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Super Natural | Entrevista ao realizador Jorge Jácome

Estivemos à conversa com o realizador Jorge Jácome, que estreia Super Natural, a sua primeira longa-metragem. 

No panorama cinematográfico português não são todos os dias, que vemos filmes como “Super Natural” a chegar às salas de cinema. Original, bastante ousado nas suas imagens, nos seus diálogos, e um exemplo notável do quanto a inovação pode ser atingida além do território continental, “Super Natural” transporta-nos para o mundo da companhia Dançando com a Diferença, longe das noções convencionais da narrativa comum ao nosso país.

No dia da antestreia na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, tivemos o privilégio de mergulhar no universo de “Super Natural” através de uma entrevista exclusiva com o realizador Jorge Jácome, naquela que é a sua primeira longa-metragem. Desde a sua estreia no circuito de festivais nacionais e internacionais, “Super Natural” tem sido elogiado pela sua capacidade de envolver o espectador numa experiência cinematográfica memorável, que combina elementos do documental com o imaginário dos intérpretes da companhia de dança cujo percurso começou na Região Autónoma da Madeira.

Super Natural” usa todo o universo místico privilegiado da Ilha da Madeira, para mostrar que há uma dimensão do real além desse espaço físico. É precisamente como descrevia Cláudio Alves na sua crítica ao filme, aquando da exibição no IndieLisboa em 2022: ““Super Natural” estende-se para além da natureza conhecida e vai buscar locutores a dimensões além da Terra e seus habitantes. O vazio é cinematográfico, mas também pode ser espacial, talvez até existencial. Do nada surge luz e cor, uma abstração que traz consigo o som e um diálogo. Só que este último não se faz por voz, mas escrita, legendas brincalhonas que conversam em tom de pesquisa cósmica. Serão alienígenas que falam e nos discutem? Poderão ser deuses, ou o cinema em si que pondera o espectador.”

Descobre com o realizador Jorge Jácome, como foi criar esta obra singular, que tem conquistado a atenção da crítica e agora estreia nas salas de cinema por todo o país, prometendo cativar o público pelas suas grandes ambições.

Trailer de Super Natural

MHD: Como nasceu o Super Natural e como foi o convite da companhia Dançando com a Diferença ao Teatro Praga?

Jorge Jácome: A companhia Dançando com a Diferença – sediada na Madeira e que junta pessoas com e sem deficiência – convidou o Teatro Praga para a criação de objetos artísticos, nomeadamente peças de teatro. O convite surgiu no sentido de desenvolver um projeto com os bailarinos da companhia. Tudo isto aconteceu durante os primeiros meses de COVID-19, e rapidamente percebeu-se que o projeto para palco ia ser difícil porque implicava uma série de contingências. O Teatro Praga lembrou-se então de transformar o projeto e convidaram-me para, em conjunto, desenvolvermos o que poderia ser um filme.

No início, ainda não fazíamos ideia que viria a ser uma longa-metragem, nem sabíamos se ia ser apenas uma exposição ou vídeo. Quando recebi o convite começamos a transformar as ideias em imagens e sons e lentamente construímos o que é, hoje, o “Super Natural“.

MHD: Como foi a rodagem na Ilha da Madeira?

Jorge Jácome: Eu não conhecia a Ilha da Madeira, portanto a primeira pesquisa decorreu através da internet. Comecei por ver o Google Maps e depois obtive referências que os intérpretes da companhia Dançando com a Diferença me passaram. Encontrávamos imagens e perguntávamos ‘onde será isto?’.

O processo de rodagem foi muito livre e permitiu-nos adaptar àquilo que estava a acontecer e às pessoas e locais que conhecíamos. Chegámos a perguntar aos membros da companhia – quais eram os seus sítios preferidos da Ilha da Madeira. O Porto Moniz, por exemplo, foi uma das escolhas dos intérpretes. A rodagem foi um processo de acumulação de ideias e locais.

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Toda a sequência de frutas da Madeira surgiu numa ida ao Mercado dos Lavradores, em que estavamos com os bailarinos. Alguns deles que nunca tinham provado as frutas, apesar de conhecerem os seus nomes. Decidimos fazer a sequência com essas frutas que são uma mistura de outras frutas, por exemplo, tomate-maracujá, maracujá-laranja, ananás-banana, e achamos que estas ideias faziam parte deste conceito que é supernatural.

MHD: Como foi trabalhar com os intérpretes da companhia. Quais foram os desafios que enfrentaste como realizador?

Jorge Jácome: Pela forma como trabalho e pelo interesse que tenho pelos projetos, perante as pessoas que vou conhecendo quando quero fazer um filme, não foi muito diferente. Aliás, não foi nada diferente. Os meus filmes podem nascer a partir de uma ideia que tenho e que escrevo, mas depois com as pessoas que vou conhecendo que o projeto se vai adaptando. Por isso, trabalhar com os bailarinos da companhia Dançando com a Diferença para mim não foi uma novidade… Tive que ir percebendo como é que o projeto se ia adaptando às pessoas que faziam parte dele. Há muitas coisas dos intérpretes neste filme.

Quando fomos à Ponta de São Lourenço perguntámos quem queria subir o percurso que era ainda bastante agressivo. Três pessoas levantaram logo a mão e nós dizemos, muito bem. No entanto, ficámos preocupados porque uma delas tem mobilidade reduzida e nós deixámos esta pessoa seguir em frente. Filmámos e conseguimos rodar, mas a diferença é que demorou um pouco mais. Mas isso não foi um impedimento para que um intérprete ou outro fizesse aquilo que queria. Essa parte do filme é muito bonita, porque essa rapariga que tinha limitações de andar, o que aconteceu foi, de maneira natural, foi o auxílio da colega. Todo o percurso é ela ajudar a outra bailarina.

MHD: Quais foram as influências artísticas que inspiraram o estilo visual e estético de “Super Natural”?

Jorge Jácome: As influências foram muito variadas e não foram necessariamente de origem artísticas. Nós sabiamos desde o início que queriamos usar diferentes registos de câmaras e, um deles, foi usar o próprio Instagram para rodar uma série de sequências. O Instagram permite, a partir da imagem que vemos, aplicar um dos seus milhares de filtros e transformar a paisagem numa outra coisa. O natural não existe, existe sim o supernatural. A partir do Instagram conseguimos aceder à manipulação de uma imagem.

As referências foram mesmo muito variadas, desde o Instagram aos photobooks que coleciono. Ou sons eletrónicos de distintas frequências. Tudo isso permitiu-nos pensar mais longe. Há algumas referências a filmes de ficção científica também, mas nenhuma que tenha sido numa forma direta. Não me lembro de pensar em nenhum caso específico de ir buscar referências diretas para este filme. Há um certo imaginário desse género.

supernatural
SuperNatural de Jorge Jácome | via Portugal Film

MHD: Sentes que existem entraves à realização de filmes performativos e experimentais, como “Super Natural”, ainda enfrenta desafios em Portugal?

Jorge Jácome: Não existe em Portugal nenhum apoio público diretamente para filmes mais experimentais, como existe noutros países como a Áustria. Aí, o sistema nacional de subsídios investe muito em projetos considerados à partida experimentais. Grande parte do cinema português, ou do cinema feito em Portugal, é um cinema que já tem um lado experimental, o designado cinema de autor. Faltam uma série de apoios para que o cinema possa ser mais diverso, inclusivo e que exista maior a pluralidade.

MHD: Quais são os teus próximos projetos?

Jorge Jácome: Estou a acabar uma curta-metragem, sendo esse um formato que me continua a interessar e com o qual irei continuar a trabalhar, pois permite uma série de experimentações. Estou a terminar também uma curta metragem que envolve pombos e cogumelos mágicos e também estou a começar a preparar uma nova longa metragem a partir dos Fenómenos do Entroncamento.

Super Natural estreia nas salas de cinema portuguesas a 1 de junho. 

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