"Pássaro de Fogo" | © Rui Palma

Pássaro de Fogo | Pedro Baptista morre e renasce nos Jardins do Bombarda

Dias 20 e 21 de Junho, Pedro Baptista traz a cena o seu “Pássaro de Fogo,” um monólogo multifacetado que culmina na dança ao som da composição mais famosa de  Ígor Stravinsky.

Valentim de Barros nasceu em Lisboa, em 1916, e ainda nem tinha 15 anos quando começou a formar-se em dança contra a vontade dos pais. A carreira teve início em terras lusitanas, mas foi lá fora que conseguiu alcançar o sucesso, tornando-se no primeiro bailarino português a internacionalizar-se. Só que o fascismo perseguia o artista, levando à fuga da Espanha franquista e à expulsão da Alemanha Nazi. De volta a Portugal, o Estado Novo abateu-se sobre ele. Preso pela PVDE, Valentim de Barros foi internado à força no Miguel Bombarda e nesse manicómio morreu, passados quase cinquenta anos, depois de ser submetido a tratamento de eletrochoques e lobotomia.

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O crime deste homem, sua loucura? Meramente amar outros homens, a dita doença da homossexualidade. Injustiçado em vida, o espírito do bailarino ainda assombra a História nacional e o lugar que lhe foi casa e prisão. É claro que, hoje em dia, o Hospital Miguel Bombarda é uma relíquia histórica ao invés de uma instituição psiquiátrica. Seu jardim é espaço público e, neste Mês do Orgulho, vai acolher um artista queer, também ele fascinado pela dança, também ele na vertigem do que muitos poderiam classificar como loucura. Dias 20 e 21 de Junho, Pedro Baptista apresentará o seu “Pássaro de Fogo” nos Jardins do Bombarda.

Um monólogo, concerto, bailado e muito mais.

passaro de fogo pedro baptista
© Rui Palma

Integrado no Festival Temps d’Images, o projeto não é sobre Valentim de Barros apesar de invocar a sua memória e mencionar o seu fantasma. De facto, nem é só uma peça teatral, englobando dança e uma coleção de instalações que podem ser vistas hora e meia antes do ator entrar em cena. Ele é o já referido Pedro Baptista, cuja carreira já inclui projetos de Mário Coelho, Pedro Penim, Jorge Silva Melo, Alice Azevedo e tantos outros. Também se tem afirmado enquanto encenador e dramaturgo, com espetáculos tão notáveis como “Anima,” um “Suspiria” imersivo e o “Auto das Anfitriãs” em cocriação com Inês Vaz e produção do Teatro Nacional D. Maria II.

Esse último chegou a cena este ano, que viu ainda a estreia de Baptista na realização de cinema, com o “Êxtase” que passou no IndieLisboa e foi nomeado para Melhor Atriz e Melhor Fotografia nos Prémios Curtas. Mas mesmo com esses projetos, “Pássaro de Fogo” é o seu feito mais ambicioso de 2025, quiçá de toda a carreira. Será certamente o mais arriscado, propondo um monólogo de 100 minutos que começa com humor burlesco e estilizações ferrenhas antes de virar concerto rock, uma mostra de slides com fotografias antigas, uma lição de História e uma récita de dança ao som de Stravinsky.  É uma vivissecção, o teatro enquanto confessionário.


Segundo as palavras do próprio autor, é a morte e a ressurreição. Poderá ser a morte do ego e o nascer de algo completamente livre, uma expressão artística sempre a cambalear sobre a possibilidade do solipsismo. Afinal, estamos perante um artista a falar da sua arte e da vida, refletindo abertamente num devaneio que, ocasionalmente, parece mover-se sem destino certo. Dito isso, há forma concreta no exercício e propósitos claros também. Há uma estrutura que reflete a composição musical que lhe dá nome e dança derradeira, começando num registo extremado antes de acalmar e se render ao silêncio, à ausência. No fim, resta a euforia.

Em certa medida, é também a estrutura daquele capítulo rapsódico da “Fantasia 2000,” quando um espírito da floresta acorda o vulcão e, no meio da terra queimada, tem que encontrar força em si mesmo para se erguer e trazer a Primavera de volta. Aliás, Baptista faz amplas referências ao clássico da Disney, partilhando episódios da infância que logo lhe traçam um percurso de autodescoberta que se estende muito além deste “Pássaro de Fogo.” Apela-se principalmente às performances partilhadas com a família na sala-de-estar, a maravilha do menino com oito anos a expressar-se daquela forma desinibida que é comum às crianças e raríssimas na vida adulta.

Pedro Baptista nunca arriscou tanto.

passaro de fogo pedro baptista
© Rui Palma

O “Pássaro de Fogo” encontra o artista de 32 anos na procura daquilo que se perdeu entretanto, resgatar as possibilidades daquele seu ‘eu’ antigo que sonhava em dançar antes de outras vocações o afastarem desse caminho. Haverá aqui remorso e arrependimento? Talvez, mas também há esperança e uma vontade de viver imensa. Acima de tudo, vontade de viver livre. Viver como Valentim de Barros não pôde viver, autêntico e caótico, de identidade afirmada e sentimento volátil, capaz de partilhar tudo com o mundo e reivindicar o seu espaço, a atenção do público, o direito de existir como é, sem desculpas e sem vergonha.

Vão partilhar estes momentos com Pedro Baptista e seu cabaret intimista onde matutar sobre o próprio conceito de ser vulnerável em teatro se torna parte da experiência. Venham passar uma noite de verão ao som do célebre ballet e do silêncio lisboeta, enquanto uma brisa doce faz as cortinas dançar em dueto com o ator. Em matizes de vermelho e luz azul, à medida que o sol se põe em pano de fundo, “Pássaro de Fogo” não reinventa Stravinsky nem ressuscita Valentim de Barros. No entanto, rende-se ao compositor e honra o bailarino. Neste Mês do Orgulho, é impossível sobrevalorizar tal coisa. Acima de tudo, o trabalho de Pedro Baptista será essencial para todos aqueles que acreditam na capacidade da arte para nos por as almas a nu e ajudar a descobrir nós mesmos.

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O “Pássaro de Fogo” de Pedro Baptista já tem os bilhetes à venda no site do Festival Temps d’Images. Realiza-se dia 20 e 21 de Junho, às 21H00 nos Jardins do Bombarda, em Lisboa. Não percas!



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