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A Trilogia de Oslo: “Sexo”, “Sonhos” e “Amor” | Oslo Não É Uma Cidade Qualquer, É Um Estado de Espírito (Sexual)

O realizador norueguês Dag Johan Haugerud chega às salas portuguesas com uma trilogia cinematográfica irresistível:  A Trilogia de Oslo | “Sexo”, “Sonhos” e “Amor”, três filmes que vão mexer com as certezas de muita gente demasiado certa de si própria. Uma Oslo, três Oslos, três provocações.

Há trilogias íntimas que ficam para a História do Cinema: a do polaco Krzysztof Kieslowski (Três Cores, 1993/94) e, agora, esta Trilogia de Oslo do norueguês Dag Johan Haugerud — romancista, realizador, observador clínico dos nervos modernos e alguém que, ao contrário da maior parte dos cineastas europeus, parece achar que pensar antes de filmar não mata, nem mói ninguém. A “Trilogia de Oslo”, é composta por “Sex” (20/11), “Dreams” (27/11) e “Love” (04/12) e, aterra nas salas portuguesas depois da antestreia no LEFFEST, trazendo três obras discretas, inteligentes e profundamente nórdicas: dialogadas, ordenadas, limpas, civilizadas e, ainda assim, demolidoramente íntimas.

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VÊ TRAILER DE “SEX”, “DREAMS”, “LOVE”

É um feito conseguir filmar sexualidade, desejo e vulnerabilidade sem cair no sermão, na moral barata ou na pornografia emocional. Haugerud faz o contrário: na  Trilogia de Oslo devolve-nos à condição humana — há até uma referência à obra da filósofa Hannah Arendt — com um sorriso irónico, planos fixos e diálogos que parecem vir directos da mesa de jantar, se as nossas famílias tivessem já terminado a terapia. O tema é universal. Não é cinema para quem quer ser abanado, é cinema para quem quer ser pensado e isso, meus amigos, é mais raro do que neve autenticamente norueguesa num postal de Lisboa.

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Trilogia de Oslo
“Sex”, um laboratório de dúvidas masculinas. ©Modern Films

I — “Sexo” (Sex): quando dois limpa-chaminés nos ensinam a pensar o desejo

A Trilogia de Oslo abre as janelas (e telhados) para uma Oslo que não existe nos filmes turísticos: chaminés, gruas, telhados, uma cidade em profunda renovação, lenta e buliciosa e dois homens a falar de sonhos, dúvidas e do que fazer quando o corpo decide ser mais honesto do que a cabeça. Em “Sex”, dois limpa-chaminés heterossexuais e monogâmicos descobrem que a sexualidade tem mais arestas do que a grande escova que levam para o trabalho.

Um deles tem um encontro casual com outro homem e conta-o ao colega e, depois, à mulher, como quem diz: “esqueci-me do pão no supermercado”. O outro sonha que David Bowie o reconhece enquanto mulher. Detalhe espiritual ou apenas um subconsciente com excelente gosto musical? Aliás a banda sonora original de Peder Capjon Kjellsby, disponível em streaming, reforça essa estranheza suave.

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O que podia ser apenas um sketch cómico torna-se um laboratório de dúvidas masculinas, onde a virilidade não é posta em causa, mas em debate. As mulheres escutam, tentam compreender, sem dramatismos. O realizador observa tudo com um carinho raro pela fragilidade humana. Ninguém é ridicularizado ou martirizado. Aqui, a virilidade é só mais um casaco que já não serve e precisa de ser trocado. A ironia é que “Sex” é o filme menos sexual da trilogia  e talvez por isso o mais verdadeiro.

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“Dreams” foi discretamente a melhor coisa que Berlim premiou em anos. © Modern Films

II — “Sonhos” (Dreams): o Urso de Ouro de Berlim e a adolescente que abanou três gerações

Depois de “Sex”, chega-nos “Dreams”, vencedor do Urso de Ouro em Berlim, mesmo tendo sido rodado depois de “Love” na Trilogia de Oslo. E impõe-se a pergunta: como é que um filme tão “pequeno” superou gigantes mais políticos e inflamados na Berlinale 2025, festival historicamente permeável a todas as formas de activismo? A resposta está na sensibilidade, na inteligência e na ausência de medo.

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Johanne, 17 anos, apaixona-se pela sua professora de francês. Nada de novo, até percebermos que o filme não é sobre esse amor impossível, mas sobre o que três gerações de mulheres fazem com essa descoberta. A mãe lê o diário da filha e entra em pânico moral. A avó, escritora frustrada, sente inveja literária. A professora protagoniza uma das mais subtis cenas de ambiguidade ética do cinema europeu recente.

Haugerud recusa infantilizar a adolescente ou demonizar a adulta. Faz aquilo que o cinema americano evita e o português raramente ousa: retratar o primeiro amor exactamente como ele é: obsessivo, desastrado, inadequado, perigoso e absolutamente inevitável. “Dreams” foi, silenciosamente, a melhor decisão do júri de Berlim em anos. Todd Haynes viu o filme com o coração, mas também com a inteligência.

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Trilogia de Oslo
A a intimidade pode existir fora dos formulários do costume. ©Modern Films

III — “Amor” (Love): o ferry, a próstata e a arte de aprender a tocar o outro

Por fim, chega “Love”, que, na verdade, foi o segundo a ser rodado ou pelo menos estreado nesta Trilogia de Oslo. O filme acompanha duas pessoas que se desviaram do caminho convencional e descobriram que a intimidade pode viver fora dos formulários esperados. Marianne, médica pragmática com uma vida amorosa num nó cego, e Tor, enfermeiro gay com uma filosofia muito própria sobre encontros casuais, cruzam-se num ferry e percebem que o amor é uma força centrífuga que nos atira contra nós próprios. Entre consultas de próstata e conversas sobre apps de encontros, tentam perceber se é possível viver uma vida sexual honesta sem destruir a própria dignidade ou a dos outros. “Love” é um Eric Rohmer norueguês passado pelo Grindr: luminoso, gentil, divertido, profundo e capaz de fazer qualquer pessoa pensar duas vezes antes de julgar a vida alheia.

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Três filmes independentes no sentido em que cada um conta uma história autónoma. ©Modern Films

Três Oslos, três filmes, uma pergunta: quando foi a última vez que pensámos no que sentimos?

A Trilogia de Oslo de Dag Johan Haugerud não vem salvar o cinema europeu, mas lembra-nos algo essencial: o cinema também serve para qustionar. Perguntar o que fazemos com o corpo, com o desejo, com as dúvidas, com as expectativas, com o amor que chega quando estamos distraídos e o que parte quando já estamos prontos.

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Três filmes independentes, mas que se iluminam uns aos outros. Três Oslos, três maneiras de olhar o mundo. Três histórias sobre o que fazemos quando já não sabemos quem somos. É raro sair de uma trilogia sem vontade de cortar cenas ou resmungar nas redes sociais. Aqui, não. Aqui, a vontade é exactamente a contrária: voltar ao cinema, ver tudo outra vez e começar de novo.

JVM

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