Marianne Jean-Baptiste, a actriz que já trabalhou com o realizador em “Segredos e Mentiras”. ©Festival de San Sebastián

“Hard Truths” de Mike Leigh e a mulher mais chata do mundo

A Competição do Festival de Cinema de San Sebastián 2024, fechou com dois filmes sobre o envelhecimento e a decadência: “Hard Truths”, de Mike Leigh, sobre uma mulher muito ‘chata’ e “The Last Showgirl”, de Gia Coppola, que resgata Pamela Anderson do limbo dos maus filmes de Hollywood.

O primeiro é “Hard Truths”, o novo filme do cineasta britânico Mike Leigh (“Naked”), é mais uma obra na linha dos seus anteriores (excepto os históricos Mr. Turner e “Peterloo”), que aborda sempre de uma forma muito precisa e realista, o dia-a-dia de pessoas comuns da classe média e baixa londrina. “Hard Truths” poderia facilmente também chamar-se ‘A Mulher Mais Chata do Mundo’, pois é uma notável jornada pela mente de uma mulher de ascendência africana, que vive nos arredores de Londres e que passa há uns tempos, por uma série de crises pessoais e familiares, que é muito bem interpretada por Marianne Jean-Baptiste, a actriz que já trabalhou com o realizador em “Segredos e Mentiras”. 

Hard Truths
AS duas irmãs de “Hard Truths”, não podiam ser mais diferentes. ©Festival de San Sebastián

Pansy (Marianne Jean-Baptiste) é uma mulher intensa, irritada com tudo e com todos, depressiva, agressiva, violenta, incapaz de qualquer tipo de compaixão ou empatia com o próximo. Parece um furacão em movimento, alguém que sente que o mundo a prejudicou e que os seus habitantes merecem ser punidos por isso: discute com o marido, com o filho, com o dentista, com o médico, com a caixa e clientes do supermercado…Enfim, mesmo o seu marido Curtley (David Webber) que está com ela há muito tempo, já não sabe o que fazer; enquanto isso Moses (Tuwaine Barrett), o seu filho de 22 anos, um jovem obeso, parece viver imerso no seu mundo, mal diz uma palavra e a única coisa que faz durante todo o dia é andar sem rumo pelo bairro e pela cidade de Londres. Em  “Hard Truths”, pelo contrário, a irmã Chantelle (Michele Austin), uma mulher amorosa, dona de um salão de cabeleireiro, gentil, simpática e amável — além de mãe solteira de duas filhas luminosas e alegres de vinte e poucos anos, Aleisha (Sophia Brown) e Kayla (Ani Nelson) — parece ser a única que tolera e compreende Patsy. 

VÊ TRAILER DE “HARD TRUTHS”

As vidas das duas irmãs parecem diametralmente opostas: o silêncio ou raiva em uma, o carinho, a alegria e gentileza da outra. Porém, como isso aconteceu é que vamos desvendar neste filme bastante simples e intimista, onde os diálogos são a chave de um argumento aberto e sem resolução, que oscila entre a surpresa, compaixão, mas também um certo humor. Por isso, não existem soluções fáceis no cinema de Mike Leigh, o que existem são personagens e histórias fortes e únicas, assentes na verdade e no poder ‘realista’ das imagens. Por isso, é bom vê-lo em “Hard Truths” regressar às origens e às explorações psicológicas sobre a vida de homens e mulheres, para quem habitar o mundo, torna-se, todos os dias, um desafio constante.

VÊ TRAILER DE “THE LAST SHOWGIRL”

Também bastante realista, “The Last Showgirl”, o novo filme de Gia Coppola (“Palo Alto”) de certo modo resgata Pamela Anderson como atriz de primeira linha e leva-a ao lugar que ela merece no cinema. Aos 57 anos, Pamela Anderson recebe assim com o seu reconhecimento para o seu difícil papel em “The Last Showgirl”, o melhor presente para uma atriz que tem sido ignorada por Hollywood. “The Last Showgirl” é aliás uma extraordinária e nova vitrine para a actriz que ficou conhecida pela série “Marés Vivas” (Baywatch), e que aproveitou o seu pico de fama com “Barbwire”. A partir daí passou a protagonizar filmes de qualidade bastante duvidosa. Uma infeliz série de televisão, sobre a divulgação do seu vídeo erótico com Tommy Lee, com uma resposta recente em forma de documentário da Netflix e algumas campanhas para marcas como Vivienne Westwood, além de seu apelo contra o uso de maquiagem, nas suas aparições, levaram-na de volta a uma certa notoriedade. Mas poucos sabiam que Anderson estava imersa nesta longa-metragem dirigida pela realizadora Gia Coppola, um dos filmes que fecha a Competição de San Sebastián 2024, depois de ter passado pelo Festival de Toronto, aliás como “Hard Truths”, de Mike Leigh.

The Last Showgirl
Pamela Anderson dá um show de interpretação como bailarina-stripper. ©Festival de San Sebastián

“The Last Showgirl”, é um drama ambientado em Las Vegas que acompanha as desventuras de Shelley (Anderson), uma bailarina-stripper que vê o espaço de diversão e os espectáculos onde atuou durante trinta anos, praticamente toda a sua vida fecha definitivamente. Todos os trabalhadores do espaço vão ter que repensar suas vidas quando já foi anunciado que têm duas semanas até ao encerramento definitivo do local. Shelley a protagonista desta história, tem também uma história familiar algo complicada: o relacionamento com a sua filha, que deu para adopção, por uma opção de carreira, não é dos melhores. Pamela Anderson interpreta a protagonista desta história onde Billie Lourd interpreta a sua filha. Kiernan Shipka e Brenda Song interpretam duas das parceiras do espectáculo de strip de Shelley. Dave Bautista desempenha o papel do gerente do show roomJamie Lee Curtis, ex-colega de Shelley, desempenha agora o papel de uma desencantada empregada de mesa de um casino. Curtis apesar das suas breves aparições protagoniza um dos melhores momentos do filme como actriz secundária.

The Last Showgirl
O drama ambientado em Las Vegas e acompanha as desventuras Shelley (Anderson). ©Festival de San Sebastián

O novo filme da neta de Coppola teve uma passagem algo discreta para o fim da competição, aliás também “Hard Truths”, de Mike Leigh, talvez por isso estivessem guardados para fechar o concurso. Embora seja unânime que Pamela Anderson demonstra “The Last Showgirl” um excelente trabalho e um talento que lhe desconhecemos e que foi limitado durante anos a papéis que buscavam apenas explorar o seu físico deslumbrante, além das suas brincadeiras no final dos anos 80, que iluminavam o líbido dos adolescentes. Fisicamente, apesar da idade continua também a valer muito pelos seus atributos. É uma diva!

JVM



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