Uma Família Quase Normal, a Crítica | A série mais viciante da Netflix
A minissérie da Netflix de seis episódios, intitulada ‘Uma Família Quase Normal’ é um fabuloso thriller de investigação criminal, que deve ser assistido de uma enfiada. E garanto-vos que vale a pena…
A série da Netflix, intitulada “Uma Família Quase Normal” é efectivamente uma história cativante desde o primeiro minuto. Tem apenas seis episódios, mas nenhum dos seus capítulos, dura mais de que uma hora. E de facto é um grande exemplo de economia de meios, pois são mais do que suficientes para contar esta fabulosa história de um crime passional ou de uma agressão sexual — sem levantar muito o véu — que tem consequências, mas que aparentemente, passa incólume à justiça. Baseada no livro homónimo de Mattias Edvardsson — publicado em Portugal pela Suma de Letras, janeiro de 2020 — a produção sueca estreou há poucos dias na Netflix, e como quase todos as obras audiovisuais não faladas em inglês, passou um pouco despercebida. Trata-se de um belíssimo ensaio sobre a exploração da culpa — como sentimento predominante — que consegue misturar, as profundezas mais obscuras da natureza humana, amor, dor, agressão sexual, traição, num cenário bastante angustiante de uma pequena cidade universitária da Suécia da actualidade.
Em “Uma Família Quase Normal”, Stella (Alexandra Karisson) é uma rapariga de 19 anos, que vive numa família comum. O pai, Adam (Björn Bengtsson), é pastor da Igreja da Suécia, respeitado na comunidade e de uma moral irrepreensível, é casado com Ulrika (Lo Kauppi), uma advogada e professora universitária, porém um pouco distante do marido e da filha. Os Sandell são uma família (quase) perfeita, até que Stella é acusada do brutal assassínio de Christopher Olsen (Christian Fandango Sundgren), um homem mais velho, bem-parecido, mas aparentemente envolvido em negócios um tanto obscuros. O que levou Stella a relacionar-se com este indivíduo mais maduro do que ela? Porque o teria assassinado à facada? Até que ponto é que estaremos perante um erro terrível da investigação, que levou à detenção da rapariga, algo que se transforma num enorme desgosto e decepção para os pais?
VÊ TRAILER DE ‘UMA FAMÍLIA QUASE NORMAL’
“Uma Família Quase Normal“, começa com um acontecimento bastante doloroso para este pequeno núcleo familiar, que tenta a todo o custo contornar, não sem alguns traumas. E é isto que acaba por dar o tom para o resto da história, que também não se resume a um caso comum de vingança ou crime passional. Embora este sentimento esteja implícito, o argumento é bem mais ambicioso e exigente, aliás como a realização, que primeiro apresenta cada um dos membros da família, até que vai reconstituído a verdade com sucessivos flashback, que entram no momento certo da narrativa. Igualmente fiel ao estilo frio e amoral das produções televisivas e cinematográficas (literárias, também) suecas, — tão frias quanto as suas paisagens — o verdadeiro interesse da história está no aprofundamento das personagens, mostrando as suas particularidades individuais, para tornar o seu ponto de vista o mais realista possível.
A história de Stella é analisada primeiro a partir do seu sofrimento e pelas feridas deixadas por um acontecimento traumático que a levarão, já adulta, a várias decisões precipitadas. E para isso, a narrativa de “Uma Família Quase Normal” nem sempre linear, mostra-nos a experiência traumática na perspectiva da vítima, mas também dos seus familiares mais próximos. Depois de contar o crime ao qual Stella sobreviveu, a história explora as personalidades dos seus pais, mostrando como os dois, cada um à sua maneira, tentam proteger a filha do pior. Ou pelo menos, evitar um escândalo imediato, que possa complicar a sua recuperação e o seu papel na comunidade. É aliás nisso, que insiste a mãe Ulrika, uma experiente advogada, que analisa friamente o cenário jurídico de uma adolescente que não conseguiu evitar ser agredida sexualmente e as dificuldades em prová-lo.
No final do primeiro capítulo de “Uma Família Quase Normal”, muitas coisas parecem clarificadas, mas daí para a frente tudo é analisado, sob múltiplas perspectivas: Como reage uma família sob a pressão, por causa de uma ferida emocional, que dificilmente se consegue cicatrizar? A partir daí, a série faz perguntas sobre a culpa, o silêncio, as feridas emocionais e psicológicas que todos carregarão. Há uma reviravolta que nos permite compreender as decisões de cada um dos membros da família, enquanto Stella tenta superar o que viveu. Ao mesmo tempo, é questionada a responsabilidade que os pais, Adam e Ulrika tiveram no sofrimento subsequente da filha. Mas também abre outra frente mais controversa, ao analisar a possibilidade de que, devido ao silêncio e ao segredo partilhado, possa ocorrer uma tragédia maior. Que aliás é o que vem a acontecer: quatro anos após a violação, Stella é acusada de assassinar o namorado, Christoffer.
Um crime que parece estar intimamente relacionado, com o que aconteceu no seu passado e desenvolvendo uma história, que se torna cada vez mais complicada à medida que são acrescentados elementos para entender Stella. É então que começa uma narração específica sobre uma violação, tornando-se depois numa jornada entre a culpa e o medo e a exploração da cultura machista, que permite esconder o abuso sexual e as suas consequências numa circunstância semelhante, que acaba por ser o motivo do crime. A violação e a agressão sexual têm-se tornado o centro de vários argumentos de filmes e séries de televisão. Aliás é também o tema de “Unbelievable“, mais uma das séries disponíveis agora na Netflix, que espero assistir em breve. Porém, ao contrário de outros filme ou séries de televisão, sobre o abuso sexual e as suas consequências, esta “Uma Família Quase Normal” tem qualidade suficiente, para fazer valer a pena o investimento de tempo e interesse.
‘Uma Família Quase Normal’, a Crítica | A Série Mais Viciante da Netflix
Name: En helt vanlig familj
Description: Em 'Uma Família Quase Perfeita', o mundo de uma família aparentemente perfeita, desmorona-se quando um crime chocante revela a que extremos os seus membros conseguem ir para se protegerem uns aos outros.
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José Vieira Mendes - 85
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Rui Ribeiro - 80
CONCLUSÃO:
‘Uma Família Quase Perfeita’ conta-nos de uma forma muito inteligente, uma história trágica, sobretudo tornando-a bastante próxima e tocante para o espectador. Esta série da plataforma Netflix, consegue sem dúvida atingir a qualidade de um competente thriller cinematográfico, para ver num ecrã de cinema; além de aproveitar eficazmente e até ao último minuto de cada um dos seus episódios, para criar uma atmosfera dolorosa, que se vai tornando cada vez mais premente e perturbadora, até ao final. Não se trata de um melodrama doméstico, que utiliza o terrível acontecimento que narra, para gerar uma atmosfera específica de um crime, não sem antes termos um perspectiva familiar e pessoal de cada um dos principais intervenientes. ‘Uma Família Quase Perfeita’ além da capacidade de contar meticulosamente essa tragédia familiar que tem como base um assassínio, além de uma mensagem muito niilista sobre a vida e a sociedade contemporâneas, consegue realmente criar-nos uma vontade de assistir até ao final e toda de seguida. Não faltam thrillers internacionais na Netflix, porém esta série é sem dúvida uma das mais emocionantes actualmente na plataforma.
JVM
Pros
As três interpretações principais são muito sólidas, aliás como a electrizante montagem, a fotografia gelada e a música envolvente, numa história narrada com habilidade e que nunca perde o interesse.
Cons
Dadas as constantes semelhanças com outras obras do género, para alguns espectadores não será difícil adivinhar o final. Apesar disso, é um série acessível e muito interessante para quem gosta desse tipo de género policial.
