"O Terramoto" | © Films4You

MOTELx ’19 | O Terramoto, em análise

O melhor do cinema de desastres naturais chega ao MOTELx com “O Terramoto”, um espetáculo norueguês de destruição e sofrimento que assusta e comove. Ele faz parte da secção Serviço de Quarto deste festival lisboeta de filmes de terror.

Bølgen: Alerta Tsunami” é um filme de desastres naturais muito fora do vulgar. A obra, que teve antestreia portuguesa no MOTELx de 2016, é uma superprodução norueguesa que se atreve a olhar para uma catástrofe através de um prisma de realismo que torna o horror dos eventos tão mais viscerais. Trata-se de uma joia de entretenimento apocalíptico, mas também de um retrato de sofrimento humano que choca e transtorna, sendo que só os seus últimos momentos se deixam levar pelo romantismo otimista que as versões americanas do género tanto popularizaram. Tal foi o impacto do filme na Noruega que o país selecionou “Bølgen” para o representar na corrida ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Três anos depois, parte da equipa desse filme regressou com uma sequela, “O Terramoto” e, tal como o primeiro projeto, este também tem direito a um lugar de destaque na programação do MOTELx. Além disso, da mesma forma que “Bølgen” tomou inspiração num tsunami de 1905, também “O Terramoto” olha para o passado da Noruega e pergunta o que aconteceria se as catástrofes se repetissem. Desta vez, a inspiração é o terramoto que, em 1904, assolou a cidade de Oslo e que peritos dizem estar destinado a repetir-se. Em tempos, fazer dois filmes sobre cataclismas tão grandes a acontecerem no mesmo universo narrativo seria pedir muito à credulidade dos espectadores. No entanto, considerando o estado atual do mundo, a premissa base do filme não parece particularmente rebuscada.

o terramoto critica motelx
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“O Terramoto” volta a centrar-se na família de Kristian Eikjord, o geólogo que, em 2016, tentou salvar a vila de Geiranger da força destruidora de um maremoto. Os seus esforços levaram à sobrevivência de centenas de pessoas, incluindo a sua esposa e dois filhos, mas muitas mais morreram durante os eventos do filme anterior. O peso dessa perda, o trauma e culpa do sobrevivente fazem-se sentir por toda a narrativa da sequela, pesando sobre os ombros das personagens. O casamento de Kristian e Idun foi corroído pelos fantasmas do passado e a família que o filme anterior passou tempo a tentar salvar, fragmentou-se. A mulher e os filhos mudaram-se para Oslo, enquanto Kristian vive como um eremita no esqueleto reconstruído de Geirander, isolado e consumido pelos erros do passado.

Logo aqui o filme norueguês separa-se dos produtos de Hollywood que tanto caracterizam o seu género cinematográfico. Em “O Terramoto”, as personagens são seres humanos complicados e abrasivos, seus traumas não os tornam em heróis nobres e sua dor não é bonita de se ver. Aqui, tudo tem consequências e o custo emocional da destruição consegue ser tão grande como as perdas materiais. Por isso mesmo, Kristian é um paradoxo para os seus pares e para o público. Por um lado, ele é um herói com fama nacional. Por outro, ele é um caco humano e o seu julgamento está sempre a ser questionado por quem olha para ele e só consegue ver um cientista enlouquecido e perpetuamente preso aos horrores que se abateram sobre a sua vida quando o Fiorde de Geiranger formou uma onda gigante.

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Quando, depois da morte suspeita de um colega geólogo, Kristian viaja até Oslo e confronta as autoridades com a possibilidade de um terramoto colossal estar prestes a assolar a capital, ninguém acredita nele. Ele está certo, mas ninguém acredita e ninguém quer acreditar pois, face a um evento dessa escala, há pouco ou nada a fazer. O ser humano tem muito poder, especialmente para destruir, mas há fenómenos naturais que vão muito além das suas capacidades. Confrontar essa mesma impotência é algo que poucos desejam fazer. É no confronto de tais verdades que a esperança morre e o desespero ganha e no advento destes horrores é preciso lutar por sobreviver e não desistir quando se olha para o futuro e só se vê sofrimento.

Esta mesma dinâmica entra em jogo numa das sequências mais angustiantes do filme, quando Kristian e Idun estão presos no poço de um elevador após o primeiro abalo do terramoto. No dia do cataclismo, quase todas as personagens principais convergem no prédio do hotel Radisson Blu onde Idun trabalha. Kristian está a tentar avisar todos e tirar a mãe dos seus filhos de um edifício que se tornará numa inevitável armadilha. Para muito azar de todos os envolvidos, o timing do terramoto é inimaginavelmente mau, prendendo o casal num elevador e encurralando a filha mais nova deles no bar do terraço. Depois de passar quase uma hora a definir e posicionar todas as peças humanas do seu jogo, “O Terramoto” dedica a sua segunda metade a derrubá-las, retratando a luta desesperada destas pessoas pela sobrevivência.

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Edifícios caem como castelos de cartas e toda a capital norueguesa é virada do avesso. Os elevadores desfazem-se, as estradas abrem-se como a côdea de pão, a eletricidade deixa de funcionar e janelas partem-se com o peso de pessoas que são atiradas contra elas à medida que o chão se move impiedosamente. Noutros filmes, tudo isto poderia ser empolgante, mas aqui é só assustador. Os atores, especialmente Kristoffer Joner e Ann Dahl Torp como Kristian e Idun, dão tudo o que têm nestas cenas de destruição, ancorando o projeto numa realidade humana que é mais fácil de entender que a visão de uma cidade a implodir. O valor de entretenimento que “O Terramoto” produz depende do gosto do espectador por sentir o coração aos pulos e os olhos a lacrimejar.

De forma geral, este é um feito técnico do mais alto gabarito, um triunfo do cinema norueguês que parece estar a mostrar a Hollywood como é que se fazem filmes sobre este tema. Certamente muitos estúdios americanos poderiam aprender umas boas lições com esta maravilha cujas fragilidades são poucas e cujos méritos são abundantes. Acima de tudo, o realismo emocional que “O Terramoto” tanto constrói, o peso humano do trauma, transmuta estes potenciais espetáculos em câmaras de tortura onde há mais gritos e soluços que inspiradoras sinfonias a denotar momentos de heroísmo. Devido a isso, não podemos questionar muito a presença do filme num festival de cinema de terror. Afinal, não há nada que mais amedronte que ver tais epítetos de destruição e entendê-los como horrores plausíveis. Além disso, ao contrário do seu antecessor “O Terramoto” não tem um raio de esperança a marcar o seu final, indicando que depois do que se perdeu, não há reconstrução possível, nem para Oslo nem para a família.

O Terramoto, em análise
o terramoto

Movie title: Skjelvet

Date published: 12 de September de 2019

Director(s): John Andreas Andersen

Actor(s): Kristoffer Joner, Ane Dahl Torp, Edith Haagenrud-Sande, Kathrine Thorborg Johansen, Jonas Hoff Oftebro, Stig R. Amdam, Catrin Sagen, Fredrik Skavlan

Genre: Ação, Drama, Terror, 2018, 106 min

  • Cláudio Alves - 80
  • José Vieira Mendes - 80
80

CONCLUSÃO:

“O Terramoto” é uma robusta sequela para um dos melhores filmes de desastres naturais já feitos e, se possível, supera o original. O melhor do filme é o realismo emocional com que retrata os seus acontecimentos catastróficos.

O MELHOR: A sequência dentro do elevador e no seu poço pintado de escarlate pelas luzes de emergência. Trata-se de um interlúdio angustiante que desorienta o espetador com um inesperado murro de emoção.

O PIOR: O modo como o filme quase descarta por completo a figura do filho mais velho de Kristian e Idun. Existe um claro desequilíbrio no modo como os argumentistas privilegiam alguns membros da unidade familiar em detrimento de outros.

CA

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  1. Frederico Daniel 21 de Outubro de 2019

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