Scream Queens

As melhores Scream Queens do cinema

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O cinema de terror pode raramente ganhar prémios, mas isso não significa que seja um género sem mérito ou grandes prestações de atrizes que ganharam o título de scream queens.

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Em toda a história da Academia de Hollywood, somente uma vez um filme de terror ganhou o galardão máximo de Melhor Filme. Essa obra foi “O Silêncio dos Inocentes” que, por milagre, conseguiu transcender os preconceitos que existem em relação a este género muito subvalorizado. Talvez pela sua indulgência em figuras sobrenaturais e mecanismos de choque, o cinema de terror costuma ser tido como algo que não merece a mesma atenção crítica ou celebração que dramas de prestígio, mas isso em nada reflete uma falta de qualidade.

Um dos elementos mais menosprezados do edifício cinematográfico do terror nem é tanto a formalidade que possibilita os seus mais exuberantes espetáculos sensoriais, mas sim o trabalho dos atores que trazem realidade humana, ou não, aos mais mirabolantes pesadelos do grande ecrã. As protagonistas de tais filmes são usualmente apelidadas de scream queens, especialmente quando são as vítimas de assassinos impiedosos ou forças malignas de outros mundos. Alguns dos exemplos mais icónicos são, por exemplo, Janet Leight em “Psycho” e Jamie Lee Curtis em “Halloween”.

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Nesta lista prestamos homenagens a estas rainhas do terror, mas abrangemos e limitámos um pouco a definição. Efetivamente, este é um top 10 das melhores prestações de atrizes em papéis principais de filmes de terror. Como tal, em alguns casos, as atrizes estão a interpretar algo mais próximo do monstro do que da vítima martirizada. Desde naturalismo que reflete os instintos mais primordiais do ser humano até jogos de estilização endiabrada, estes trabalhos são todos especiais à sua maneira única e inimitável.

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A estrondosa Essie Davis em O SENHOR BABADOOK.

Como menção honrosa, que infelizmente não chegou ao top 10 do artigo, gostaríamos de destacar o trabalho da atriz australiana Essie Davis no horrorífico “O Senhor Babadook”. Esse filme de Jennifer Kent é mais um drama psicológico que um filme de monstros normal, sendo que na sua trama não há maior monstruosidade que a manifestação das angústias de uma mãe enviuvada com um filho bem longe de qualquer ideal risonho e pacífico. Davis faz um esforço heróico na sua ilustração de desespero maternal e depressão a resvalar em psicose. O seu efeito é tal que, a certa altura, ver o seu declínio mental é tão ou mais assustador que a possível aparição da ameaçadora entidade titular.

Sem mais demoras, seguimos então para o nosso top 10. Para explorares a lista, utiliza as setas que te permitem aceder às páginas do artigo.




 10. Sigourney Weaver em ALIEN – O 8º PASSAGEIRO (1979)

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Sobriedade e inteligência por entre os extremos de pânico.

Alien: O 8º Passageiro” pode ter começado por ser um projeto de baixo orçamento visto pelo seu próprio estúdio como um filme reles de série B, mas, nas mãos de Ridley Scott e com a ajuda indispensável do artista suíço H. R. Giger, veio a tornar-se numa obra-prima de terror e ficção-científica capaz de influenciar inúmeras gerações de cineastas. Não obstante os géneros a que pertence, parte do grande sucesso de “Alien” devém de uma abordagem realista ancorada em soluções estilísticas típicas do cinema americano dos anos 70, que dão uma base mundanamente imersiva ao pesadelo alienígena da narrativa. De facto, Scott via o Nostromos como um navio petrolífero no espaço sideral e seus tripulantes como operários não muito diferentes de tantas outras personagens de classe trabalhadora americana da época.

Com o elenco encarregue de dar vida a essa dita tripulação, Scott tentou suscitar reações genuínas e um naturalismo capaz de fazer o público crer totalmente nos perversos horrores psicossexuais desta história clássica. Felizmente para o filme, tais esforços foram frutíferos, resultando em personagens cuja dinâmica é palpavelmente tensa e onde a autoridade inata e capacidade de manter cabeça fria em extremos da Subtenente Ripley a destacam. A prestação de Sigourney Weaver nesse papel, que nem sequer tinha sido escrito para uma mulher, é um ingrediente essencial da receita de sucesso de “Alien”, representando um centro de competência heróica e resiliência humana capaz de superar os mais infernais obstáculos.

Weaver é capaz de telegrafar o modo como Ripley assimila o que se passa em seu redor, exteriorizando o seu raciocínio com espetacular exatidão sem, no entanto, sacrificar o pânico da personagem e, consequentemente, do espectador. O ato final de “Alien” depende inteiramente dos seus talentos reativos e de um controle absoluto sobre a expressividade da sua postura e movimento. Por tudo isso, esta prestação introspetiva, subtil e sem gritaria, é uma anomalia no cânone do terror, que não deixa por isso de ser poderosa. Nos filmes seguintes da saga, onde a história de Ripley e sua batalha com os xenomorfos abrange outros géneros cinematográficos que não o terror, Weaver continuou a desenvolver a personagem, mas essas glórias não existiriam sem esta primeira caracterização.




 09. Shelley Duvall em THE SHINING (1980)

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Histeria total.

Muito se fala de como os Óscares não são adequados barómetros de qualidade, mas poucos são aqueles capazes de apontar o dedo aos Razzies e os acusar de serem péssimos indicadores de má qualidade cinematográfica. Prova disso mesmo são as nomeações do seu primeiro ano de existência, quando essa associação viu por bem indicar Stanley Kubrick para o prémio de Pior Realizador por “The Shining”, assim como Shelley Duvall para Pior Atriz pelo mesmo filme. Passados quase quarenta anos desde a estreia original do filme, “The Shining” é quase unanimemente reconhecido como uma obra-prima de terror.

Quando se fala da qualidade do filme, normalmente críticos e fãs referem o modo como Kubrick filmou o hotel assombrado onde a ação se passa, como o ritmo hipnótico da obra reforça um sentimento de solidão total, como a adaptação do livro original de Stephen Kubrick deturpou um drama familiar para criar esta espécie de descida aos infernos. É raro encontrar-se uma defesa dos desempenhos dos atores enquanto partes essenciais do triunfo que é “The Shining”, mas é impossível imaginar o filme sem a loucura de Jack Nicholson ou a histeria explosiva de Shelley Duvall como Jack e Wendy Torrance. Isso deve-se ao facto de que ambas as prestações são exemplos quase cómicos de atores levados a extremos interpretativos, onde a nuance não existe e é substituída por algo semelhante a genuína insanidade.

De facto, Kubrick manipulou intencionalmente os seus protagonistas no sentido de conjurar prestações antinaturalistas, exaustando-os com centenas de takes e chegando mesmo a abusar psicologicamente de Shelley Duvall. É impossível defender humanamente os seus métodos, mas é igualmente impossível negar o seu efeito. Como contraponto à gesticulação quase cartoonesca de Nicholson, Duvall é um milagre de fragilidade psicológica completamente posta a nu por uma mulher quase paralisada de medo. Magra, desengonçada, de olhos esbugalhados e num estado de choro ou pânico constante, Duvall traz algo grotesco à sua caracterização que, ao mesmo tempo, valida a ameaça do hotel e do seu marido. Sem a sua histeria, “The Shining” nunca seria tão perturbador.




 08. Kim Ok-bin em THIRST – ESTE É O MEU SANGUE (2009)

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Maximalismo vampírico.

A ascensão do cinema coreano no panorama mundial tem sido um dos fenómenos mais importantes do cinema do século XXI. Entre os muitos filmes que têm vindo a pôr a Coreia do Sul no mapa mundo de qualquer cinéfilo de gostos internacionais, há que se destacar aquelas obras dentro do género do terror. Dentro do ecossistema do cinema coreano é particularmente interessante verificar como muitos realizadores experimentam este género cinematográfico sem terem necessariamente de fazer dele a sua especialidade, como normalmente acontece em Hollywood. Tal é o caso de Park Chan-wook, conhecido por “Oldboy” e “A Criada”, que, em 2009, assinou um dos melhores filmes de terror dos últimos dez anos.

“Thirst – Este é o Meu Sangue” representa uma bizarra proposta de adaptação literária, sendo uma versão passada na Coreia do Sul contemporânea de “Thérèse Raquin”, um dos romances mais famosos do francês Émile Zola. No entanto, as mudanças que Park Chan-wook trouxe ao clássico literário do século XIX não incidiram somente em questões de era histórica e geografia. Afinal, de uma história naturalista de desejos e crimes, o cineasta coreano construiu um ensandecido pesadelo cinematográfico sobre vampirismo enquanto doença e psicose, de amor enquanto obsessão sociopática, de religião enquanto fachada para monstruosidade. Nessa narrativa, Kim Ok-bin tem o papel mais desafiador, sendo ela uma mulher que vive uma existência desesperante com um marido doente e sogra controladora, até conhecer um padre vampiro que lhe abre as portas a toda um novo universo de possibilidades.

O que mais espanta no trabalho da atriz é a sua qualidade extrema. Por exemplo, quando a sua personagem está feliz, Ok-bin nunca está contente em interpretar um jubilo subtil, escolhendo sempre a euforia explosiva. Quando é desejo sexual que ela tem de representar, ela transmuta-se numa criatura animalesca de instintos primitivos. Quando é tristeza, ela é um poço sem fundo de desespero magoado. Para além disso, o que mais a faz brilhar é a capacidade para nos surpreender enquanto espectador, não só com o seu maximalismo performático, mas especialmente com a sua caracterização desta mulher como alguém perigosamente imprevisível e completamente psicopata. Mesmo antes de se tornar numa criatura da noite, nunca há dúvidas que o ser mais assustador de “Thirst” é ela.




 07. Mia Farrow em A SEMENTE DO DIABO (1968)

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Submissão feminina como veículo do terror.

A Semente do Diabo” é um dos grandes clássicos do cinema de terror, tanto pela sua narrativa sobre uma mulher impregnada com o filho de Satanás como pela magistral mise-en-scène e texto de Roman Polanski. Com isso dito, todo o edifício do filme depende da credulidade do espectador na situação de Rosemary, a sua protagonista, uma vítima que tem um mundo de oportunidades de fuga ao seu dispor, mas nunca se salva a si mesma. Essa realidade faz do filme uma espetacular documentação do sexismo institucional e social dos anos 60, mas precisa de um grande intérprete para nos fazer entender a impotência de Rosemary sem revirarmos os olhos para com a sua inação. Felizmente, Mia Farrow é uma atriz mais do que capaz de enfrentar tal desafio.

Com a sua figura magra, quase escanzelada, olhos grandes e tez pálida, Farrow representa logo uma imagem de fragilidade feminina mais usualmente associada a bonecas de porcelana do que a mulheres de carne e osso. Tudo isso poderia obviamente resultar numa prestação de insustentável superficialidade, mas Farrow exacerba a nossa noção da incapacidade meio infantil de Rosemary com subtis toques de génio, como o timbre da sua voz ou o arregalar dos olhos em situações inusitadas, transmitindo a ideia de alguém que vive num estado constante de paralisante ansiedade. Uma ansiedade que Rosemary parece sempre centralizar no seu dever de agradar ao marido, cuja crueldade interesseira é mais do que óbvia para qualquer membro da audiência com dois dedos de testa.

Não é que Rosemary seja cega aos sinais de alarme, mas ela sempre viveu programada pela sociedade patriarcal para ignorar tais coisas em prol da submissão. O seu grande crime e problema é confiar nas pessoas que juram querer protegê-la e amá-la mais do que ninguém e que, no fim, só a queriam explorar e abusar. Farrow ilustra a natureza sufocante desse horror com tanta claridade como delineia a exaustão física da gravidez demoníaca. O melhor de tudo, é que a atriz, apesar de mostrar empatia para com a sua personagem, nunca ousa contrariar a natureza francamente patética de Rosemary, a sua pequenez física e psicológica ou o pânico animal que, chegado o clímax, se apodera dela e a faz finalmente agir.




 06. Toni Collette em HEREDITÁRIO (2018)

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O poder da dor humana é pior que Satanás.

A maior fonte de horror em “Hereditário” não é nenhum culto satânico ou um dos sete reis do inferno, mas sim a capacidade humana para sofrer. Por essa mesma razão, apesar de passar quase metade do filme num estado de luto quase histérico, Toni Collette no papel da matriarca da família Graham consegue ser tanto a figura que mais piedade desperta na audiência, assim como a que no espectador desperta mais terror. Mesmo a sua frieza inicial é cortante, como quando a vemos fazer o elogio fúnebre à mãe pela qual não sente nem talvez alguma vez tenha sentido amor, só ressentimento.

Tal frieza não implica que Annie Graham seja uma pessoa indestrutível ou isenta de fragilidade. Num dos muitos monólogos em que Collette se desdobra ao longo de “Hereditário”, o realizador Ari Aster fixa a objetiva da sua câmara na atriz e recusa-se a cortar para outro plano, deixando-nos perscrutar o modo como Annie se esventra emocionalmente diante dos nossos olhos, deixando cair a muralha da sua impassividade para nos deixar perscrutar a fetidez da sua culpa. Quando mais uma tragédia se abate sobre Annie, então é que qualquer barreira emocional é aniquilada e Collette deixa-nos ver o interior pulsante de um coração despedaçado e a pulsar com o mais infernal tipo de dor imaginável. Annie é uma mulher possuída pelo demónio da sua própria dor.

O que mais impressiona é a maleabilidade tonal que Collette evidencia, não se deixando ficar simplesmente pelos extremos gritantes de momentos como aquele em que ela grita que quer morrer ou a sua desfragmentação durante uma sessão espírita com o marido e o filho ao seu lado. Veja-se, por exemplo, a subtileza das suas interações com Ann Dowd. Num dos momentos mais devastadores do filme, Annie verbaliza pela primeira vez a sua perda atroz e, num gesto de imensa graciosidade humanista, Collette faz uma pausa, mira a distância sem fixar o olhar e parece contemplar com atónita surpresa as palavras que acabaram de lhe sair da boca. É como se, tal como o espectador, a personagem fica-se de repente surpreendida pelo inferno emocional que Ari Aster decidiu trazer para o grande ecrã. Desses gestos minuciosos a instâncias de fisicalidade grotesca e crueldade intolerável, uma coisa é certa, Collette é uma das atrizes mais destemidas da atualidade e não tem problema nenhum em nos exibir os limites mais hediondos a que a psique humana consegue chegar.




 05. Laura Dern em INLAND EMPIRE (2006)

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Um pesadelo de anti-cinema.

Nos exemplos de prestações anteriormente examinados, parece quase sempre haver um elemento de insanidade, quer seja como reação ao medo ou como produtor desse mesmo terror. Em “Inland Empire” não é tanto a prestação de Laura Dern que traz consigo esses elementos de loucura, psicose e histeria e assim complementa o edifício do filme. Aqui, a dinâmica parece mais ser a de uma atriz a tentar dar uma prestação naturalista, cujo filme há muito transcendeu ideias convencionais de insanidade e que, face a tal, não tem outro caminho que não o de seguir o exemplo do projeto e levar o sue registo a extremos simultaneamente grotescos, inspiradores e aterrorizantes.

Putativamente, esta é a história de uma atriz a fazer uma comeback e que, inadvertidamente, começa a não conseguir percecionar os limites entre a realidade e a ficção do seu papel. Nas mãos de muitos outros cineastas, essa premissa facilmente resultaria num psicodrama convencional, mas este é um filme de David Lynch e o genial realizador faz de “Inland Empire” uma espécie de exercício em anti cinema. Desde as suas escolhas mais rudimentares até aos antípodas temáticos do texto, mais do que um filme, o projeto parece ser um pesadelo perversamente preservado em vídeo. Pela sua parte Dern, maneja ser o centro desta loucura com espetacular confiança, como que permitindo ao espectador ver como a sua persona se desfragmenta do modo mais caótico imaginável.

Ao todo, Dern acaba por interpretar o que parecem ser quatro personagens diferentes, mesmo que os créditos apenas apontem dois nomes. O seu génio não está na delineação perfeita das diferenças entre estas facetas, mas na aniquilação dessas mesmas barreiras. Observá-la é ver um ser humano em constante mutação identitária e num estado de fragilidade psicológica tão perturbadora como vagamente incompreensível. A face de Dern certamente nunca teve um exercício tal em plasticidade expressiva, sendo que, a certas alturas, a atriz parece conseguir contorcer as suas feições de formas que não deviam ser possíveis. Mas assim é Laura Dern em “Inland Empire”, o tipo de impossibilidade que vive em sonhos e que aqui ganhou casa no cinema.




04. Bette Davis em QUE TERIA ACONTECIDO A BABY JANE? (1962)

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A ideia de uma estrela de Hollywood a implodir sobre si mesma.

Como se sabe, o desenvolvimento e filmagens de “Que Teria Acontecido a Baby Jane?” foram algo entre o caos e o mitológico. Isso deveu-se ao colidir de duas das maiores estrelas da era doirada de Hollywood e duas das figuras mais antagónicas desse período de grandes estúdios, Bette Davis e Joan Crawford. A apimentar a situação havia ainda o facto de que, não só existia esta muito publicitada rivalidade entre as duas atrizes, como também os seus estilos de atuação não podiam ser mais diferentes. Apesar de ambas apoiarem muito do seu trabalho na sua persona de estrela, Crawford era perita em gestos elegantes e retratos psicológicos que nunca traíam o glamour da sua figura. Bette Davis, pelo contrário, era uma adepta de um esforço mais transformativo e camaleónico e estava sempre disposta a desafiar espectadores com os extremos do seu trabalho.

Apesar desse gosto pelo choque e papéis desafiantes ser algo quase constante na sua rica filmografia, nenhum outro papel de Bette Davis se compara a Baby Jane. Aqui, Davis levou-se aos extremos do grotesco, dando vida a uma antiga atriz estrela infantil que viu a sua irmã tornar-se numa atriz de Hollywood em adulta e que supostamente se vingou, atropelando-a num acidente que pôs a irmã numa cadeira de rodas e aprisionou Jane no papel de cuidadora permanente da inválida. Davis parece ter decidido que, ao invés de interpretar uma pessoa, o seu trabalho era dar vida a uma tempestade antropomórfica de ódio e ressentimento. É essa natureza cáustica que faz com que mesmo os momentos mais camp do filme transpirem o veneno de uma mulher que há muito se deixou render aos epítetos da sua amargura e desejo por retribuição violenta.

Tal é o feito de Davis, que ela rouba por completo o filme à sua coprotagonista, cuja performance é perfeitamente brilhante de um modo bem diferente. No papel de Jane, esta atriz que nunca temeu ser feia em frente às câmaras torna-se medonha, usando maquilhagem que torna a sua cara numa máscara de morte, uma pútrida cristalização de todo o definhar que vem com a idade. Por isso mesmo, o seu melhor momento é o instante em que a própria personagem se parece aperceber do horror que a sua figura inspira, quebrando um transe infantil com um olhar assustado para o próprio reflexo e um grito que poderia acordar os mortos. Davis, mais do que desconstruir, implode o conceito de uma estrela de cinema com o seu trabalho neste filme de terror, cuspindo malícia em todas as direções e exorcizando para nosso proveito todos os demónios de um monstro há muito perdido nas fantasias de uma criança que nunca quis crescer.




 03. Sissy Spacek em CARRIE (1976)

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Os horrores da adolescência in extremis.

Se Baby Jane imortalizou o horror de uma criança que se recusa a crescer, mesmo quando habita o corpo de uma Bette Davis enrugada e medonha, “Carrie” é um estudo sobre os horrores de uma adolescente em processo de transição para a idade adulta. Afinal, logo a primeira cena do filme retrata a assustadiça Carrie White a ter o seu primeiro período durante um duche pós-aula de educação física. Ela, que foi educada por uma mãe fanaticamente religiosa, não sabe o que se passa com o seu corpo e reage com terror ao sangue. Cruéis, daquele modo que só adolescentes conseguem ser, as suas colegas tornam o momento traumático em algo ainda pior, humilhando Carrie e “apedrejando-a” com tampões.

Esse é só começo do tormento da protagonista titular de “Carrie”, pois, a acompanhar todas as mudanças físicas da puberdade, ela começa também a desenvolver poderes telequinéticos. Além disso, um esquema vingativo de uma bully da escola e a pressão psicótica da mãe acabam por despoletar uma espiral desenfreada cujo fim será certamente a catástrofe. Tal cataclisma ocorre no baile de finalistas, quando humilhada por uma piada cruel, a jovem envergonhada e sensível metamorfoseia-se em algo monstruoso.

Sua postura tensa, olhos esbugalhados, e capacidade para tornar a festa de adolescentes no palco de um massacre sangrento sem sequer pestanejar podem ser assustadores, mas há algo bem mais perturbador na prestação de Sissy Spaceck que a sua ilustração desta explosão assassina. Trata-se do modo como a atriz consegue telegrafar todas as angústias de uma rapariga adolescente vitimada e abusada tão sistematicamente que, num momento de choque, perde toda a pouca fé que ainda poderia ter na humanidade daqueles que a rodeiam. O horror na tragédia e nos crimes de Carrie White é a humanidade pulsante da sua dor que, a certa altura, se torna tão grande que ela se torna desumana. A partir de elementos fantásticos este filme ilustra, como poucos já conseguiram fazer, o impacto de crueldade e abuso na psique jovem. Não admira que tenha havido até escolas americanas a exibir o filme como alerta contra bullying.




02. Jodie Foster em O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991)

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Um retrato minucioso que mereceu o Óscar.

Apesar da presença gloriosa de Anthony Hopkins no papel do monstruoso Hannibal Lecter dominar o legado de “O Silêncio dos Inocentes”, o filme deve tanto ou mais à prestação muito menos vistosa de Jodie Foster no papel de Clarice Starling. Não é por acaso que esta obra-prima de terror e suspense de Jonathan Demme é um dos únicos três projetos a ganhar os cinco grandes Óscares para Filme, Realizador, Argumento e Melhor Ator e Melhor Atriz. Trata-se de uma jóia cinematográfica em que todas as peças funcionam como partes de um mecanismo bem oleado pronto a disparar na direção dos espectadores que tem vindo a fascinar, repugnar e chocar há mais de duas décadas.

Desde a sequência de abertura desta dita obra-prima, é claro quão Demme apoia o seu filme na prestação central de Foster, construindo inteiras cenas impregnadas de valor temático com base na observação simples da atriz a existir em cena, a olhar algo com apreensão ou a reagir com inteligência a brilhar na expressão. Como tal, Foster é levada pela atenção do seu realizador, a edificar um retrato apoiado na minúcia naturalista, cantando inteiras árias sobre a sua posição desconfortável num mundo dominado por homens com algo tão simples como o movimento trémulo do canto da boca face a um gesto asquerosamente paternalista.

Não há nada melhor, contudo, que os seus duetos conversacionais com Hopkins no papel do famoso psicopata canibal. Aí, Foster brilha como nunca brilhou antes ou depois, telegrafando toda uma vida passada a edificar mecanismos de defesa pessoal nos seus gestos e principalmente na sua voz. Repare-se como a sua fala adota uma cadência quase mecânica quando fala com Lecter, uma fútil tentativa de manter a sua distância da mente venenosa e predatória do antigo psiquiatra. Ao longo do filme, não só entendemos Starling e suas reações, mas acabamos por conhecê-la enquanto ser humano com uma claridade que só consegue existir na relação de um espectador e personagem. Tudo isso só acontece graças ao trabalho de Foster, um esforço heróico que mais do que mereceu o Óscar.




 01. Isabelle Adjani em POSSESSÃO (1981)

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Somente a famosa cena no metro já valeria a posição deste desempenho na lista.

Tal como muitos realizadores, o polaco Andrzej Zulawski reagiu ao seu divórcio com um filme que, não só aborda o tema de uma relação estilhaçada, como se deixa levar por tempestuosas torrentes de desavergonhada misoginia. Em “Possessão”, o elemento feminino de um casal à beira do divórcio não só é retratado como uma figura profundamente instável e tresloucada, mas como uma mulher que literalmente tem relações sexuais com um monstro sobrenatural. Ela é Anna e é somente metade da prestação dupla de Isabelle Adjani que, neste pérfido pesadelo não só interpreta a terrível esposa como também dá vida ao arquétipo da inocente e muito idealizada virgem, Helen, a professora do filho do casal central e novo interesse romântico do marido rejeitado.

Tirando o elemento do monstro com tentáculos que gosta de ter sexo com atrizes francesas, esta trama poderá parecer um melodrama matrimonial mais ou menos desinspirado, mas tal conclusão não considera o modo como Zulawski filma “Possessão” ou o desenvolvimento meio surrealista da sua narrativa. A certa altura, por exemplo, quase pressentimos o advento do apocalipse e Helen está longe de ser a santa inofensiva que o filme inicialmente sugere. Anna, por seu lado, parece viver noutra realidade por completo e Adjani, que ganhou o prémio do festival de Cannes por este desempenho, concretiza tal condição com uma bravura tão transgressiva que chamar-lhe chocante parece ser inapropriado. Afinal, o que Adjani aqui faz muito transcende o mero choque.

Quer estivessem a interpretar vítimas ou monstros, antropomorfizações de ressentimento tóxico ou atrizes perdidas no caos existencial do seu papel, todas as prestações desta lista baseiam-se de algum modo numa pesquisa da emoção humana. Como Anna e Helen, Adjani não tem nada de humano. Por vezes a sua fisicalidade parece ir contra leis biológicas e o seu comportamento muito viola quaisquer ideais de respeitabilidade social. Ela é animal e é força da natureza, é caos e é o vazio. Ela é algo que todos os homens à sua volta não conseguem compreender. Ela é o feminino tornado suprema manifestação do mal. O que eleva o filme e a prestação é sobretudo a desbravada rendição de corpo e alma que Adjani faz ao papel, subjugando os jogos misóginos do seu realizador e como que sequestrando a sua obra. As suas personagens podem ser um pesadelo sexista, mas Isabelle Adjani é tão espetacular que nos faz querer venerar o seu horror como uma manifestação de algo divino.

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