Verdades Difíceis | Análise
Mike Leigh está de regresso com um novo filme. “Verdades Difíceis” estreia esta quinta-feira 17 de julho nos cinemas nacionais. A longa-metragem estreou mundialmente no Festival Internacional de Cinema de Toronto, no Canadá, em setembro de 2024. Mais recentemente, em 2025, o filme esteve nomeado para dois prémios BAFTA: melhor filme britânico e melhor atriz principal (Marianne Jean-Baptiste).
“Verdades Difíceis” aborda a história de uma família que se tenta manter unida, apesar de pouco aberta ao diálogo. No centro da narrativa está Pansy (interpretada por Marianne Jean-Baptiste) que está numa luta emocional constante, após a morte da sua mãe. Chantelle (Michele Austin), a sua irmã, irá abrir o caminho para a libertação de Pansy…
De Segredos e Mentiras a Verdades Difíceis
O novo filme de Mike Leigh, “Verdades Difíceis” é mais um drama intimista semelhante a obras anteriores do realizador. Nomeadamente, “Segredos e Mentiras” (1996). É importante referir este filme de 1996 porque, em “Verdades Difíceis”, o realizador volta a trabalhar com Marianne Jean-Baptiste com quem trabalhou nesse filme.
Em “Segredos e Mentiras”, Marianne Jean-Baptiste foi igualmente coprotagonista, interpretando Hortense Cumberbatch, personagem que embarca numa procura pelos seus pais biológicos, depois da morte da sua mãe adotiva. No entanto, não é só Marianne Jean-Baptiste que volta a trabalhar com o realizador… A coprotagonista de “Verdades Difíceis” Michele Austin foi igualmente atriz em “Segredos e Mentiras” onde interpretava Dionne, amiga de Hortense.
Embora dois filmes bastante diferentes, é inegável pensar em “Segredos e Mentiras” como um filme “paralelo” a “Verdades Difíceis”. Para lá das atrizes, ambas as narrativas giram à volta de uma família complicada…
Um bom início para Verdades Difíceis
O início de “Verdades Difíceis” é bastante potente para o espectador onde sentimos toda a insegurança e ressentimentos da nossa protagonista Pansy. Acorda de um sonho a gritar, assustada. De seguida, começa a fazer limpeza e somos introduzidos ao seu filho de 22 anos Moses (Tuwaine Barrett) e ao marido Curtley (David Webber); sendo que este último já tinha aparecido, de forma discreta, no genérico inicial a sair de casa e a seguir com o seu colega para o trabalho.
Nestas cenas iniciais sentimos alguma compaixão por Pansy, sobretudo, quando o filho é, de facto, algo “inútil”, deixando, por exemplo, uma casca de banana no balcão da cozinha. No entanto, com o decorrer do filme, vemos que muito disto é culpa da própria mãe.
Marianne Jean-Baptiste “faz” o filme, mas…
Assim, a narrativa do filme prossegue e sentimos uma grande fragilidade na construção da mesma e, sobretudo, na construção da personagem Pansy. Ela é, claramente, uma mulher amargurada e não é só o seu filho e o seu marido que sofrem. Pansy é brusca e até mal educada, inclusive, com estranhos.
A forma de estar na vida de Pansy acaba por nos cansar enquanto espectadores e só a sensivelmente 1h de filme (isto num filme de 97 minutos) é que Pansy se “liberta” um pouco dos seus fantasmas. Mais concretamente, da sua mãe, numa difícil e emotiva cena no cemitério com a irmã Chantelle.
Assim, nesta 1h de filme que leva até este clímax, acabamos por ficar exaustos porque a única coisa que Pansy faz é gritar com as pessoas sem razão aparente; nomeadamente na caixa do supermercado e no parque de estacionamento de uma loja. Chegamos a rir-nos do ridículo das situações com as quais Pansy se chateia e (quero acreditar) certamente esse não era um objetivo de Mike Leigh, perante um drama tão pesado que a personagem carrega.
Dito isto, ainda assim, é notório que a atriz Marianne Jean-Baptiste carrega este filme às costas ao ser bastante crua na sua representação.
A família de Pansy
“Verdades Difíceis” é um filme que se centra, efetivamente, na figura de Pansy. No entanto, Mike Leigh também nos dá a conhecer a sua família. Assim, ao longo do filme, vemos o marido no trabalho de canalizador, o seu filho na rua (onde também sofre), a sua irmã no seu salão de cabeleireiro onde trabalha e ainda as sobrinhas.
Estas pequenas cenas que pontuam o filme servem (e bem) para o equilibrar. Caso contrário, seria mesmo desgastante ver apenas Pansy a gritar. Neste sentido, sinto que podíamos ver mais algumas cenas com os familiares de Pansy, sobretudo com as suas sobrinhas que mal aparecem e, inicialmente, até nem percebemos a sua relação com Pansy…
Pansy, finalmente, quebra-se no cemitério, como disse anteriormente, quando percebe que não é só Chantelle que sente falta da mãe mas ela própria também e que as suas reações podem afastar a sua família. “Não te entendo, mas amo-te”, responde-lhe Chantelle, quando Pansy diz que todos lhe odeiam.
Segue-se, depois, uma cena de almoço de família no Dia da Mãe onde Pansy acaba por demonstrar as suas fragilidades perante toda a família, especialmente quando sabe do gesto do seu filho que lhe comprou flores (embora, num gesto selvagem, o marido Curtley as deite fora).
Mais tarde, depois de se aleijar no trabalho, Curtley regressa a casa. O filme termina de uma forma algo brusca, mas cheia de significado. Pansy não vai acudir o marido e Curtley chora sozinho na cozinha. Ambos percebem que têm de se esforçar mais para se compreenderem…
Algumas conclusões do ponto de vista técnico
Em termos de argumento, conforme disse, a narrativa poderia ter sido muito melhor trabalhada. Por outro lado, não há dúvida que Marianne Jean-Baptiste e Michele Austin foram a escolha acertada para representarem as irmãs deste filme, transmitindo bastante emoção com as suas personagens.
Um outro ponto positivo é a escolha dos décores onde todos foram muito bem escolhidos: desde a casa de Pansy, ao supermercado, à casa de Chantelle e os exteriores. Todos os locais trazem significado ao filme que também tem uma muito boa direção de fotografia.
Verdades Difíceis
Conclusão
- “Verdades Difíceis” é a nova longa-metragem de Mike Leigh. Trata-se de um drama familiar pesado onde a protagonista sofre em silêncio mas extrapola a sua dor gritando com toda a gente sem razão aparente.
- O filme começa de forma segura e sentimos compaixão para com Pansy. No entanto, ao longo de 1h, sentimos que a protagonista não faz mais nada a não ser gritar. O clímax da personagem é atingindo numa pesada e emotiva cena no cemitério, mas ainda há muito caminho a percorrer nesta fraturada família…
- As cenas com os familiares da protagonista servem como equilíbrio ao filme mas gostaríamos de ver mais. Mike Leigh poderia ter feito um filme um pouco melhor.