Pormenor da capa de Saint Cloud (2020)

Waxahatchee, Saint Cloud | em análise

Por fim, Katie Crutchfield assume o controlo da sua narrativa. Contrariamente ao último registo de Waxahatchee, Saint Cloud é uma busca pelo equilíbrio.

Grandes mudanças se deram na vida de Katie Crutchfield desde o seu registo de 2017, Out In the Storm. Em 2018, no Primavera Sound de Barcelona, a cantora por trás do projeto Waxahatchee abraçou a sobriedade. Esse seria o início de um outro caminho, contrário ao que tinha levado até ali e que daria origem a Saint Cloud.

O público apercebeu-se deste novo capítulo com os singles. Enquanto em Out In the Storm a artista recorre a uma sonoridade rock mais agressiva para expressar os sentimentos, maioritariamente de raiva, por outra pessoa, em Saint Cloud, Katie Crutchfield, no seu natural folk e country, é a personagem principal. Por sinal, “Fire”, o primeiro single, encontra Crutchfield a unir os pronomes “I” e “You” na mesma pessoa, aceitando os seus limites e a ela própria como é. É uma canção sobre crescimento e mudança, dois pilares do álbum.

SAINT CLOUD | “FIRE”

Depois da trilogia dos singles, já se adivinhava uma mudança na sonoridade do álbum também. Waxahatchee regressava às tendências folk do seu início, abrandando e aterrando, abraçando arranjos mais orgânicos, reflexo da volta que deu à sua vida. Numa recente entrevista à revista americana Pitchfork, a artista confessa: “Eu sabia que não ia escrever nada de bom outra vez enquanto não tirasse um minuto para descontrair.” Em “Lilacs”, um dos pontos altos do álbum, Crutchfield enverga as suas influências Dylan com orgulho nuns versos contidos, quase falados, antes de florescer no refrão.

Lê Também:   Mês em Música | Playlist de Fevereiro 2020

Apesar da decisão tomada por Katie Crutchfield em 2018 ter sido fundamental na concepção deste álbum, Saint Cloud não é um álbum sobre sobriedade, mas sim sobre o caminho que se abriu após isso. O álbum é um percurso, a procura de um equilíbrio. Sonoramente, o registo é coeso, acontecendo por vezes que certas linhas melódicas nos fazem lembrar outras canções ouvidas anteriormente no alinhamento. A tensão é sentida nas letras. No início, Waxahatchee mostra ter dificuldades em fazer passar os seus sentimentos de forma genuína. De um lado, temos “Oxbow”, que abre o álbum. Por cima de um instrumental complexo, as suas letras são abertas e abstratas. Sendo a primeira faixa, tanto um como o outro deixam-nos intrigados acerca do que está para vir no registo. No entanto, o texto vago dificulta qualquer tipo de relacionamento com a canção, à exceção da repetida frase “I want it all” no final, tornando-a o cerne da canção.

SAINT CLOUD | “LILACS”

No extremo oposto encontra-se “The Eye”, cuja primeira metade foi escrita num quarto de hotel em Portugal, aquando da sua passagem pelo festival NOS Primavera Sound, também em 2018. Liricamente destoa das canções que antecedem. Nela a cantora conta o que é ser artista e como funciona a sua dinâmica com o parceiro, também ele artista, Kevin Morby. No entanto, tanto as letras como o arranjo e a própria performance vocal soam pouco esforçados. Na primeira metade do álbum, Waxahatchee oscila entre o poético e o direto, numa tentativa de falar genuinamente.

Sendo Saint Cloud o retrato de um caminho, depois de uma queda, Waxahatchee levanta-se em “Hell”, talvez a canção mais country no álbum, e aguenta-se até ao final. As letras são trabalhadas e Crutchfield mostra que isso não é uma barreira. Com traços irónicos, uma certa dose de obsessão e um refrão cativante, “Hell” é sem dúvida uma vitória.

É na trilogia final que Crutchfield parece realizada, em todos os aspetos. Num ritardando que se estende pelas três canções, a proeza lírica de Crutchfield fica ao serviço das narrativas. Esta qualidade, junto com o facto de serem todas baladas, faz de “Arkadelphia”, “Ruby Falls” e “St. Cloud” as faixas mais emotivas do álbum. Três nomes de lugares, e nas três canções Crutchfield demonstra a sua habilidade em criar cenários e contar histórias, para tal unindo o arranjo às palavras.

SAINT CLOUD | “ST. CLOUD”

Saint Cloud fecha com a faixa homónima “St. Cloud”, sendo a conclusão mais adequada à busca que o álbum é. Crutchfield encontra equilíbrio no instrumental minimalista, no assentar (“When you get back home to Saint Cloud”) e na forma abstrata e poética de, mais uma vez, comunicar algo sincero do seu dia-a-dia. Em “Oxbow”, a faixa de abertura, por cima da cama complexa que o arranjo forma, pouco mais se percebe das letras quase indecifráveis do que a frase “I want it all”. Como a própria Katie denunciou, foi preciso parar, abrandar um pouco, para depois saber para onde ir. “St. Cloud” é composta por todos estes elementos: abranda, põe os pés no chão e fala-nos da estabilidade que é a sua meta.

Waxahatchee, Saint Cloud | em análise
Capa do álbum Saint Cloud, de Waxahatchee

Name: Saint Cloud

Author: Waxahatchee

Genre: Americana, Alternative Country, Folk

Date published: 27 de March de 2020

[ More ]

  • Pedro Picoito - 83
83

Um resumo

É difícil não comparar Saint Cloud com o registo anterior de Waxahatchee, o agitado Out In the Storm, ou ligar as canções do recente álbum ao seu percurso de sobriedade. No entanto, em Saint Cloud procurou falar-nos de coisas banais, voltando às suas origens country e folk. Katie Crutchfield vê a sua decisão como uma porta que possibilitou um novo olhar sobre o mundo e sobre si própria. O registo retrata Katie nesta vida nova, conhecendo-se melhor e acima de tudo à procura de um lugar estável, onde assentar, onde abrandar o ritmo, um lugar onde no seu quotidiano cabem o poético e o literal, ambos exprimindo os sinceros sentimentos de Crutchfield, sejam eles triviais ou reflexões profundas, desde viagens com amigas a uma vida perdida para o vício.

Sending
User Review
0 (0 votes)

Leave a Reply

Sending