Mescal é um grnade cantor de ópera e musicólogo. © Fair Winter LLC

The History of Sound: Um retrato íntimo da memória, do desejo e música | Diário do Festival de Cannes 2025 (Dia 10)

Depois de se afirmar como um dos mais sensíveis cineastas da sua geração com “Moffie” e “Viver”, o realizador sul-africano Oliver Hermanus apresentou um dos filmes mais aguardados desta Competição: “The History of Sound”, uma delicada história de amor e música, entre dois homens, interpretados por Paul Mescal e Josh O’Connor, passado durante a Primeira Guerra Mundial. Vai ser um dos filmes do ano!

Estreado na Competição Oficial do Festival de Cannes 2025, “The History of Sound”, de Oliver Hermanus, é um filme protagonizado por Paul Mescal e Josh O’Connor, dois dos mais requisitados actores da atualidade, — aqui oferecem interpretações contidas e profundamente emocionais — veio confirmar porque era já antes da sua apresentação um dos mais aguardado e provavelmente um dos filmes do ano.

History of Sound
Paul Mescal é Lionel um homem com uma voz, que encanta as mulheres mais nobre (Emma Canning). © Fair Winter LLC

Uma história de amor entre vozes e silêncios

Inspirado no romance homónimo (editado em Portugal com a tradução literal pela Alma dos Livros) de Ben Shattuck, “The History of Sound”, segue Lionel (Mescal), um agricultor do Kentucky que se transforma num prestigiado cantor de ópera e que embarca numa viagem para recolher canções populares com David (O’Connor), um jovem culto e carismático. A missão sonora acaba por transformar-se numa jornada afectiva que deixa marcas duradouras, explorando temas como identidade, memória, masculinidade e intimidade. Hermanus descreve o filme como ‘um retrato de uma vida através de um processo muito silencioso’, e essa descrição é precisa: mais do que uma narrativa clássica, “The History of Sound” é uma evocação sensorial e melancólica daquilo que se diz — e do que se cala — quando se ama em tempos adversos.

History of Sound
Paul Mescal e Josh O’Connor têm muita química e muita contenção nos seus papéis. © Fair Winter LLC

A delicadeza formal de um cinema em extinção

Filmado em localizações reais nos EUA, Reino Unido e Itália, “The History of Sound” aposta numa realização minuciosa, onde a beleza das paisagens naturais contrasta com a contenção emocional das personagens. A fotografia é suave, quase impressionista, e a mise-en-scène transmite a quietude e a tensão dos gestos não ditos. Influenciado por obras como “O Paciente Inglês” e “Dias do Paraíso“, mas também certamente por “O Segredo de Brokeback Mountain“ ou “Chama-me Pelo Teu Nome“, Hermanus assina aqui um cinema de atmosfera e subtileza, cada vez mais raro num mercado dominado pelo ruído e pela velocidade.

Dificuldades durante a pandemia

Apesar da escala internacional da produção — vai ser lançado pela Universal —, o projeto enfrentou diversas dificuldades financeiras — uma realidade recorrente para filmes “silenciosos”, de época e com uma dimensão literária. A ascensão meteórica de Paul Mescal (“Aftersun”) e de Josh O’Connor (“The Crown”) ajudou claramente a garantir o financiamento necessário, mas o envolvimento do realizador e dos dois atores, sempre muito requisitados, manteve-se sólido mesmo nos momentos de incerteza, como durante a pandemia de COVID-19.

The History of Sound
“The History of Sound” é uma obra de resistência contra a corrente da espectacularização. © Fair Winter LLC

Paul Mescal e Josh O’Connor: química e contenção

Hermanus nunca teve dúvidas quanto à escolha dos seus protagonistas, rejeitando categoricamente o debate sobre se atores heterossexuais devem interpretar personagens LGBTQ+. ‘Acredito no ator certo para o papel’, afirmou, sublinhando a sua confiança nas capacidades interpretativas de cada um dos actores, acima de qualquer rótulo. E na verdade, a química entre Mescal e O’Connor é subtil mas poderosa, baseada em olhares, pausas e proximidade física, mais do que em gestos óbvios ou diálogos explicativos. Ambos os atores encontram no silêncio e na repressão emocional o terreno fértil para duas interpretações bastante comoventes e emotivas. Mescal traz à personagem de Lionel uma fragilidade serena, enquanto O’Connor reveste David de um charme intelectual que esconde as suas próprias inseguranças. Juntos, desenham um mapa emocional de uma relação marcada pela impossibilidade e pela beleza efémera do encontro.

Um cinema de resistência emocional

“The History of Sound” é também uma obra de resistência: resiste à espetacularização do amor queer, recusa o melodrama e aposta num ritmo contemplativo e numa linguagem cinematográfica quase literária. É também um gesto artístico corajoso num tempo em que, como o próprio Hermanus admitiu, é cada vez mais difícil financiar histórias subtis e intimistas. O filme não grita – murmura, encanta, e permanece na nossa mente. Assim, Oliver Hermanus entrega com “The History of Sound” um filme raro, onde o som das emoções sobrepõe-se ao ruído do mundo. É uma história de amor silenciosa, mas que ressoa com força no coração de quem a escuta. Tem tudo para sair daqui com prémio e chegar aos Óscares 2026!

JVM

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