O melhor do cinema de desastres naturais chega ao MOTELx com “O Terramoto”, um espetáculo norueguês de destruição e sofrimento que assusta e comove. Ele faz parte da secção Serviço de Quarto deste festival lisboeta de filmes de terror.
“Bølgen: Alerta Tsunami” é um filme de desastres naturais muito fora do vulgar. A obra, que teve antestreia portuguesa no MOTELx de 2016, é uma superprodução norueguesa que se atreve a olhar para uma catástrofe através de um prisma de realismo que torna o horror dos eventos tão mais viscerais. Trata-se de uma joia de entretenimento apocalíptico, mas também de um retrato de sofrimento humano que choca e transtorna, sendo que só os seus últimos momentos se deixam levar pelo romantismo otimista que as versões americanas do género tanto popularizaram. Tal foi o impacto do filme na Noruega que o país selecionou “Bølgen” para o representar na corrida ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Três anos depois, parte da equipa desse filme regressou com uma sequela, “O Terramoto” e, tal como o primeiro projeto, este também tem direito a um lugar de destaque na programação do MOTELx. Além disso, da mesma forma que “Bølgen” tomou inspiração num tsunami de 1905, também “O Terramoto” olha para o passado da Noruega e pergunta o que aconteceria se as catástrofes se repetissem. Desta vez, a inspiração é o terramoto que, em 1904, assolou a cidade de Oslo e que peritos dizem estar destinado a repetir-se. Em tempos, fazer dois filmes sobre cataclismas tão grandes a acontecerem no mesmo universo narrativo seria pedir muito à credulidade dos espectadores. No entanto, considerando o estado atual do mundo, a premissa base do filme não parece particularmente rebuscada.
“O Terramoto” volta a centrar-se na família de Kristian Eikjord, o geólogo que, em 2016, tentou salvar a vila de Geiranger da força destruidora de um maremoto. Os seus esforços levaram à sobrevivência de centenas de pessoas, incluindo a sua esposa e dois filhos, mas muitas mais morreram durante os eventos do filme anterior. O peso dessa perda, o trauma e culpa do sobrevivente fazem-se sentir por toda a narrativa da sequela, pesando sobre os ombros das personagens. O casamento de Kristian e Idun foi corroído pelos fantasmas do passado e a família que o filme anterior passou tempo a tentar salvar, fragmentou-se. A mulher e os filhos mudaram-se para Oslo, enquanto Kristian vive como um eremita no esqueleto reconstruído de Geirander, isolado e consumido pelos erros do passado.
Logo aqui o filme norueguês separa-se dos produtos de Hollywood que tanto caracterizam o seu género cinematográfico. Em “O Terramoto”, as personagens são seres humanos complicados e abrasivos, seus traumas não os tornam em heróis nobres e sua dor não é bonita de se ver. Aqui, tudo tem consequências e o custo emocional da destruição consegue ser tão grande como as perdas materiais. Por isso mesmo, Kristian é um paradoxo para os seus pares e para o público. Por um lado, ele é um herói com fama nacional. Por outro, ele é um caco humano e o seu julgamento está sempre a ser questionado por quem olha para ele e só consegue ver um cientista enlouquecido e perpetuamente preso aos horrores que se abateram sobre a sua vida quando o Fiorde de Geiranger formou uma onda gigante.
Quando, depois da morte suspeita de um colega geólogo, Kristian viaja até Oslo e confronta as autoridades com a possibilidade de um terramoto colossal estar prestes a assolar a capital, ninguém acredita nele. Ele está certo, mas ninguém acredita e ninguém quer acreditar pois, face a um evento dessa escala, há pouco ou nada a fazer. O ser humano tem muito poder, especialmente para destruir, mas há fenómenos naturais que vão muito além das suas capacidades. Confrontar essa mesma impotência é algo que poucos desejam fazer. É no confronto de tais verdades que a esperança morre e o desespero ganha e no advento destes horrores é preciso lutar por sobreviver e não desistir quando se olha para o futuro e só se vê sofrimento.
Esta mesma dinâmica entra em jogo numa das sequências mais angustiantes do filme, quando Kristian e Idun estão presos no poço de um elevador após o primeiro abalo do terramoto. No dia do cataclismo, quase todas as personagens principais convergem no prédio do hotel Radisson Blu onde Idun trabalha. Kristian está a tentar avisar todos e tirar a mãe dos seus filhos de um edifício que se tornará numa inevitável armadilha. Para muito azar de todos os envolvidos, o timing do terramoto é inimaginavelmente mau, prendendo o casal num elevador e encurralando a filha mais nova deles no bar do terraço. Depois de passar quase uma hora a definir e posicionar todas as peças humanas do seu jogo, “O Terramoto” dedica a sua segunda metade a derrubá-las, retratando a luta desesperada destas pessoas pela sobrevivência.
Edifícios caem como castelos de cartas e toda a capital norueguesa é virada do avesso. Os elevadores desfazem-se, as estradas abrem-se como a côdea de pão, a eletricidade deixa de funcionar e janelas partem-se com o peso de pessoas que são atiradas contra elas à medida que o chão se move impiedosamente. Noutros filmes, tudo isto poderia ser empolgante, mas aqui é só assustador. Os atores, especialmente Kristoffer Joner e Ann Dahl Torp como Kristian e Idun, dão tudo o que têm nestas cenas de destruição, ancorando o projeto numa realidade humana que é mais fácil de entender que a visão de uma cidade a implodir. O valor de entretenimento que “O Terramoto” produz depende do gosto do espectador por sentir o coração aos pulos e os olhos a lacrimejar.
De forma geral, este é um feito técnico do mais alto gabarito, um triunfo do cinema norueguês que parece estar a mostrar a Hollywood como é que se fazem filmes sobre este tema. Certamente muitos estúdios americanos poderiam aprender umas boas lições com esta maravilha cujas fragilidades são poucas e cujos méritos são abundantes. Acima de tudo, o realismo emocional que “O Terramoto” tanto constrói, o peso humano do trauma, transmuta estes potenciais espetáculos em câmaras de tortura onde há mais gritos e soluços que inspiradoras sinfonias a denotar momentos de heroísmo. Devido a isso, não podemos questionar muito a presença do filme num festival de cinema de terror. Afinal, não há nada que mais amedronte que ver tais epítetos de destruição e entendê-los como horrores plausíveis. Além disso, ao contrário do seu antecessor “O Terramoto” não tem um raio de esperança a marcar o seu final, indicando que depois do que se perdeu, não há reconstrução possível, nem para Oslo nem para a família.
O Terramoto, em análise
Movie title: Skjelvet
Date published: 12 de September de 2019
Director(s): John Andreas Andersen
Actor(s): Kristoffer Joner, Ane Dahl Torp, Edith Haagenrud-Sande, Kathrine Thorborg Johansen, Jonas Hoff Oftebro, Stig R. Amdam, Catrin Sagen, Fredrik Skavlan
Genre: Ação, Drama, Terror, 2018, 106 min
Cláudio Alves - 80
José Vieira Mendes - 80
80
CONCLUSÃO:
“O Terramoto” é uma robusta sequela para um dos melhores filmes de desastres naturais já feitos e, se possível, supera o original. O melhor do filme é o realismo emocional com que retrata os seus acontecimentos catastróficos.
O MELHOR: A sequência dentro do elevador e no seu poço pintado de escarlate pelas luzes de emergência. Trata-se de um interlúdio angustiante que desorienta o espetador com um inesperado murro de emoção.
O PIOR: O modo como o filme quase descarta por completo a figura do filho mais velho de Kristian e Idun. Existe um claro desequilíbrio no modo como os argumentistas privilegiam alguns membros da unidade familiar em detrimento de outros.
Licenciado em Teatro, ramo Design de Cena, pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Ocasional figurinista, apaixonado por escrita e desenho. Um cinéfilo devoto que participou no Young Critics Workshop do Festival de Cinema de Gante em 2016. Já teve textos publicados também no blogue da FILMIN e na publicação belga Photogénie.
O Terramoto | 5*
O Terramoto: 5*
Deixou-me com a sensação de que estava dentro da história, contudo tem um começo um pouco parado.
Cumprimentos, Frederico Daniel.
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