Your Lie in April, em análise
Your Lie in April é uma verdadeira montanha-russa emocional, inundada de pequenas mas significativas mensagens que não deixarão nenhum espectador indiferente.
Your Lie in April é à primeira vista uma típica série melodramática que explora os dramas e dilemas vividos por jovens no tempo da adolescência. Embora não discordemos desta rápida observação, consideramos que é importante acrescentar como a série inspirada na manga escrita por Naoshi Arakawa explora outras temáticas, sendo a maior parte delas bem mais complexas do que realmente parecem a olho nu.
Lê mais: Os 10 principais géneros de animes
Produzida pelo famoso estúdio de animação A-1 Pictures, Your Lie in April começa a sua história apresentando-nos a sua figura central, Arima Kousei, um jovem prodígio do mundo da música, que fica traumatizado após a morte da sua mãe e professora de piano, tornando-se incapaz de ouvir os sons que produz ao tocar piano. Este abalo psicológico persegue o protagonista nos dois anos seguintes, afastando-o de recitais, competições musicais e do piano, afeta a sua personalidade, tornando-o num jovem taciturno e quase apático, e altera igualmente a maneira como ele encara o mundo em seu redor. Tudo muda quando Kousei conhece a apaixonada Kaori, uma violinista com um espírito livre e independente, que vai ajudar o protagonista a regressar ao mundo da música, a superar os seus medos e a trazer à superfície a essência artística do prodígio musical.
Your Lie in April é uma verdadeira montanha-russa emocional, inundada de pequenas mas significativas mensagens que não deixarão nenhum espectador indiferente. Durante a jornada que atravessamos lado a lado com o protagonista Kousei, vamos interiorizando essas mensagens e assistimos ao crescimento de um jovem que, através do sofrimento e da alegria, abandona fantasmas do passado e começa a traçar um novo caminho para a sua vida. Durante esta viagem, há duas pessoas que são essenciais para a progressão do protagonista: Arima Saki, a sua mãe e instrutora de piano, e Kaori, a jovem violinista que Kousei conhece num mês de abril.
Vê também: Três famosas mangas revelam a sua versão de Capitão América: Guerra Civil
Desde os instantes iniciais do primeiro episódio da série, ficamos com uma rápida noção da influência que Saki tem em Kousei, mesmo após a sua morte. A primeira impressão que temos desta mãe não é das melhores, já que esta maltratava o filho sempre que ele não tocava as peças musicais tal como estavam na pauta, como um autêntico robô. Kousei não tinha permissão para ter qualquer tipo de sentimento pela música nem expor as suas emoções através dela. Obviamente que este treino abusivo torna Kousei no melhor músico da sua geração, vencendo todas as competições, mas a pressão colocada sobre o jovem é tanta que, quando a sua mãe morre, ele fica completamente bloqueado e deixa de ouvir as notas que toca. Só mais tarde ficamos a conhecer as verdadeiras razões por trás desta educação musical intensiva, e para muitos, Saki será vista numa perspectiva mais compreensiva pois o fim justificava o meio. Ainda assim, esta experiência vivida por Kousei deixa marcas profundas no seu íntimo e difíceis de sarar.
Lê ainda: Eis o novo trailer de Kimi no Na wa./your name. de Makoto Shinkai
A primeira metade da série anime foca-se no processo de luto de Kousei em relação à morte da sua mãe. A música é a grande ponte de ligação emocional e comunicativa entre os dois, quer nos momentos mais alegres quer nos mais dolorosos e angustiantes. Se por um lado o protagonista da série é muitas vezes invadido por um sentimento de nostalgia ao ouvir certas peças musicais, que em tempos foram tocadas pela sua mãe durante a sua infância, por outro, existe um certo pavor de Kousei em aproximar-se deste mundo que lhe é tão familiar e pelo qual nutre uma genuína paixão, pois sabe que isso trará ao de cima memórias menos felizes de Saki e que ele não quer relembrar.
Vê mais: Série anime Haikyuu renovada para uma terceira temporada
A constante obstrução que o jovem pianista faz das memórias da mãe revelam o trauma que esta lhe causou, mas mais tarde percebemos que esta barreira colocada pelo protagonista indica igualmente um forte sentimento de culpa. É esta grande comoção emocional que impede Kousei de fazer o luto. Eventualmente ele percebe, com a ajuda de Kaori, que só através da música conseguirá superar este acontecimento trágico da sua vida. Após servir de acompanhante na performance da violinista, esta força Kousei a entrar numa competição de piano onde ele terá de interpretar a peça Étude Op. 25, No. 5, em mi menor, de Chopin.
A performance ajuda Kousei a progredir enquanto músico, fazendo ressurgir o pianista singular que a mãe ocultou com os seus treinos. Numa primeira fase ele é obrigado a confrontar o fantasma de Saki, que lhe abafa o som do piano e, mais à frente, quando se encontra prestes a desistir, a forte influência que Kaori tem sobre ele dá-lhe uma nova coragem e um novo motivo para tocar. Este é um momento fulcral para Kousei pois leva-o a exprimir os seus sentimentos através do piano e da pauta, depois de ter reprimido qualquer tipo de emoção após o falecimento da mãe. Desta forma, o protagonista fica praticamente livre do espectro que criou de Saki, e renasce enquanto músico. O processo de luto só fica completo quando Kousei interpreta, mais tarde, uma peça que lhe é bastante familiar e com uma ligação direta à mãe, que lhe dá finalmente a oportunidade de se despedir dela.
Lê também: Outsider Films celebra o 30º aniversário do Studio Ghibli
Durante toda a série há duas ideias que estão constantemente presentes e vão sendo desenvolvidas através do protagonista, Kousei, e dos personagens secundários, como Kaori, Tsubaki, ou os rivais do pianista, Takeshi e Emi: o impacto que certas pessoas têm nas nossas vidas pode ser tão forte que se torna irreversível e a música como forma de canalizar emoções e estados de espírito.
Miyazono Kaori é uma personagem que embora não seja tão desenvolvida como talvez merecesse, é fundamental para esta história. Ela é o elemento catalisador de toda a narrativa e é responsável por grande parte da evolução que testemunhamos no protagonista, para além de dar o nome à série (algo que só ficamos a perceber no último episódio). É através deste par de músicos e da dinâmica existente entre ambos que Your Lie in April nos mostra, da maneira mais simples e mas bela, como uma pessoa pode influenciar tanto a vida de outra, deixando vestígios que jamais se desvanecem.
É Kaori que consegue lentamente libertar Kousei da prisão emocional onde este vivia, primeiro convencendo-o a acompanhá-la no piano durante um concurso de violinos e, mais tarde, fazendo-o entrar numa competição de piano. Ela mostra-lhe um lado da música, e no fundo da vida, que ele nunca tinha conhecido, onde existe liberdade, emoção, espontaneidade, mas também efemeridade. Eventualmente Kousei começa a revelar mudanças positivas provocadas pela convivência com a violinista, sempre através da música e do seu piano, a melhor forma de expressão que ele tem. Como não é capaz de ouvir as notas, a única solução do protagonista é tocar sempre com a maior sinceridade e emoção possíveis, imaginando que as pontas dos seus dedos estão ligadas diretamente à sua alma. Esta estratégia acaba por deixar transparecer todos seus sentimentos, mas também os vestígios deixados por pessoas importantes da sua vida, como a sua mãe ou Kaori. Esta imagem criada pela série, onde a alma de uma pessoa é composta também pela essência de outras, é das mais belas de toda a história.
Vê ainda: As 10 séries anime mais longas e ainda em exibição (parte 1)
A música é um elemento basilar desta série de animação japonesa, tanto a nível narrativo como técnico, nomeadamente ao nível da banda sonora. É através desta arte que os personagens veiculam os seus sentimentos mais profundos e íntimos, sejam eles raiva, frustração, solidão ou amor. É então nos momentos musicais, protagonizados pelos diversos personagens, que a emoção fala mais alto em Your Lie in April. Desde Chopin, a Debussy, até Beethoven, a série homenageia grandes compositores da música clássica enquanto deixa que as notas das várias peças interpretadas pelos jovens músicos façam aquilo que, por vezes, nem as palavras são capazes, e revelem os seus maiores desejos, medos ou ambições.
Lê mais: 12 locais que inspiraram obras do Studio Ghibli (parte 1)
A demonstração que Your Lie in April faz do poder da música na transmissão das emoções constitui um dos elementos mais poderosos e sinceros da série. Esta ideia defendida na história é apresentada e utilizada com uma grande perspicácia. Como cada momento musical da história tem imensa importância para os personagens e para a narrativa, a emoção que gira em torno destes momentos é bastante contida e permanece assim até chegar a hora H, onde existe depois liberdade total para uma explosão de sensações. Para além de conferir à história mais emotividade do que qualquer outro meio que procurasse atingir esse objetivo, este lado da série possibilita uma ligação e identificação genuínas com o espectador.
Vê também: Séries que te introduziram ao universo anime (parte 1)
No mundo das séries de animação japonesa somos constantemente bombardeados com novos projetos que, na sua maior parte, são vazios de conteúdo e não oferecem nada de novo. Felizmente, existem excepções à regra. Your Lie in April é uma pérola escondida na imensidão das séries anime à espera de ser encontrada e vista. Tal como a primeira aragem da primavera aquece os nossos espíritos anunciando um tempo de renovação, assim é a série Your Lie in April, pronta para soar as suas notas de esperança até ao fundo das nossas almas, inspirando-nos a enfrentar o novo dia de cabeça erguida e com um brilho no olhar.
Título Original: Shigatsu wa Kimi no Uso
Realizador: Kyōhei Ishiguro
Elenco: Natsuki Hanae, Risa Taneda, Ayane Sakura
A-1 Pictures | Drama, Romance, Musical | 2014 |
[starreviewmulti id=19 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]
Filipa Machado