Uma História de Amor de Spike Jonze, em análise

 

Her - Poster
  • Título Original: Her
  • Realizador: Spike Jonze
  • Elenco: Joaquin Phoenix, Amy Adams, Scarlett Johansson, Olivia Wilde, Rooney Mara
  • Género: Drama, Ficção Científica
  • ZON | 2013 | 126 min

[starreviewmulti id=11 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’]

 

 

Já tínhamos saudades de Spike Jonze. Desde 2009, quando trouxe “O Sítio das Coisas Selvagens”, que aguardamos com tremenda ansiedade a possibilidade de voltar admirar uma carreira marcada pela permanente transfiguração do invulgar. E o invulgar em “Her” é bem capaz de deixar muita gente renitente antes de decidir comprar o bilhete que o leve nesta admirável viagem. Não se acanhe. Se pensa que “Her” – devido à sua premissa que possivelmente viola códigos deontológicos – se pode tornar num objeto de troça fácil, então não podia estar mais enganado.

Num futuro não muito distante, Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor solitário, compra um sistema operativo (voz de Scarlett Johansson) desenvolvido recentemente e projetado para atender a todas as necessidades do seu utilizador. Quando o inicia, fica encantando por conhecer “Samantha,” uma voz feminina cheia de vida que é perspicaz, sensível e surpreendentemente divertida. À medida que as suas necessidades e desejos crescem, em sintonia com as de Theodore, esta amizade transforma-se numa verdadeira história de amor. Não numa história vulgar de melodramatismo inconsequente, mas na história de amor do ano, e provavelmente numa das melhores em largos anos.

Her3

O filme de Spike Jonze é um conto sobre um amor pouco convencional e mistura ficção científica (que goza de um contemporaneidade assinalável) e romance numa doce narrativa que explora a natureza do amor e a forma como a tecnologia nos isola e nos conecta a todos.

Há sobretudo duas formas díspares de olhar para o binómio tecnologia/amor que “Her” explora.  A primeira surge da perceção do inevitável hecatombe que a tecnologia pode provocar na raça humana: a consciência de que as relações humanas estão condenadas ao fracasso e, por isso, o Homem, enquanto ser racional, se pode tornar num escravo dependente da Máquina irracional. Segundo esse ponto de vista, “Her” é um objeto de terror denso, cruel e perturbante onde podemos descobrir, numa vista panorâmica, o futuro da Terra projetado. Um futuro onde o Homem procura um facilitismo antagónico ao status quo. No fundo, “Her” prevê um novo mundo para o qual as relações carnais perdem a sua preponderância e chegam a provocar desconforto, sendo sub-rogadas pelo amor ‘artificial’ que se esquiva da autenticidade mas que oferece, aparentemente, menos dissabores.

Her2

Por outro lado, a perspetiva de que esse futuro possa ser um fragmento entusiasmante da história do Homem é um rumo que não podemos ignorar. Spike Jonze consegue conjeturar um retrato poderoso e profundamente intenso do futuro do Homem sem se preocupar com as questões éticas e morais do que expõe, mas sempre com a possibilidade de o lermos nas entrelinhas. O que Jonze faz em “Her” é mostrar-nos que, por muito tecnológico-dependentes que possamos ficar, há sempre a possibilidade de encontrarmos o amor num ser inumano (no sentido denotativo do termo), colocando na personagem de Theodore a propensão de nos fazer duvidar do real significado das emoções e das relações.

Vivemos num mundo que vem ignorando a existência de príncipes e princesas, de almas-gémeas e de seres com personalidades complementares. Spike Jonze devolve a faculdade de voltarmos a acreditar em contos de fadas, criando uma perspetiva poética do mundo onde nós – por vezes seres solitários em busca da felicidade – e aqueles por quem nos apaixonamos constituem um perfeito ying & yang, como se fosse possível moldar o homem ou a mulher das nossas vidas àquilo que nós somos, tal como Theodore fez com Samantha. Temos tudo a ganhar em observar “Her” por este prisma. E se assim nos predispusermos, uma ode ao amor invadirá os nossos olhos e preencherá a nossa alma muito depois do término do visionamento. “Her” transpira a conhecimento sobre a vida, mostrando que o amor é capaz de quebrar as barreiras que o Homem nunca esperou que este pudesse quebrar.

Her1

Há diálogos ente Samantha – na voz de uma doce, frágil  embora assombrosa Scarlett Johansson – e Theodore (Joaquin Phoenix numa heroica prestação, a provar novamente que é um dos melhores atores deste século) que vão entrar diretamente para o panteão dos diálogos cinematográficos. Culpa da mágica realização de Jonze que está sempre à procura dos ângulos mais belos e melancólicos que a fotografia de Hoyte Van Hoytema evidencia, mas não se fica por aqui. Quando o virtuoso argumento se une com a lírica sonoplastia dos Arcade Fire, está dado o mote para essa cena ser guardada no baú de memórias cinematográficas. Destacamos uma particular que define “Her” na sua essência. Samantha mostra a Theodore uma música que compôs dizendo que, já que é impossível eles capturarem uma fotografia em comum, aqueles inefáveis sons do piano eram semelhantes a um retrato fotográfico que os captasse naquele momento das suas vidas. Podemos não ver Samantha mas sentimo-la na voz de Johansson como se fosse fantasma que se agarra a Theodore e nos seduz os sentidos. No fundo, naquele momento, é a nossa audição que comanda o corpo, como se os restantes sentidos humanos jamais fossem importantes para definir o nosso estado de espírito.

Her” é Cinema que transpira a paixão e ternura mas que não se vê alienado pelo termo fácil de “filme bonito”. É muito mais do que isso. É uma visão melancólica do mundo e dos seres que o habitam.

Her

Por tudo isto, o novo filme de Jonze é um objeto singular no Cinema dos dias de hoje. É um filme sobre o amor, sobre nós humanos, sobre aquilo que somos e podemos no futuro ser, sobre as nossas experiências, as nossas amarguras, a nossa impossibilidade de esquecer o passado e projetar o futuro. É sobre as ligações perdidas no tempo e a forma com que nos isolamos da fisicalidade das conexões reais, sobre a tecnologia e a sua capacidade em mudar por completo as relações humanas.

Catalogar um filme contemporâneo com uma (por vezes) errónea definição de ‘obra-prima’ – até porque esse exercício de elevar a obra de arte a outro patamar tem quase forçosamente de ser conseguido com o avançar dos tempos – é uma decisão difícil. Contudo, não olhar para “Her” como tal não nos parece prudente. Não estamos a querer dizer que o filme de Spike Jonze está para o destino das relações humanas tal como “O Padrinho” está para os filmes de gangsters mas, num futuro relativamente próximo, “Her” poderá ser um filme-referência.

Um filme para o qual a ambição de um visionário, de nome Spike Jonze, o fez desenhar o Mundo tal como ele é. E nem imaginam o quão isso é bom.

DR

Lê Também:   Trailer de Joker: Folie à Deux está a chocar a internet e mostra um lado nunca visto de Joaquin Phoenix e Lady Gaga

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *