensinavam catequese a milionários na fuga do fisco, a sua trajetória é um conto de altos e baixos, grandes picos e calamitosas quedas. Junte-se a isso o híper-conservadorismo de Jerry Falwell, grande influência em Jim, e alegações sexuais – a história não podia ser mais dramática. Acusado de violação e, mais tarde, desmascarado como um hipócrita que recriminava a homossexualidade em público enquanto dormia com homens em privado, Jim foi sempre visto como o vilão do par.
Em contraste, Tammy Faye viu suas escolhas mais tenebrosas apagadas por uma retrospetiva histórica que a pinta como ingénua e inocente. Um documentário narrado por RuPaul Charles solidificou o seu legado como ícone queer, essa mulher que declarou o seu apoio às vítimas da SIDA numa altura em que as Igrejas Evangélicas Americanas falavam da epidemia como castigo divino. No entanto, o charme de Tammy não deveria ofuscar a complexidade de caráter. Os crimes fiscais do casal não deixam de existir só porque a acusada é carismática. Também não se esquecem os insultos da tele evangelista contra a mulher que o marido violou.
Isto tudo para dizer que Tammy Faye Baker é uma personalidade complicada, independentemente da perspetiva escolhida para a observar. Ela foi uma mulher cheia de contradições, transbordando compaixão a não ser quando a sua posição foi ameaçada. Mas também foi corajosa e lutou contra a sua própria comunidade em virtude daqueles mais marginalizados. É difícil não a amar um pouco, especialmente quando lhe acrescentamos o fator de entretenimento, o modo como humor sexista a pintou durante anos como uma palhaça. Um retrato verdadeiramente humano tentaria mostrar todas estas facetas, iluminando contradições ao invés de as esconder.
Infelizmente, “Os Olhos de Tammye Faye” não é esse retrato justo e honesto. Nem é muito humano, apagando o lado negro da sua personagem titular e, pelo caminho, limitando o humanismo da história. Negar a complexidade de Tammy Faye é, em certa medida, mais insultuoso que uma análise crítica do seu legado. Dito isto, também não podemos apontar o dedo aos cineastas ou suas intenções. Jessica Chastain foi produtora da fita além de encarnar o papel principal. Ouvi-la falar de Tammy Faye é sentir o calor da empatia, uma vontade de celebrar o artifício da mulher, seu lado absurdo que sempre viveu em concordância com a virtude cristã.
Problemas levantam-se quando esse afeto se manifesta em apatia cinematográfica. Acontece que, além de celebrar Tammy Faye, este docudrama não tem grandes ideias, até lhe faltando um interesse na pesquisa histórica. Assim o trabalho emerge como um perfil de celebridade, um ato promocional para alguém que já morreu e somente existe enquanto memória, enquanto lenda mediática. Além de retratar todos os trejeitos superficiais de Tammy Faye, há pouca profundidade na caracterização de Chastain. É um feito técnico assombroso, mas falta-lhe substância. Pelo menos, ela entretém e ninguém lhe negará isso.
Desde os números musicais até ao choro melodramático das cenas mais tristes, Chastain é uma máquina de energia contínua. Mais nenhum ator chega aos seus calcanhares, pelo menos em termos de empenho. Iriamos ao ponto de dizer que só o design de “Os Olhos de Tammy Faye” alcança os mesmos píncaros da protagonista. Existe aqui uma exaltação do excesso. Veja-se o fausto piroso dos figurinos, quanto a escalada social dos Baker se materializa em interiores palacianos e palcos opulentos. Veja-se, acima de tudo, o trabalho cosmético que tornou os atores irreconhecíveis, mudando a morfologia das suas caras ao ponto de ser grotesco.
Tal como muitos elementos do filme, essa extravagante transformação facial anda no limiar do mau gosto. Afinal, não seria melhor escolher atores que encarnem as personagens sem o auxílio destes efeitos todos? Mas, no fim, criticar um filme sobre Tammy Faye por ter demasiada maquilhagem parece-nos um gesto algo blasfemo. Oxalá pudéssemos dizer o mesmo sobre os outros elementos em “Os Olhos de Tammy Faye.” Trata-se de uma cinebiografia corriqueira, sem nada de novo a dizer sobre a figura que se propõe a explorar. Até a página da Wikipedia nos diz mais sobre esta mulher, sua interioridade e complicada posição nas interseções da fé, da política, da caridade e compaixão.
“Os Olhos de Tammy Faye” estreia no Disney+ a 23 de março. Não percas!
Os Olhos de Tammy Faye, em análise
Movie title: The Eyes of Tammy Faye
Date published: 13 de March de 2022
Director(s): Michael Showalter
Actor(s): Jessica Chastain, Andrew Garfield, Vincent D'Onofrio, Cherry Jones, Mark Wystrach, Sam Jaeger, Gabriel Olds, Louis Cancelmi, Dan Johnson, Chandler Head
Genre: Drama, Biografia, Histórico, 2021, 126 min
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Cláudio Alves - 45
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Rui Ribeiro - 75
CONCLUSÃO:
O biopic, ou cinebiografia, continua a ser o mais medíocre subgénero do drama no grande ecrã. Nesse sentido, “Os Olhos de Tammy Faye” é mais um na longa série de filmes semelhantes, sem ideias além da mimese mais básica imaginável. Aplaudimos o empenho de Jessica Chastain, mas queríamos mais deste filme. Uma personagem tão fascinante quanto Tammy Faye merece melhor.
O MELHOR: Chastain ao rubro, os figurinos e os cenários espampanantes, também.
O PIOR: O guião cheio de lugares-comuns, a relutância com que aborda as controvérsias mais infames na biografia proposta.
CA
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