MOTELx ’17 | The Void, em análise

Em “The Void”, um pequeno hospital americano torna-se no palco para um espetáculo de horrores infernais e estupendos efeitos especiais práticos.

the void critica motelx

Com o advento de “Stranger Things”, sua esmagadora popularidade e a iminente estreia de “It”, a adoração nostálgica por terror dos anos 80 está a chegar a níveis estratosféricos na atual cultura popular. Vindo também na onda nostálgica desta tendência estão uma série de projetos menos opulentos ou mediáticos, filmes de baixo orçamento feitos por fãs desenvergonhados de John Carpenter, seguidores fiéis da prosa de Stephen King e amantes sem pudor do universo de H.P. Lovecraft, por exemplo. “The Void”, é um desses mesmos projetos, parecendo o cruzamento entre o trabalho desses três homens, com especial destaque para “Veio do Outro Mundo” de Carpenter, e com uns toques de Lucio Fulci a apimentar a combinação infernal.

Há que mencionar algo antes de nos focarmos mais analiticamente nos méritos e fragilidades efetivas de “The Void”. Se há algo que une a maioria destas aventuras nostálgicas pelo universo do terror dos anos 80, é uma superficialidade sacarina, que se aproxima perigosamente do pastiche irónico quando, por vezes, as intenções dos autores e expetativas da audiência são de uma sinceridade absoluta. Afinal, podemos ver inúmeras homenagens, mais ou menos óbvias a “Veio do Outro Mundo”, por exemplo, mas elas focam-se sempre no mesmo, nos efeitos especiais extravagantes e body horror alienígena, e nunca nos temas mais subtis dessa obra-prima de 1982, masculinidade em crise e as tendências autodestrutivas do ser humano.

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“The Void” é muito superficial no seu uso de referências de terror. Aliás, na sua generalidade, este filme é uma experiência muito superficial a todos os níveis, destacando sempre os espetáculos de sangue, vísceras e biologia infernal dos seus efeitos especiais acima de qualquer outro elemento do edifício cinematográfico. Nada disso é intrinsecamente mau, diga-se de passagem. Aliás repare-se que os dois realizadores Jeremy Gillespie e Steven Kostanski são, respetivamente, um diretor artístico e um criador de maquilhagens de efeitos especiais quando não estão a realizar juntos este tipo de celebrações do gore de outros tempos. Se há algo que se poderia esperar desta equipa, é um grande festim de espetacularidade visual horripilante e é precisamente isso que eles oferecem ao seu público.

Para um apaixonado por cinema de terror cujos gostos não se fixem somente nos últimos 20 anos de cânone cinematográfico, os efeitos especiais de “The Void” serão certamente um deleite. Os cineastas quase nunca mostram dependência de retoques digitais, preferindo sempre encher o seu pequeno filme com uma coleção aparentemente infindável de maquilhagens grotescas e criaturas que saem de corpos inocentes e se assumem como carnudas materializações de pesadelos. Há aqui um nível de ambição técnica admirável, mesmo que essa ambição esteja apenas focada na criação de nojentos efeitos espetaculares de sangue e vísceras e na demonização do triângulo (é raro o filme que torne uma simples forma geométrica em algo tão perturbador).

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Não é que qualquer uma dessas visões seja particularmente original, mas há uma quantidade tão grande e incansável de referências visuais e clichés familiares aos fãs do cinema de terror que o resultado é quase avant-garde na sua caótica multiplicidade. Ainda este ano “Annabelle 2: A Criação do Mal” mostrou-nos uma abordagem semelhante, atirando tantos mecanismos clássicos e clichés à audiência, que a tempestade caótica e imprevisível que conjurou acabou por ser um dos seus grandes trunfos. “The Void” repete a proeza (ou Annabelle repete, sendo que “The Void” foi estreado no circuito dos festivais muito antes do filme sobre a boneca demoníaca) mas está longe de ser uma proposta de terror muito avant-garde. Aliás, é a sua dependência por uma base narrativa convencional que acaba por prejudicar muita da experiência do filme, incluindo o seu potencial enquanto máquina criadora de sustos.

Resumidamente, por entre os vários efeitos gore, encontramos uma história relativamente simples. Certa noite, um polícia encontra o que parece ser um toxicodependente moribundo na rua e leva-o ao hospital local que, por diversas razões, está quase vazio. No hospital, onde a ex-mulher do policia trabalha, começam a ocorrer uma série de bizarras situações com criaturas a emergirem de corpos humanos. Simultaneamente, várias figuras encapuzadas vão misteriosamente aparecendo.

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Ao longo do enredo, os vários humanos vão sendo mortos, sendo mais marionetas de carne a ser dilaceradas do que personagens definidas, até que só sobra praticamente o polícia, um médico enlouquecido e um portal para outro mundo. Os motivos para a carnificina são prosaicos dentro das convenções do género, mas a espetacularidade dessa mesma carnificina é inegável.

Ou seja, com alguns ajustes, este poderia ser um dos muitos filmes que Lucio Fulci fez nos anos 70 e 80 sobre portais para o inferno escondidos na cave de edifícios e sua subsequente regurgitação de terrores infernais. Só que o realizador italiano tinha a coragem e inteligência para não saturar os seus filmes com personagens ou complicadas relações interpessoais. Gillespie e Kostanski, pelo contrário, focam demasiada atenção nos seus intérpretes humanos, que não estão nem muito bem escritos nem muito bem atuados.

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Mais valia terem abandonado por completo o drama humano, pois, nas piores situações, o facto do terror se querer apoiar na ligação da audiência às personagens apenas resulta em momentos mortiços e sem real potencial assustador. “The Void” funciona sempre melhor e é, paradoxalmente, muito mais humano quando vira as costas aos seus elementos humanos e se foca somente na criação de horrores viscerais para entreter a sua audiência. Aliás, é na espetacularidade de imagens como a do seu final, que o filme consegue encontrar as suas maiores subtilezas tonais, sombreando o espetáculo sangrento com toques de inquietante fatalismo cósmico.

 

The Void, em análise
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Movie title: The Void

Date published: 6 de September de 2017

Director(s): Jeremy Gillespie, Steven Kostanski

Actor(s): Aaron Poole, Kenneth Welsh, Daniel Fathers, Kathleen Munroe, Ellen Wong, Grace Munro

Genre: Terror, Mistério, Ficção-Científica, 2016, 90 min

  • Claudio Alves - 68
68

CONCLUSÃO

Apesar de não ser muito original, “The Void” é um formidável espetáculo de efeitos especiais práticos, maquilhagens horripilantes e geral primor técnico aplicado a um projeto de terror. A sua narrativa anémica e desproporcional quantidade de personagens subdesenvolvidas, no entanto, prejudicam muito a sua apreciação geral.

O MELHOR: O trabalho de maquilhagem, quer seja algo tão relativamente simples como uma face esfolada ou um pesadelo tão magnífico como um monstro com vários tentáculos a sair de um cadáver humano.

O PIOR: O elenco de personagens e suas dúbias relações que são, simultaneamente, demasiado desenvolvidas para serem negligenciáveis, e demasiado descuradas para serem dramaticamente eficientes.

CA

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