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Entrevista | A SUL, com Edgar Medina e Guilherme Mendonça

Amanhã sábado (28), às 21h na RTP1 estreia o primeiro de 9 episódios de ‘Sul’, a série policial criada por Edgar Medina, realizada por Ivo M. Ferreira (‘Cartas da Guerra’) e protagonizada entre outros por Adriano Luz, no papel de um agente da Polícia Judiciária, desencantado com o sistema e nos tempos da crise económica.

‘Sul’ promete revolucionar o panorama de produção das séries de televisão em Portugal, não só pela sua extrema qualidade, mas também trás a novidade de ter uma espécie de ‘autoria partilhada’, entre criadores, produtor, realizador, editor e também os actores (bem nossos conhecidos) onde constam além de Adriano Luz, Ivo Canelas, Margarida Vila-Nova, Afonso Pimentel, Margarida Marinho, entre outros, num elenco de mais de 100 no total. Amanhã e durante os próximos sábados vamos passear pelo Sul, com uma história policial, com um conjunto de personagens que parece que as conhecemos e por uma Lisboa linda, que apesar do tempo da crise económica, permanece luminosa e tolerante às mais diversas culturas e identidades. Objectivo claro: criar um dos melhores produtos audiovisuais portugueses da actualidade. ‘Sul’ é absolutamente a não perder! A MHD quis saber a fundo tudo sobre ‘Sul’  e as suas origens conversando quase uma hora com os seus criadores Edgar Medina e Guilherme Mendonça. Mais do que uma entrevista convencional tratou-se quase de um diálogo en jeito de lição de como escrever uma série de televisão de qualidade.

MAGAZINE HD: Como é que nasceu a série de televisão ‘Sul’?

EDGAR MEDINA: Tive a ideia e a vontade de transportar uma narrativa de género para a nossa cidade de Lisboa que é uma personagem fantástica para qualquer história. Falei com o Guilherme (Mendonça), com o Rui Cardoso Martins e começamos a trabalhar em 2015 na definição de um episódio-piloto. Candidatamo-nos ao concurso de inovação audiovisual do Instituto de Cinema e Audiovisual (ICA) e ficámos em primeiro lugar. Fizemos um ‘episódio-piloto’, já com o Ivo (M. Ferreira), fomos à RTP falar com o Nuno Artur Silva, eles deram-nos um pré-contrato para nos candidatar-mos ao concurso de produção audiovisual, prometendo que nos financiariam se conseguíssemos esse tal apoio do ICA. Ganhámos também esse apoio do ICA….

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Sul
Jani Zhao é a agente Alice, parceira do Inspector Humberto (Adriano Luz). © Arquipélago Filmes

MHD: Interessa-me mais onde foram buscar a ideia para esta história de ‘Sul??

EM: Venho de uma formação do cinema de autor e de uma cinéfila antiga, muito associada aos Cahiers do Cinema, à Nouvelle Vague, etc.. A própria ideia que vem da Nouvelle Vague, ainda que muita gente hoje defenda que fazer cinema de autor é fazer algo distante da narrativa, das personagens, pelo contrário penso que esta tem uma grande ligação aos filmes de género: às ‘coboidas’, do John Ford, do John Huston, aos filmes do Nicholas Ray, aos policiais negros…ou seja via-mos um mundo a afastar-se da ideia do texto, da ideia de contar uma história e nós como criadores e argumentistas decidimos ser um bocado ao contrário. Achamos que a história tem um papel importantíssimo na vida do Homem. É uma forma de como o Homem aprende sobre si mesmo e entende o que está à sua volta. Tenho uma grande admiração pela literatura policial, do Rubem Fonseca, ao Manuel Vásquez Montalban, e pelo seu personagem Pepe Carvalho. No caso do Montalban e do Carvalho é muito interessante porque como quase em todos os policiais, o crime é sempre um pretexto para fazer uma ‘viagem voyeurista’ pela sociedade. A ideia surgiu daí e de um decor absolutamente fantástico que é cidade de Lisboa, que achamos que ainda não tinha sido bem explorado. Depois vivemos muito intensamente o período da crise económica há uns cerca de seis ou sete anos atrás em que todos nos sentimos muito ameaçados na nossa forma de existir, na influência que teve na vida das nossas famílias, com muitas pessoas desesperadas. Daí surgiram alguns dos nossos personagens, associados também à ideia do empreendedorismo. Paralelamente no final da crise, começamos a sentir que Lisboa estava a mudar muito depressa. Após anos e anos de estagnação em que Lisboa esteve cerca de 30 anos igual, começaram a aparecer as hordas de turistas, os airbnbs, e que alguma coisa de Lisboa estava também a desaparecer. Tínhamos vontade de recordar o que nós vivemos nessa época. O Bairro Alto era o centro dos jornalistas, havia aqui todas as gráficas…no ‘Sul’, temos por exemplo um personagem que é um revisor de jornal, um trabalho que não podia ser mais anacrónico hoje em dia, um inspector da Polícia Judiciária, formado em Filosofia, um médico-legista que mexe nos cadáveres com as mãos. E depois havia outras coisas que sentimos que estavam a desaparecer em Lisboa. Quando filmámos o episódio-piloto tínhamos uma cena no interior de um cacilheiro, daqueles que transportavam os carros…

MHD: Os ferry boats

EM: Sim esses que iam para Cacilhas…bem tínhamos uma cena que é muito bonita com o Adriano (Luz), mas havia um questão. Achava que o policial negro é um género muito sofisticado do ponto de vista estilístico e, estávamos ainda para mais a fazê-lo a cores, devíamos ter por isso mais atenção ao guarda-roupa. O Adriano estava de calças de ganga e camisa branca. Fiquei perdido com estes pormenores, ainda mais num filme a cores, ainda se fosse a preto e branco…

TRAILER DE ‘SUL’:

GUILHERME MENDONÇA: E era suposto ainda usar gabardina…

EM: Além do engulho que eu tinha com esta cena do guarda-roupa, descobrimos ainda que esses ferry boats já não estavam a funcionar….mas essa cena tinha que existir porque estava no episódio-piloto e logo no primeiro episódio…

MHD: Agora já estão de novo a operar, pelo menos para a Trafaria…

EM: Que bom.

MHD: Como é que vocês articularam essa ligação criadores-produtores de uma série de televisão e um realizador de cinema Ivo M. Ferreira?

EM: O que estamos aqui a tentar fazer aqui na Arquipélago Filmes, passa também por descobrir novas formas de autoria. A questão aqui não é o criador ou dois criadores e um produtor manhoso que contrata uns ‘gajos’, para fazer uns episódios de uma série. É impossível fazer uma série de grande qualidade senão conseguires dar espaço e liberdade às pessoas que estão a criar contigo. No ‘Sul’, fizemos uma espécie de autoria alargada.

MHD: Mas como é que articularam esse trabalho de produção e revisão de argumento com o Ivo M. Ferreira, um realizador com uma identidade muito forte, que aliás sente-se muito no ‘Sul’?

EM: Foi um trabalho diário e permanente e a autoria vai para sítios diferentes. O Sandro (Aguilar), o editor é tão autor da série como nós. O ‘Sul’ é o que é, e isso deve-se em grande parte ao trabalho incrível de montagem/edição do Sandro Aguilar. Ele foi incansável. Por isso o que estamos todos aqui a fazer na Arquipélago Filmes, é a criar em conjunto, tornando-se isso num processo muito mais lento e difícil….dizia-me um operador de câmara  brasileiro que conheci em tempos…que pegar numa câmara era como pegar num passarinho, se o largas muito ele voa, se o apertas muito ele morre…Nos tínhamos uma ideia de texto, chamámos o Ivo (M. Ferreira), não como ‘realizador-tarefeiro’, mas discutimos o texto com ele, fez inúmeras objecções, voltamos a escrever, voltámos a discutir. A partir determinada altura ele foi realizar e até por uma questão de principio, eu evitava aparecer na rodagem. Estava sempre disponível se ele tivesse algum problema. Mas é preciso respeitar o espaço de cada um. A partir do momento em que entro no espaço do Ivo, ele deixa de me dar todas as coisa boas que tem. No ‘Sul’ existe um processo de construção de uma ‘autoria-partilhada’, que só pode funcionar com pessoas muito talentosas, inteligentes e que se respeitam uma às outras. Aparecemos como criadores porque achamos que também devemos ter alguma projecção em relação a ‘Sul’, porque toda a gente vive da ideia de que a autoria do cinema é apenas do realizador…vê o nome do Ivo M. Ferreira é um filme dele e houve uns gajos que escreveram umas coisas para ele. Nós também queremos ter crédito em relação ao nosso trabalho…

MHD: É isso que vocês chamam ‘renovação da ficção televisiva nacional’, palavras vossas que estão no press release de apresentação de ‘Sul’?

GM: Esta coordenação do Edgar Medina como produtor foi essencial, pois ele teve essa visão de dar liberdade a cada uma das partes criativas e isso resultou muito bem…

EM: Embora desse muito mais trabalho…

GM:…e é penoso às vezes, foram dias muitos intensos de trabalho e às vezes até de choque entre as pessoas, é preciso ter um certo jogo-de-cintura para ultrapassar essas coisas. Neste aspecto e não somos originais fomos encontrar em todos uma vontade de produzir audiovisual para televisão e séries de qualidade. Neste contexto, já têm estreado muitas coisas boas em Portugal e nós queríamos participar nisso. Vínhamos de uma grande tradição da literatura e paixão por certos autores muito diferentes. Eu em particular até venho do teatro. E foi esta ligação entre universos diferentes, esta coisa muito forte do Montalban que o Edgar trouxe que acabou por influenciar aquilo que o personagem do Humberto (Adriano Luz) viria a ser….e que foi sendo obviamente trabalhado…

EM: Há aqui também uma grande diferença daquilo que anda a ser feito porque nós gastamos 6 a 7 vezes mais tempo a escrever, a trabalhar o texto, a investigar e a preparar, e acho que isso se nota do ponto de vista das cenas e como elas estão ligadas. Assim como do ponto de vista das opções de montagem…

GM: E de diálogos…e de densidade das personagens…

EM: De facto conseguimos reunir um excelente grupo de talentos o Ivo M. Ferreira, o Rui Cardoso Martins, Sandro Aguilar, os Dead Combo, se quisermos fazer alguma coisa em Lisboa com raízes do sul…tem de ser inevitavelmente com a música dos Dead Combo, a direcção de arte da Nádia Henriques…ou seja juntámos as pessoas certas.

MHD: Lisboa é sem dúvida uma das personagens de ‘Sul’, mostram-na apesar de tudo luminosa, cosmopolita…

EM: Completamente. Conseguimos filmar em locais que gostamos muito de Lisboa e outros não conseguimos como o Galeto que faz parte da minha vida. Quando a minha filha nasceu fomos ao Galeto beber uma cerveja. (risos). Só não vamos lá filmar uma cena do que já estamos a escrever é porque o Galeto nunca fecha.

Sul
Afonso Pimentel é Matilha um jovem ‘desenrascado’. © Arquipélago Filmes

GM: Há uma coisa engraçada neste processo lento de descoberta que se centra nos diálogos e na produção de texto, que serviu para tudo inclusive para a réperage (escolha de localizações). E a cidade foi de certa maneira condicionando aquilo que ia-mos escrevendo. Descobri-mos sítios e escrevemos a pensar neles e tivemos que escrever outras vez porque aquele sítio já não dava ou porque era mais interessante fazer em outro. Ouve a hipótese de colocar o Matilha (Afonso Pimentel) num bairro social…

EM: Que era algo que eu nunca quis…

GM: Descobrimos um bairro social muito singular que tinha muita piada. É pequenino com umas arcadas, e que não era uma coisa tipo Chelas. Mas o Edgar entendia que não devia ser assim e ainda bem. E fomo-nos apercebendo que esse local não dava porque tinha aparecido em outra série. E este tipo de coisas foram condicionando a nossa escrita…

EM: Para mim era central fazer uma coisa bem lisboeta. Embora existam os bairros sociais eu não queria fazer uma série em que Lisboa se parecesse com Nova Iorque, com paredes cheias de grafittis, uma coisa que já toda a gente filmou. Encontramos a morada do Matilha na Vila Dias, ali por cima de Marvila, que é um bairro quase clandestino com casas térreas, quintais, lapas, com uma vida comunitária muito própria, que é um cenário que não se encontra em mais lado nenhum. Com isso começamos a pensar em por o Matilha a andar pelos telhados…

GM: São muito engraçadas estas singularidades de Lisboa e são coisas recorrentes no género: por exemplo no bairro do Matilha temos os comboios a passar, algo que está em muitos filmes. Essa articulação de coisas do género que podíamos encontrar em qualquer sítio, são ao mesmo tempo únicas em Lisboa.

EM: Desde o início que queríamos fazer uma coisa muito genuína, muito local, tanto na abordagem carinhosa das personagens, mesmo que elas tenham muitos defeitos, e passou-se o mesmo com as localizações.

MHD: Relativamente a essa ligação das personagens com os actores. Como é que vocês chegaram ao Adriano Luz para fazer o ‘judite’ nihilista e céptico?

EM: Foi escolhido. Não fizemos casting.

MHD: Escreveram a pensar nele para esta personagem?

EM: Não. Houve um posteriormente um processo de casting mas não com o Adriano. Há uma coisa muito gira em relação ao personagem do Humberto ele tem características excepcionais que se adaptam perfeitamente ao nosso personagem.

MHD: Tem aquele rosto nostálgico…bem português…

EM: Sim tem essa dimensão portuguesa, mas também decidimos brincar com coisas referentes ao género: os detectives privados, os polícias dos policiais negros são geralmente gente desencantada com a vida, gente cínica, e são pessoas que muitas vezes aproveitam a sua missão para tentarem processos de reabilitação pessoal. É o que acontece com este personagem que falhou em tudo, que não tem família que está ali um bocado parado na Polícia Judiciária com casos muito desinteressantes para resolver, com um chefe estúpido e, que falhou um bocado na vida e ao mesmo tempo tem uma  necessidade de fuga. Há muito de Lisboa, mas também há muito dos elementos centrais das personagens do género da narrativa do policial negro.

MHD: Por outro lado a parceira do Humberto, a Alice (Jani Zhao) é uma mulher, de origem asiática, que dá uma ideia de maior abertura e de uma Lisboa tolerante e com grande diversidade cultural…

GM: Inicialmente a personagem não era para ser uma mulher. Tem a ver com um conjunto de ideias nossas e também sugestões do Ivo M. Ferreira. Dentro do modelo da parelha de detectives pareceu-nos mais interessante fazer essa mudança e ainda mais nesta cidade de Lisboa. Foi um toque de acaso e de escolha da Jani Zhao.

MHD: Mas funciona muito bem…

EM: Imagino que certas pessoas dirão que essa escolha foi feita com algum cinismo: é uma mulher e é uma asiática. Houve de facto uma vontade que a parceira do Humberto fosse uma mulher e foi uma decisão acertada, senão era um filme de homens, um clube da bolinha, e a Jani foi a melhor no casting. A Jani tem uma qualidade fotográfica que não precisa de representar para ter uma certa fotogenia, para alem de dar uma certa frescura.

GM: Acho que a Jani Zhao nunca dá a impressão que é uma estrangeira…

MHD: Não…não é isso que quis dizer…pelo contrário, a Jani mostra uma Lisboa aberta e de oportunidades independentemente das origens ou cultura. A propósito há também a curiosa figura do pastor brasileiro e evangélico Santoro, que além de uma extraordinária interpretação do Ivo Canelas vai ou não tornar-se chave no enredo?

EM: Não vai ser a chave, mas é uma personagem que existe num conjunto de linhas narrativas que abrimos, mas que são todas centrais para a história. No início tínhamos uma opção que não era muito comum. Começamos por desenvolver a série através de duas linhas narrativas que se encontravam muito tarde. O personagem do Matilha (Afonso Pimentel) estava a crescer eles cruzam-se. E depois o que acontece nesta série é que a partir de determinado momento para além da narrativa policial que tem de ir até ao fim, no episódio 3 ou 4, começamos a gostar muito dos personagens. Muito do prazer de ‘Sul’, não é o que vem a seguir na narrativa policial ou qual é o próximo passo, mas por exemplo o dia-a-dia do Matilha com a Mafalda (Margarida Vila-Nova). Há aqui linhas narrativas que não se cruzam muito, mas que se vão complementando.

Sul
Parece que conhecemos Matilha e da Mafalda (Margarida Vila-Nova). © Arquipélago Filmes

MHD: As personagens do Matilha e da Mafalda são parecidas com alguém que conhecemos ou referenciamos, mas conseguem fugir a um certo estereótipo. Como conseguiram isso?

GM: Não nos inspiramos em ninguém especificamente. No início havia uma ideia que o Matilha tivesse alguma coisa daquele rapaz do ‘Breaking Bad’. Mas aos pouco fomo-nos distanciando à medida que ia-mos escrevendo o personagem do Matillha. Havia qualquer coisa da capacidade de ‘desenrascanço’ e que o associava a esse personagem da série americana. Mas tivemos uma agradável surpresa: o Afonso Pimentel quando veio fazer o primeiro casting já vinha vestido de Matilha e conseguiu inventar um personagem.

EM: Para quem escreve uma série de televisão, encontrar o personagem no actor é um momento de uma alegria enorme. E o mesmo aconteceu com o Ivo Canelas (Pastor Santoro).

GM: Mas voltando ao personagem do Matilha e da Mafalda são aqueles personagens que acabaram por tomar um bocadinho conta da história. É fácil imaginarmos as personagens e ir-mos atrás daquilo que elas em principio vão fazer…eles são personagens muito sólidas e que vão crescer…

GM: Tanto é que o Matilha vai-se transformar numa série…

MHD: Não sei porquê também me ‘cheirou’ que isso poderia acontecer, mas lá chegaremos na nossa conversa…

EM: Há uma coisa nestes personagens, que no Humberto é um bocadinho diferente. Tanto o Matilha como a Mafalda apesar de estarem no meio de uma crise, têm uma enorme vontade de viver. Não são personagens com pulsão de morte, são pessoas que se estão a mexer e a agitarem-se para serem felizes.

GM: Ao contrário o Humberto é um gajo mais literário…mais trágico…

EM: O Humberto é um gajo que acha que tudo vai correr mal. Os outros dois e, é uma coisa que nos agrada muito, não os tornámos uns coitadinhos. A Mafalda e o Matilha estão sempre a tentar uma forma de dar a volta à vida….a encontrarem uma forma de se virarem.

GM: Pelo contrário, o Humberto vive não só no tempo errado, mas também no meio errado. Ele poderia bem viver num livro e não na realidade.

MHD: A série parece também mostrar que apesar dos delitos, da crise, da corrupção, cá no ‘Sul’ somos mais tolerantes e menos violentos que a ‘norte’. Estou a lembrar-me por exemplo da ficção policial (cinema e literatura) nórdica?

EM: A ideia de ‘sul’ tem vários significados na série e que ao mesmo tempo são um bocado contraditórios. Sou fascinado pela ideia de ‘Os Mares do Sul’, que aliás é um romance do Manuel Vásquez Montalban, e pela ideia de uma fuga para construir uma nova vida nos mares do sul no Pacífico… há toda uma mitologia do Sul, ligada à felicidade. A ideia era que o Humberto (Adriano Luz), desistisse e começasse uma nova vida. Aos cinquenta e tal anos, ele está num impasse total na vida e a pensar que o melhor que pode fazer é pôr-se a milhas, para descobrir o seu novo ‘eu’. Depois nos somos de facto o sul da Europa. Por outro lado havia também necessidade de marcar um posicionamento internacional da série, mostrando o que fazemos aqui num País quente, entre o tropical e o mediterrâneo. Mas ao mesmo tempo são ideias um pouco contraditórias. O nosso personagem tem a tal nostalgia da fuga para o sul como se fosse uma libertação, mas nós afinal posicionamos a série, mostrando isto aqui é o sul.

MHD: Mas não é de todo contraditório, há muitos estrangeiros a mudarem-se para cá à procura do nosso ‘sul’ e dessa felicidade…

GM: Uma coisa é a dimensão política e geográfica outra é essa dimensão de escapismo pessoal e de fuga. E a fuga não se faz…ninguém foge para a Dinamarca, foges para um sítio onde sentes mais calor….

EM: Tem piada que nesta ideia de ‘Sul’ e da fuga, parece que fugimos de nós mesmo e por isso talvez as fugas para sul estejam condenadas à partida. Tirando o Gaughin que foi para o Haiti, onde presumo terá encontrado alguma felicidade, o sul é também uma impossibilidade. Na verdade nunca nos conseguimos libertar de nós mesmos.

MHD: Porquê um formato de série de televisão de 9 episódios, de 45 minutos cada?

EM: Nós vendemos à RTP uma série de 10 episódios de 45 a 50 minutos cada. No início era difícil precisar a duração de cada episódio. Filmámos e quando estávamos na montagem o Sandro Aguilar sugeriu e bem que não tínhamos material para 10 episódios. Falei com a direcção de programas da RTP (José Fragoso) e disse-lhe isso. O José Fragoso concordou, dizendo que se é para fazer uma série é para fazer bem. E por isso é simples passaram a ser apenas 9 episódios.

GM: Antes havia quase uma regra em relação ao número de episódios de uma série e agora há cada vez menos. ‘Chernobyl’ por exemplo são 5 episódios, a última temporada de ‘A Guerra dos Tronos’, tem 6 episódios…de facto isso é irrelevante. Há de facto um boom na qualidade das séries de televisão, que passou a ser quase cinematográfica. Os produtores estão mais preocupados com a qualidade dos produtos do que propriamente com o número de episódios.

EM: Há uma coisa que vem agora da nossa experiência e do que andamos agora a fazer. Isto não é uma regra de ouro, mas todos os projectos que estamos a desenvolver terão no máximo 8 episódios. A menos que seja uma epopeia como a conquista do oeste. Sentimos que passando os 8 episódios corremos o risco de estar a fazer telenovela.

MHD: Já percebi que Matilha (Afonso Pimentel) vai ter a sua própria série de televisão. Mas se as audiências de ‘Sul’ se justificarem há possibilidade de fazerem uma 2ª Temporada?

EM: Já estamos a trabalhar nisso. Relativamente à RTP não temos qualquer confirmação de uma 2ª Temporada, mas estamos trabalhar num spin-off do ‘Sul’, com a personagem do Matilha, que essa sim a RTP está interessada.

JVM

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