Cinema Europeu? Sim, Por Favor | O Filho de Saul

Valha-nos a reunião anual dos Óscares para difundir um pouco mais do talento mundial (e consequentemente europeu), que de outra forma não teria tanto alcance – e valha-nos todos os esforços, dos que submeteram, dos que foram nomeados e dos que ganharam.

O Filho de Saul (Saul fia) não escapa à regra e distingue-se dos seus confrades principalmente pela temática e o seu cariz fortemente dramático. Nunca foi cedo e nunca é tarde para falarmos sobre o Holocausto.

Original da Hungria (e da sua bela capital, Budapeste) László Nemes nasceu em 1977 e mudou-se para França aos 12 anos, onde estudou, em Paris, Historia, Ciência Política e Relações Internacionais, tornando-se mais um exemplo vivo de que não é fundamental ter um diploma de cinema para se tornar um cineasta. Começando como assistente de realização em vários projetos de técnicos e realizadores que foi conhecendo ao longo do seu percurso (como Mátyás Erdély ou Béla Tarr), Nemes regressou a Budapeste nos seus 26 anos, e foi aí que se estabeleceu e lançou as suas primeiras curtas-metragens.

Türelem, The Counterpart e The Gentleman Takes His Leave cederam-lhe mais de 30 prémios em festivais de cinema e colocaram-no na posição de nos poder presentear com a sua assombrosa primeira longa-metragem, que ganhou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro da Academia, na última edição.

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Filmado inteiramente no formato de 35mm por Mátyás Erdély (cinematografo), que confere uma índole tão claustrofóbica quanto a diegese exige, O Filho de Saul é protagonizado por Géza Röhrig (ator amador) e gira, literal e praticamente, em torno de si: Saul Ausländer não abandona o ecrã, sendo que todos os planos são cuidadosamente filmados de forma a transportar os seus gestos e emoções (embora contidas) para a tela – desde planos subjetivos, aos amorces e brincadeiras deliciosas com o foco da lente, onde o desfoque personifica a catástrofe e o desejo de saber que a Humanidade é mais do que isto.

A história é simples, sem nada de simplório. Passa-se durante a Segunda Guerra Mundial, em Auschwitz-Birkenau e segue a personagem de Saul, um judeu que foi deportado da Hungria aquando da deportação em massa de Judeus que se sucedeu no ano de 1941, altura em que o processo de exterminação judaica estava no seu auge. Para quem não conhecia, o drama de 2015 apresenta-nos a especial situação dos Sonderkommando, os prisioneiros que limpavam as câmaras de gás, queimavam os corpos e recolhiam os bens, a comando das tropas Nazi, e que tinham pequenos privilégios mas, como mandava a atrocidade, acabariam igualmente por morrer ao fim de alguns meses de trabalho.

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A narrativa do filme estabelece-se logo no início com Saul, membro dos Sonderkommando, a encontrar o corpo de uma criança, que ainda respirava, no final de uma sessão de exterminação. Confrontado com tal tristeza que mal podia expressar, Saul, judeu extremamente religioso, tomou a decisão de enterrar o rapaz dignamente, fazendo-lhe um “funeral” honroso com a presença de um Rabbi (judeu tradicional e chefe religioso) que o pudesse abençoar em paz.

No meio de uma pequena congeminação em que os soldados planeavam uma revolta armada com o intuito de destruir as câmaras de gás, Saul viu ajuda negada diversas vezes mas nem assim cessou a vontade. Enterrar este rapaz, que desde cedo e como o título do filme indica, se trata do seu próprio filho, tinha-se tornado a sua obsessão e estava disposto a enfrentar fosse quem fosse – a vida já nada significava, os dias estavam contados.

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Insubmisso por escolha ou pelo acaso, Saul torna-se num rebelde com objetivos próprios e aquele homem que vagueava nos corredores, mudo e perplexo com todo o horror da Solução Final, foi substituído por um outro mais consciente e acionário. Apesar de se focar principalmente na luta entre a consciência pessoal e a moralidade de Saul, a película de László Nemes adiciona informações fundamentais ao role de filmes relacionados com o Holocausto: os judeus resistiram e os Sonderkommando não eram aliados mas sim humanos com medo, que tentavam ganhar um pouco mais de tempo, e, ao mesmo tempo, amanhar soluções.

O Filho de Saul é um filme cru, duro e profundamente enclausurado. Enclausurado nas tarefas dos judeus que todos os dias limpavam corpos e as cinzas, sem sequer se poderem alvoroçar. Enclausurado no meio da demência, mas dentro da mente dos mais sãos, dos procuravam respostas todos os dias, dos que viveram um pesadelo que ainda hoje é tão difícil de enfrentar.

 

Maria João Bilro

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