“Quand vient l’automne" é um filme bastante sinuoso. ©Festival de San Sebastián

“Quand vient l’automne” a San Sebastián por François Ozon

O prolífico realizador francês François Ozon, entre outros filmes menores que vão estreando na Competição, surpreendeu-nos com “Quand vient l’automne”, uma tragicomédia sobre relações familiares e a velhice, que oscilam entre o incómodo e o emocional. Para todos os efeitos e apesar de alguma debilidade é um bom regresso ao melhor do realizador e mais um forte candidato à Concha de Ouro 2024.

O prestigiado realizador francês François Ozon (“O Crime é Meu”) não pára de filmar e regressou aqui à Competição de Donostia 72, onde se estreia aliás, com “Quand vient l’automne”, uma tragicomédia, um filme bastante interessante e dúbio, que aborda as complexidades da velhice e das relações familiares, passado numa pequena comunidade, da verdejante e florida Borgonha. Marcada por um comportamento bastante nervoso e agitado, a loira Valerie (Ludivine Sagnier), chega para visitar a casa rural da mãe com o filho, o pequeno Lucas. Mas passa o tempo todo conversando ou discutindo ao telefone ou com a mãe Michelle (Hélène Vincent), sempre com censuras e a única coisa que lhe parece importar é ficar com o dinheiro ou mesmo os bens da sua progenitora. Não me recordo de ver a estrela do cinema francês Ludivine Sagnier interpretar uma personagem não apenas secundária, mas tão desprezível e até ficar feia, como a Valérie deste “Quand vient l’automne”.

Quand vient l’automne
Vincent (Pierre Lottin), o filho da amiga Marie-Claude (Josiane Balasko) sai da prisão. ©Festival de San Sebastián

Por outro lado, a fresca e enxuta Michelle (a extraordinária Hélène Vincent, que poderá ser aqui, uma forte candidata ao Prémio de Melhor Atriz), apesar da idade já avançada, preparou um bom almoço para a filha e para o neto, com cogumelos selvagens que ela e sua grande amiga e vizinha Marie-Claude (Josiane Balasko) apanharam na floresta. Mas as coisas vão correr bastante mal em “Quand vient l’automne”: algum cogumelo, que estava na comida era venenoso, Valérie sente-se mal e é levada com urgência para o hospital, devido a uma intoxicação. A rapariga recupera rapidamente, mas a sua indignação com a mãe aumenta ainda mais e parte imediatamente, interrompendo abruptamente as férias do pequeno Lucas,  regressando a Paris.

VÊ TRAILER DE “QUAND VIENT L’ AUTOMNE”

A terrível e conflituosa relação entre mãe-filha é por outro lado contrastada por um forte vínculo entre avó-neto é a chave de “Quand vient l’automne”. Ozon de facto aborda a realidade de muitas famílias, nas quais às vezes é necessário pular uma geração, para quebrar a toxicidade e encontrar laços bem mais saudáveis. Entretanto, há ainda uma segunda e interessante sub-trama, que se vem juntar à primeira: a amiga Marie-Claude tem o seu filho Vincent (Pierre Lottin) na prisão. Quando Vincent é libertado, tem naturalmente que enfrentar além do desprezo generalizado da comunidade, dificuldade em arranjar trabalho. É então Michelle quem o ajudará a reintegrar-se, primeiro dando-lhe emprego como jardineiro na sua bela casa e depois financiando-lhe a abertura de um bar.Um dos elementos mais surpreendentes com que Ozon lida melhor é o passado de Michelle, que trabalhou ‘na mais antiga profissão do mundo’, algo que não é de forma nenhuma julgado, pelo contrário, além de ter uma certa graça na curiosa e fina personagem, que deixou a agora idosa e aposentada, com um bom pé-de-meia e uma vida bastante desafogada.

Quand vient l’automne
Existe um forte vínculo entre avó Michelle e o neto Lucas. ©Festival de San Sebastián

“Quand vient l’automne” é de facto um filme bastante sinuoso e contraditório no seu argumento, já que vai da comédia negra ao thriller, passando pelo drama familiar, e em cuja história, que até certa altura, deixa muitas coisas por contar, vamos ter que ir descobrindo segredos, conspirações e tragédias, no meio daquelas pessoas aparentemente educadas e cordiais. É importante ver também, como apesar por vezes do humor negro, “Quand vient l’automne” funciona melhor nas áreas mais ambíguas e perturbadoras do enredo, do que nos momentos de paz e estabilidade, parece que isso não é natural naquelas personagens. Infelizmente, no final, Ozon acaba por ceder um bocadinho à tentação de explicar talvez demasiado e até mesmo apelar a um discurso mais típico do realismo fantástico, fugindo bastante das ambiguidades dos personagens que é uma marca de alguns dos seus filmes anteriores; e não sei porquê e a propósito, lembrei-me da questão da impunidade, em Match Point, de Woody Allen. Se calhar ambos os cineastas começam a ter semelhanças? De qualquer forma, “Quand vient l’automne”, o título é muito sugestivo e tem duplo sentido como veremos, em diversos momentos recupera o melhor da ironia e do talento de François Ozon, que foi em tempos, um cineasta muito perturbador e provocador. Há uns anos para cá, parece bastante mais contido e formal. É pena!

JVM



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