Só os Amantes Sobrevivem, em análise
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O mundo é um lugar estranho na melancólica sinfonia vampírica de Jim Jarmusch.
Tilda Swinton e Tom Hiddleston, ambos magnéticos para lá do campo da possibilidade, são Eve e Adam, dois vampiros sofisticados mas enfastiados pela rotina ininterrupta de uma existência eterna. Apesar de casados e ainda que continuem enamorados como no dia em que se conheceram, vivem separados – ela, uma intelectual vibrante, abraçou a cultura remota de Marrocos, enquanto ele, um músico recluso, escolheu como casa uma Detroit em ruínas. Numa vida sem fim, viram tudo, conheceram toda a gente.
Um dia, alertada pelo crescente desânimo de Adam, Eve viaja até à sua mansão gótica com a missão de o salvar e convencer que as paixões da vida podem equilibrar-se com as suas maiores provações.
Num século que não tem sido particularmente meigo para a comunidade vampírica, “Só os Amantes Sobrevivem” é uma entrada particularmente sóbria e respeitadora das convenções do género e da mitologia – desde a impossibilidade do contacto com a luz solar, passando pelas graças com o alho e o real cenário da cessação da existência via bala de madeira. Mas estes são seres peculiares noutra dimensão. Importam-se. Com a idade das coisas, com o conhecimento do mundo, com denominações latinas da flora e da fauna e com amores que duram não uma, mas várias vidas.
Todavia, esta é apenas uma curiosa expressão da sua face polimorfa: é ainda um ávido (e divertido) comentador político e social obcecado com a decadência artística (e a sua deleitosa história alternativa) e a decomposição da alma humana.
O estilo e o tom são duas das suas grandes mais-valias, particularmente porque são usados para acentuar a substância, e não servir como um parco substituto. O segredo está nas composições musicais originais, na onda interminável de significantes (onde se contam Shakespeare, Júlio Verne, James Joyce e muitos outros), no caprichoso ambiente noturno das ruas varridas de Detroit.
Jarmusch nunca foi o realizador mais acessível do mundo, e seguindo as suas tradições, este é mais um título que coroa a interação acima da narrativa. Mas não obstante a natureza relativamente anémica da história, de alguma forma – talvez pela bengala do género – esta delicada odisseia sobre o reencontro connosco mesmos, o amor de longo-prazo e o conceito de cultura enquanto necessidade humana é um dos seus filmes de digestão mais facilitada.
“Só os Amantes Sobrevivem” é uma elegia esperançosa e, provavelmente, o filme mais terno e humano da carreira do lacónico realizador. E o facto de versar sobre assassinos de sangue frio não é nenhuma coincidência acidental.