Outlander | Figura de Estilo, T2E04

Num traiçoeiro jantar, Claire, Jamie e uma coleção de outras personagens, exibem-se como ambiciosos manipuladores num constante jogo de influência social, onde a elegante aparência consegue ser ainda mais importante que as palavras.

 

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Logo na primeira cena de “La Dame Blanche”, o quarto episódio da segunda temporada de Outlander, Claire Fraser usa um dos piores figurinos que alguma vez se abateu sobre o guarda-roupa desta série. Falamos, pois claro, do vestido castanho, decorado com motivos vegetalistas dourados e aplicações de turquesa, e pontuado por um bizarro pièce d’estomac e saiote feitos numa técnica anacrónica de pequenas filas de tecido translúcido pregueado. O pior de todo este conjunto é mesmo a pobre execução, com os remates metálicos a pararem a meio das costas e os detalhes em tecido pregueado a notoriamente se desfiarem. O grande ponto forte desta criação de Terry Dresbach é mesmo a relação entre Claire e o espaço que a envolve, sendo que o seu figurino quase que literalmente copia as cores do cenário, desvanecendo-a no cenário. Afinal, como mulher, ela é quase que uma peça de mobília nesta sociedade patriarcal, onde a sua gravidez e subsequente fragilidade depressa se revela como uma arma que os seus inimigos podem usar para a atacar.

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Destaquemos esses momentos em que Claire parece quase parte do espaço envolvente, pois no resto do episódio, tal como é norma, ela raramente evita o destaque e o uso de estilos incontornavelmente chamativos. Por exemplo, quando, por duas vezes, a vemos nas ruas usando trajes de exterior, há um contraste inquestionável entre ela e tudo e todos que a rodeiam. Primeiro, num casaco encapuzado em vibrantes tons de azul e magenta ela é como que uma pincelada elétrica no meio das ruas parisienses e na loja do seu amigo boticário. Depois, aquando de uma malfadada viagem ao hospital em que voluntaria, Claire enverga um requintado casaco de estilo Brunswick, amplamente decorado em tecido pregueado. Tal peça é incrivelmente estranha no contexto do restante guarda-roupa de Claire, sendo também uma das suas peças mais historicamente corretas.

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É claro que tal discrepância estilística é justificável, se considerarmos que a sua viagem e regresso do hospital são um completo desastre, como que um terrível prelúdio para um sufocante jantar formal presidido pelos Fraser. Neste evento superficialmente festivo, Claire veste um vestido quase reminiscente do icónico vestido vermelho do segundo episódio, tanto pela sua cor como pela sua escassez de decoração. No entanto, enquanto em Versalhes tais elementos visuais marcavam Claire como uma figura em absoluto controlo de tudo o que ocorria à sua volta, aqui, pelo contrário, a simplicidade da indumentária é como que uma ilustração de quão impreparada a nossa protagonista está para confrontar diretamente as manipulações deste mundo de aristocracia intriguista.

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Esta simplicidade ingénua é particularmente óbvia quando comparamos Claire com Louise de Rohan, cujos engenhos sociais e jogos de mentiras se provam como triunfos quando os esquemas de Claire acabam por ser inevitáveis fracassos. Na cena desse fatídico jantar, tal como Claire, Louise enverga um opulento vestido num tom de vermelho vivo. No caso de Louise, no entanto, o escarlate é quase laranja e a peça está fortemente decorada com pequenos detalhes, joias e generosas quantidades de vistosa renda dourada. Este tipo de comparação é realçada pelo uso da mesma cor nos figurinos de ambas as mulheres, um mecanismo estético que já havia ocorrido mais cedo no episódio, quando ambas as mulheres apareceram com vestidos azuis. O de Claire em tecido escuro, com mangas largas e enorme austeridade decorativa e Louise em cetim azul pálido, cheio de decoração meticulosa.

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Nesse primeiro momento partilhado por Claire e a princesa Louise de Rohan, a desenxabida Mary Hawkins volta a marcar presença e de novo ela se afirma como uma presença de conservadora feminilidade inglesa com as suas luvas de renda, modesta cobertura do decote e conservadoras toucas. Mais tarde, aquando da horrenda viagem noturna de regresso do hospital, quando Claire e Mary são atacadas e a nossa ingénua virgem inglesa é brutalmente violada, ela enverga um figurino que volta a realçar a sua virtuosidade, de modo quase irónico há que dizer. Esta noção imagética de virgindade é conseguida a partir do uso de azul, creme e branco como cores principais, pequenos detalhes de renda e uma modéstia absoluta no uso de fichu, punhos historicamente corretos e mesmo na falta de ostentação e luxo descarado.

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Fora do panorama deste trio de distintas personalidades femininas, o jantar na casa dos Fraser foi, sem dúvida, o grande evento desta hora narrativa, reunindo quase todas as personagens mais importantes desta temporada até agora. Exemplo dessa conglomeração de fios narrativos é a presença do Conde Saint Germain, de novo apresentando-se como perfeito exemplo de luxuosa aristocracia francesa. Curiosamente, a sua mulher, a condessa Saint Germain portanto, enverga um figurino de inapropriada informalidade segundo os códigos de vestuário da época, para além de uma clara mediocridade na execução de suas roupas. Isto deve-se ao facto desta personagem acabar por ser uma vítima do fabrico industrial de figurinos que Terry Dresbach empregou para vestir os figurantes desta segunda temporada de Outlander. Usando meia dúzia de silhuetas base, a figurinista encomendou a criação em massa de vestidos setecentistas em tecidos baratos, sendo que, aquando das filmagens, essas peças eram guarnecidas de alguma decoração pouco dispendiosa. Isso pode resultar nalgumas cenas, mas nesta ocasião, apenas criou uma estranha discrepância entre o estatuto social da personagem e sua aparência, o que nunca deveria acontecer neste mundo de fausto altamente teatral.

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No que diz respeito aos homens de Outlander, é bom realçar alguns dos mais sagazes detalhes nas indumentárias das figuras masculinas deste jantar. Como anfitrião, Jamie é uma imagem de sóbrio requinte, com o seu uso de têxteis ricos mas sem grande decoração, tal como tem sido norma no seu guarda-roupa. No entanto, há uma sugestão de rebeldia na sua aparência, a partir do seu uso de botas, um inquestionável faux pas nos círculos sociais em que ele agora integra, onde tal calçado é apenas apropriado ao exterior, nomeadamente ao exercício de montar a cavalo. Tirando o nosso adorado Lord Broch Tuarach e o já referido Conde Saint Germain, é de nomear a presença de outros aristocratas ingleses, todos notoriamente menos coloridos que seus companheiros franceses, assim como o ostentoso príncipe de Rohan, marido de Louise, cujo uso de pele e borlas douradas marca uma inspiração germânica na sua indumentária, um inteligente apontamento que referencia as reais origens históricas desta figura.

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Como conclusão, é certo que, apesar de algumas escolhas mais dúbias nas vestes dos figurantes, este jantar é um dos maiores sucessos de Terry Dresbach enquanto figurinista de Outlander. Nesta ocasião em que mentiras circulam tão generosamente como vinho, e manipulações matreiras são a ordem do dia, as fachadas com que cada figura se apresenta são tão ou mais importantes do que as palavras que saem das suas bocas, e tal cuidado é inexoravelmente presente nesta coleção de fabulosos figurinos.

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No próximo episódio Claire e Jamie voltam a envolver-se em opulentos eventos de teatralidade social. Será que os seus figurinos vão superar o fausto desta hora? Confere, no quinto capítulo desta segunda temporada de Outlander!


 

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