Aliados, em análise
Em Aliados, Marion Cotillard e Brad Pitt eletrizam o ecrã com a sua fogosa química e, juntamente com Robert Zemeckis, trazem o glamour dos clássicos à Hollywood atual.
Apesar de ser famoso por filmes cheios de efeitos especiais (The Walk, A Morte Fica-vos Tão Bem)e sempre ter mostrado afeto pelas mais vistosas inovações tecnológicas (Polar Express, Forrest Gump), Robert Zemeckis é, no seu âmago, um realizador classicista cuja estética e ideologia estão mais próximos do romantismo da velha Hollywood do que de vanguardas experimentais ou do cinema blockbuster moderno. Em Aliados, essa faceta volta a marcar presença mas, desta vez, apenas um analfabeto cinematográfico poderá não se aperceber. Afinal, o filme centra-se no romance entre dois espiões em plena 2ª Guerra Mundial e tem o atrevimento de situar parte da sua história em Casablanca.
E assim o filme começa, com Brad Pitt, mais Carey Grant que Humphrey Boggart, a descer de para-quedas numa paisagem desértica. Depressa ele depara-se com um carro que o leva até às ruas noturnas de Casablanca, onde, num clube exclusivo, ele se encontra com Marion Cotillard. A introdução da atriz francesa, com um plano que começa nas suas costas e sobe até que ela vira a cabeça e olha diretamente para Pitt, lembra a beleza fatalista de Marlene Dietrich nos filmes de von Sternberg. Eles são Max Vatan e Marianne Beauséjour, dois espiões, ele canadiano e ela francesa, numa missão de assassinato que depende da sua infiltração, enquanto um casal parisiense, na alta-sociedade local, onde a influência nazi domina. Obviamente, eles acabam por se apaixonar.
Meses mais tarde, casam-se em Inglaterra, onde passam a viver e têm uma filha nascida sob as luzes de um bombardeamento aéreo. Tudo parece estar bem e a sua vida é o tipo de cenário idílico que não está destinado a durar num filme deste género. É isso mesmo que acontece, quando Max é informado que os seus superiores têm razões para acreditar que Marianne é uma agente-dupla dos alemães. Se tal se confirmar, ele será obrigado a executar a sua mulher ou arriscar ser também acusado de traição. Começa assim uma corrida contra o tempo em que o nosso protagonista passa um fim-se-semana à procura da verdade enquanto os serviços secretos dos Aliados esperam o resultado de um teste que concluirá se Marianne é realmente uma inimiga ou não.
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Na sua estruturação dramática, é o modo como as cenas em Casablanca ao ingrato estatuto de um mero primeiro ato ou prólogo à ação principal, que se revela o aspeto mais transgressivo de todo este exercício. Afirmamos isto pois, em termos formais, Aliados é um agradável sonho de códigos e gostos clássicos trazidos à modernidade com a polidez possibilitada por um grande orçamento de estúdio. Os cenários são detalhados, opulentes e convincentes sem perderem uma elegância e síntese levemente teatrais, a fotografia é límpida e obcecada em capturar os dois atores principais em todo o seu esplendor, enquanto a música embala a audiência com suas melodias genericamente sentimentais.
As únicas ocasiões em que esse delicado equilíbrio se desampara são os momentos onde Zemeckis mais se rende aos efeitos CGI que tanto caracterizam a sua filmografia. Duas cenas de bombardeamento acrescentam uma tensão ora vitoriosa ora penosa a sequências bem construídas, mas a plasticidade dos efeitos trai os impulsos mais comedidamente clássicos da restante concretização técnica e narrativa. Finalmente, uma aventura noturna na França ocupada revela-se mais como um espetáculo de desastrada técnica de cinema de ação do que como a ária de desespero que o argumento parece indicar a respeito da personagem de Brad Pitt.
Tais momentos não destroem o filme, mas tendem a corroer um pouco a sua fachada de respeitável bom gosto. Para compensar essas fragilidades, o guarda-roupa de Joanna Johnston injeta o glamour dos clássicos de Hollywood na intriga, funcionando como força diretiva de muitas das melhores cenas do filme e ainda como indicador das camadas performativas em ação durante os vários momentos de interação romântica e subterfúgio profissional. Afinal, o que é o trabalho de espião se não um análogo mortífero do trabalho de uma estrela de cinema? Pelo menos assim o é com os espiões das narrativas de Hollywood e Aliados está plenamente aberto a explorar e intensificar tal relação concetual, incluindo passagens de diálogo em que Marianne fala do seu método de incluir verdadeira emoção nos seus disfarces e mais parece ser uma atriz a discutir a sua técnica.
Nessa medida, Pitt fraqueja de modo considerável. Para começar, a sua modulação emocional revela certos limites ao estilo de antigos ídolos masculinos do cinema como Rock Hudson, por exemplo, mas a segunda metade do filme exige algum realismo psicológico da sua parte. Mais debilitante ainda é o seu imperdoável sotaque francês que, segundo Marianne, é mais canadiano que francês, uma afirmação que revela uma desmesurada generosidade da sua parte. Pelo contrário, Marion Cotillard é quase perfeita neste papel, sugerindo os níveis de performance inerentes a Marianne sem nunca abandonar a fachada de glamour descomplicado de uma estrela de Hollywood ou a sensualidade sofisticada de uma femme fatalle.
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No trágico final de Aliados é precisamente a prestação de Cotillard que traz um peso dolorosamente humano às resoluções do enredo. Graças ao seu trabalho, o que poderia ser um clímax previsível e banal converte-se numa conclusão marcada pelo desespero de uma mulher apaixonada e de uma mãe que foi colocada numa posição de impossível angústia. Sem querer revelar mais detalhes, fica a nota que o impacto de Cotillard neste último ato é tão forte que é difícil não sair do cinema com a impressão que o filme teria sido infinitamente mais interessante se a intriga estivesse focada não na perspetiva masculina, mas sim em Marianne. É claro que, se escolhesse esse caminho mais complexo e psicologicamente desafiante, Zemeckis teria de abandonar os padrões classicistas que o guiaram neste filme e Aliados seria uma obra completamente diferente.
O MELHOR: Cotillard, sua perspicácia interpretativa, sublime capacidade de encontrar nuances mesmo num registo estilizado e sua estonteante beleza quando vestida nas glamourosas confeções de Joanna Johnston.
O PIOR: O sotaque francês de Brad Pitt que, no meio de todo o primor técnico e executivo, parece uma falha imperdoável e traiçoeira. O facto de recordar a audiência da sua paródia italiana em Sacanas Sem Lei apenas piora a situação e insinua comédia num filme incompatível com tais registos levianos.
Título Original: Allied
Realizador: Robert Zemeckis
Elenco: Brad Pitt, Marion Cotillard, Jared Harris, Lizzy Caplan, Simon McBurney, Matthew Goode
NOS | Drama | 2016 | 124 min
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