Fabrizio Gifuni dá corpo ao apresentador Enzo Tortora. ©Anna Camerlingo

A máquina de esmagar, visões tremidas e uma estrela fugida de Hollywood | Festival de Veneza 2025 (Dia 6)

Do ringue ao ecrã, da utopia dos Shakers ao escândalo televisivo, o Festival de Veneza 2025 prova que o cinema ainda é capaz de esmagar ossos, mexer fantasmas e reescrever histórias. E, no meio disto tudo, Kim Novak lembra-nos que o estrelato também pode ser uma fuga para a vida.

Dwayne Johnson é afinal uma rocha que também sangra no Festival de Veneza 2025. Na competição, Benny Safdie trouxe-o em “The Smashing Machine”, um biopic de Mark Kerr, um colosso do MMA que percebeu tarde que músculos não chegam para segurar a vida.

The Rock — sim, Dwayne Johnson — deixou a gargalhada de “Jumanji” e o ginásio de lado e entregou-se a uma vulnerabilidade surpreendente nesta sua extraordinária interpretação de um lutador de wrestling, ao lado de Emily Blunt. Safdie filma a violência como vício e a glória como maldição, lembrando-nos que até os super-homens sangram e sofrem por dentro. É cinema físico, bruto, mas com alma no Festival de Veneza 2025. E pode muito bem abrir a porta dos Óscares àquele que, até agora, era apenas o brinquedo favorito de Hollywood.

Mona Fastvold: com um musical para tremer:

Se Johnson esmagou ossos, Mona Fastvold fez tremer o corpo inteiro no Festival de Veneza 2025. “The Testament of Ann Lee” reinventa a história da fundadora dos Shakers — o grupo religioso cristão conhecido como os Apostólica Sociedade dos Crentes na Segunda Aparição de Cristo, nascida na Europa no século XIX e que migrou para os EUA — como visionária pop, num musical-experimental que mete Amanda Seyfried, Thomasin McKenzie e Lewis Pullman a dançar até à utopia.

Fastvold filma fé como quem filma arte: um acto de devoção insensata que tanto pode fundar uma religião como um filme. Irregular? Sim. Exuberante?  Excessivo? Muito. Demasiado e cansativo. Mas ao menos é um filme que ousa o que o cinema americano anda a esquecer: inventar.

Marco Bellocchio: a televisão no banco dos réus

Já o veterano italiano Marco Bellocchio regressou ao local do crime mediático com “Portobello”, uma série — as séries começam cada vez mais a fazer parte da programação dos festivais — sobre Enzo Tortora, o famoso apresentador de televisão italiano — o rosto do programa que dá nome à série — esmagado por um erro judiciário e pela gula dos jornais e dos paparazzi na década de 80. Fabrizio Gifuni dá corpo a um homem que a RAI transformou em ícone e os media em criminoso.

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Vimos apenas dois episódios, aqui no Festival de Veneza 2025 mas é como sempre Bellocchio em modo cirúrgico: a desmontar o espetáculo da justiça e a televisão que gosta de crucificar os seus próprios heróis. Tem estreia prevista no streaming da HBO, mas só em 2026.

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Kim Novak: a estrela que disse “basta”

Kim Novak, a eterna mulher que viveu duas vezes, vai hoje receber o Leão de Ouro pelo conjunto da sua obra — e que obra — no Festival de Veneza 2025. E fê-lo como sempre viveu: a meio caminho entre o mito e a recusa de ser mito. E assim a noite de hoje vai terminar com elegância vintage.

Ontem à noite vimos como Alexandre O. Philippe filmou-a em “Kim Novak’s Vertigo”, um documentário-espiral onde o fantasma de Hitchcock assombra, mas a verdadeira protagonista é Novak, a pintora, a sobrevivente, a mulher que teve a ousadia de abandonar Hollywood antes que Hollywood a devorasse. É uma aula sobre como escorregar na passadeira vermelha com dignidade e categoria. E Novak conta tudo, com um sinceridade desarmante.

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Entre o músculo e o mito

Veneza 2025
A grande homenageada de Veneza 2025 será Kim Novak. ©Biennale Cinema/Divulgação

O Festival de Veneza 2025 anda assim já a menos de uma semana do fecho: músculos que choram, estrelas que fogem, séries que sangram e utopias que tremem. E, no meio disto tudo, nós, pobres críticos, a tentar perceber se é o cinema que ainda resiste ou se somos nós a resistir a Veneza 82, sobretudo às sessões da 22h, depois do dia começar às 8h30.

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