"Riddle of Fire" | © Leopardo Filmes

Riddle of Fire, a Crítica | Uma brincadeira de miúdos com Lio Tipton

Weston Razooli apela à nostalgia para a sua primeira longa-metragem. “Riddle of Fire” está algures entre o pastiche cinematográfico e o teatro infantil, com a fabulosa Lio Tipton no papel de vilã.

Em certa medida, parece que a cultura atual está presa em ciclos viciosos de nostalgia, envenenados por um olhar idealizado para o passado. Basta vermos quantas produções são feitas sobre as aventuras de crianças e adolescentes nos anos 70 e 80, um reflexo de juventude prolongada pela parte dos artistas e de um cinema obcecado em recapturar glórias passadas. Nesse sentido, deveríamos considerar “Riddle of Fire” no mesmo contexto em que temos “Stranger Things,” as novas adaptações de Stephen King, catrefas de remakes, reboots e outros tantos que tais. Contudo, isso seria injusto para com a estreia de Weston Razooli no panorama das longas-metragens.

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Parte disso vem da suprema sinceridade deste exercício, reconfigurando todos os piscares de olho e arcaísmos estilísticos enquanto um reflexo das predileções do realizador. Não há ironia e muito menos um impulso mercenário por detrás. Talvez haja alguma da mesma superficialidade, mas, aqui, isso manifesta-se principalmente como um entusiasmo brincalhão, uma vontade de fazer cinema independente sem se levar demasiado a sério. Dito isso, quiçá o aspeto mais surpreendente disto tudo é como o Razooli situa a ação na contemporaneidade, por muito que toda a estética remeta para décadas no passado. De facto, a história só faz sentido nos dias de hoje.

Melhor que “Stranger Things” e imitadores!

riddle of fire critica
© Leopardo Filmes

Este é o conto dos irmãos Jodie e Hazel que, na companhia da amiga e coconspiradora, Alice, roubam um videojogo e mal podem esperar para passar uma tarde com ele. Só que a televisão está bloqueada por uma password e a mãe dos rapazes está adoentada e só lhes dá o código se os filhos lhe trouxerem uma tarte de mirtilos. Inicialmente, o plano era comprar a sobremesa, só que a pastelaria já não tem mais tartes de mirtilo. Por isso, há que ir em busca dos ingredientes, cada um o início de nova miniaventura. Neste aspeto, “Riddle of Fire” desenrola-se como um videojogo ou talvez como um daqueles livros estilo “choose your own adventure.”

A narrativa só toma uma forma mais cinematográfica quando a última dúzia de ovos é comprada por um rufia que os amigos seguem até uma cabana misteriosa. Lá vive o Enchanted Blade Gang, grupo de criminosos liderados por Anna-Freya Hollyhock. Pelo nome, aparência e mística, poder-se-ia presumir que é uma bruxa. E é isso mesmo que esta miudagem deduz, mas isso não os impede de ir em busca dos ovos, aliando-se à filha da vilã numa odisseia que se torna cada vez mais improvável, mais grandiosa, mais épica. Mas sempre dentro dos padrões esperados de uma história de miúdos, quiçá partilhada junto a uma fogueira, durante uma viagem de campismo no pico do verão.


Tais tonalidades são um dos pontos fortes da obra, deixando que “Riddle of Fire” chegue ao espectador leve e despretensiosa, pronta a agradar a um público mais infantil e fazer com que os graúdos se recordem de tardes bem passadas entre amigos. Dito isso, existe uma necessidade de agrandar as peripécias das personagens que foge um pouco à simplicidade doce das primeiras passagens. Isso também se reflete na duração que quase chega às duas horas, um tamanho desmesurado e insustentável. Por outras palavras, a meio da coisa, “Riddle of Fire” começa a perder o gás, como se a chegada da noite deixasse o próprio filme às margens da sonolência.

O que também não ajuda são os atores de palmo e meio. Muito se felicita Razooli pela sagacidade do seu casting, e há muito a elogiar no modo como o realizador puxa por um registo artificial. Essa abordagem dá-lhe margem de manobra e contextualiza o trabalho de Charlie Stover, Skyler Peters, Phoebe Ferro e Lorelei Olivia Mote numa irrealidade fundamental. Por isso, até quando o texto poderia pedir por algum sentimento mais agreste, pânicos e temores, os intérpretes podem evitar dramatismos forçados. O problema é que isso também drena adrenalina desta putativa aventura. Ainda para mais, faz com que as personagens não tenham muito que as torne interessantes além da sua irreverência pré-adolescente.

Pode uma performance ser boa demais?

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© Leopardo Filmes

Talvez fosse possível esconder isso numa montagem mais judiciosa, ou num filme que não tivesse em si uma prestação tão forte como a de Lio Tipton. Porque a grande vilã de “Riddle of Fire” é quase boa demais para a história que a contém, puxando por uma estilização grotesca que, no entanto, nunca trai por completo esse naturalismo típico do cinema indie americano. Ela é a melhor e a pior parte da alquimia cinematográfica em jogo, elevando as suas cenas ao mesmo tempo que faz tudo em redor parecer mais pobre do que seria na sua ausência. Enfim, mais vale ter uma antagonista memorável que se ficar somente por meia dúzia de heróis insonsos.

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Fora essas questões de texto, atuação e dramaturgia, “Riddle of Fire” é exatamente o pastiche deleitoso que Razooli promete desde os créditos em tipologia retro à banda-sonora que mistura originais de sonoridade antiga com relíquias de fonte insuspeita. A certa altura, os cineastas até incluem uma composição do “Holocausto Canibal.” Acreditem que esta é uma das grandes bandas-sonoras do ano. Dito isso, por muito prazer que tenhamos com a música e restante sonoplastia, com os figurinos e cenários perdidos no tempo de Meg Cabell, a fotografia será a estrela suprema do filme. Jake L. Mitchell é um mago com a película de 16mm, invocando as qualidades hápticas do cinema dos anos 70 e 80, ao mesmo tempo que olha para o futuro, para um novo estilo de fábulas no grande ecrã e sonhos em celuloide.

Riddle of Fire, a Crítica

Movie title: Riddle of Fire

Date published: 28 de May de 2025

Country: EUA

Duration: 115 min.

Director(s): Weston Razooli

Actor(s): Charlie Stover, Skyler Peters, Phoebe Ferro, Lorelei Olivia Mote, Lio Tipton, Charles Halford, Andrea Browne, Weston Razooli, Rachel Browne, Austin Archer, Danielle Hoetmer, Chuck Marra, Colleen Baum

Genre: Ação, Aventura, Comédia, 2023

  • Cláudio Alves - 7/10
    7/10

CONCLUSÃO:

A nostalgia anda a envenenar o cinema e televisão, mas ainda há quem seja capaz de recordar as aventuras infantis dos anos 70 e 80 sem sacrificar a personalidade, a ambição artística, ou a irreverência da forma. “Riddle of Fire” prova isso mesmo e põe o nome do seu realizador no mapa. É certo que Weston Razooli ainda tem muito a aprender, especialmente em questões de ritmo e estrutura, mas a sua estreia é bastante promissora. Pelo menos, suas habilidades estilísticas estão provadas, sugerindo um cinema retro e deliberadamente juvenil em que ainda há espaço para alguma sofisticação formal.

O MELHOR: Lio Tipton, na sua excelência vilanesca.

O PIOR: Lio Tipton, que destoa e desequilibra a fita – é um paradoxo.

CA

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7/10
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