Salas de Cinema | Hoje vou ao Império

 

“Tempos houve em que as salas de cinema proliferavam em Lisboa, dos múltiplos cinemas de bairro às salas memoráveis: como o S. Luís, o Chiado-Terrasse, o Tivoli, o Éden e tantos outros. Tempos houve em que ir ao cinema era um acto elegante, que merecia indumentária apropriada, e também um acto social – ia-se para ver e ser visto.

 

As grandes salas de cinema foram desaparecendo da cidade e, hoje, vai-se ao cinema nos centros comerciais, no intervalo de umas compras.”  in “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX” de Margarida Acciaiuoli (Editorial Bizâncio 2012).

 

No ano em que Portugal assistiu ao nascimento da sua segunda sala IMAX no Porto, tal como a primeira em Lisboa, integrada num dos nossos melhores shopping centers, pareceu-nos importante e oportuno tomar a nosso cargo a missão de, nesta página, com a regularidade que o ímpeto frenético das estreias nos permita, ir relembrando que “ir ao cinema” nem sempre foi sinónimo de mais uma volta pelo centro comercial, entre uma sandes e mais umas compras. A verdade é que os cinéfilos de hoje, e arriscaríamos mesmo dizer a generalidade dos nossos leitores, não só não conheceram salas de cinemas de referência como o Eden ou o Chiado Terrasse, como a maioria terá mesmo nascido já após a sua demolição ou reconversão.

Importa sublinhar que a nossa inspiração repousa nas inesquecíveis memórias que alguns de nós retêm dessa época, de importantes testemunhos como os do magnífico website restosdecoleccao.blogspot.pt de José Leite, e sobretudo do valioso contributo de Margarida Acciaiuoli e do seu livro de 2012 “Os Cinemas de Lisboa”.

 

Cinema Império.1
Edifício do Cinema Império – Foto de restosdecoleccao.blogspot.pt

 

O Cinema Império | A Alameda D. Afonso Henriques e o desenvolvimento da capital

O projecto do Cinema Império teve, necessariamente, que optar entre duas possibilidades. Seria ou um edifício com duas salas independentes, na linha em que o Cine-Teatro Monumental se traçara, ou retomava o modelo operatório da tradição mais corrente dos cineteatros, incluindo num mesmo espaço as funções de cinema e teatro. Neste caso, porém, a fórmula da dupla função da sala pareceu mais indicada, uma vez que se partia do princípio que essa articulação era menos limitativa.

Projectado pelo arquitecto Cassiano Branco 1947 sob um traço de arquitectura modernista, possuía plateia, 1º e 2º balções num total de  1676 lugares. Foi construído no seguimento de outras grandes salas também edificadas nos anos 50 do século XX, só sendo suplantado, em lotação, pelos “Cinema São Jorge” e pelo “Cine-Teatro Monumental”. (in restosdecoleccao.blogspot.pt de José Leite)

João Fragoso assinou o papel representando uma interpretação de Lisboa, colocado no foyer do 1º balcão, e as cerâmicas que compunham a decoração. (in restosdecoleccao.blogspot.pt de José Leite)

 

 

O Cinema Império | Inaugurado em 1052 com o filme O Preço da Juventude, de René Clair

É indiscutível que o cinema valorizava a alameda e colocava uma nota de sofisticação no local. Aliás, inaugura-se com o filme O Preço da Juventude, uma obra realizada por René Clair em 1950, cuja história tinha a capacidade de poder converter as ambições da sua personagem nas aspirações da zona. As referências que aparecem nos jornais são importantes para a compreensão desta ligação, e certamente não terá sido por acaso que se noticiaram as  «duas sensacionais estreias do cinema e do filme» como um único acontecimento. Na verdade, tal como a personagem do filme, também este local desejara para si uma nova vida, um novo vigor que o libertasse da memória rural das quintas de Arroios, marcando posição na onde de modernização a que se assistia.

 

O preço da juventude - Império
Bilhete do filme “O Preço da Juventude” – Foto de restosdecoleccao.blogspot.pt

 

Quando, em 1952, o Cinema Império se inaugura, ele põe-nos em contacto com uma «cidade nova».

Com alguma razão, o Diário de Notícias concluía que a inauguração do Cinema Império completava «a obra de Lisboa Nova». E acrescentava que, «nas suas linhas elegantes e simples, estava um padrão do nosso desenvolvimento e uma prova de que Lisboa sabia acompanhar o progresso e cuidar do bem-estar do público».

 

O Cinema Império | De «Catedral do Cinema» a «Igreja Universal»

Em 1950, por exemplo, a sala que oferecera mais sessões tinha sido a do Teatro Politeama, com 1096 espetáculos. Seguiam-se o Cinema Éden com 986 espetáculos anuais, o Cinema S. Jorge com 930, o Cinema S. Luís com 861, o Cinema Tivoli com 850, o Cinema Paris com 786, o Cinema Condes com 746, o Cinema Europa com 761, sendo que o Salão Ideal, o Salão Lisboa, o Animatógrafo do Rossio, o Cinema Imperial, o Cinema Lys, o Cinema Palácio e o Cinema Rex não tinham ultrapassado os 730 espetáculos. Quanto aos outros recintos que existiam, nem deles se falava. O número das sessões que realizaram não era significativo para as receitas que o município fazia com o imposto que lhes cobrava, e por isso foram ignorados.

É claro que, este panorama muda em 1952: a cidade não só usufruía já da entrada em cena do Cine-Teatro Monumental como passa a contar com o Cinema Império que nesse ano inicia a sua exploração. Cada um deles, com os trunfos decisivos da sua programação e com a pressão do negócio da exibição, irá contribuir para que a posição relativa dos recintos face ao número de sessões que ofereciam seja alterada, impondo uma oferta quase equitativa entre o número de espetáculos que se realizam de dia e à noite.

Porém, em 1983, a sua actividade chega ao fim, com um encerramento que não surpreendeu ninguém. Mais difícil de entender foi o facto de um movimento religioso, dito «Igreja Universal», se ter apropriado do local e de nele se ter instalado, venerando deuses de um culto. O que parece ser possível dizer é que  essa apropriação foi conseguida e, em parte, facilitada, pelo estatuto de «catedral» que o Cinema Império alcançou e que, não sendo caso único de conversões desta natureza na cidade, reafirma inequivocamente essa adequação.

 

Café Império Atualmente – Foto de restosdecoleccao.blogspot.pt

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