Jean-Pierre Verscheure

Histórias do Cinema na Cinemateca Portuguesa | Entrevista a Jean-Pierre Verscheure

A equipa da MHD teve o privilégio de entrevistar Jean-Pierre Verscheure, investigador e curador de cinema, responsável pelo centro de estudos Cinevolution. 

“Este sítio é fantástico!”. São provavelmente estas as palavras que mais se repetem na boca de Jean-Pierre Verscheure acerca da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema. No espaço, o investigador e curador tem estado a apresentar um conjunto de sessões no encontro da rubrica “Histórias Do Cinema”.

Em fevereiro, Jean-Pierre Verscheure falou sobre os formatos de película cinematográfica e as proporções de imagem. Os filmes apresentados nessa altura foram “Safety Last!” (Fred Newmeyer, 1923), “Rancho Notorious” (Fritz Lang, 1952), “River Of No Return” (Otto Preminger, 1954), “West Side Story” (Jerome Robbins, Robert Wise, 1961) e “The Pledge” (Sean Penn, 2001). Já nesse momento Jean-Pierre Verscheure tinha-nos prometido uma entrevista, mas que só agora foi finalmente alcançada.

Agora, em pleno mês de abril, Verscheure regressou com outros filmes, e com um outro tema: o desenvolvimento e o crescimento do cinema sonoro. Foram já apresentados “The Jazz Singer” (Alan Crosland, 1927); “Marius” (Alexandre Korda & Marcel Pagnol); “The Man Who Knew Too Much” (Alfred Hitchcock, 1956). No entanto, faltam ainda ser apresentados outros dois filmes “My Fair Lady” (George Cukor, 1964) e “Saving Private Ryan” (Steven Spielberg, 1998), ambos exibidos em cópias restauradas, entre hoje e amanhã.

O trabalho de Jean-Pierre Verscheure é realmente impressionante, sendo mais um dos rostos ocultos daquilo que se faz em cinema nos dias de hoje. Grande especialista da história da tecnologia e das técnicas do cinema, é responsável pelo laboratório de restauro de som Cinevolution, com sede na Bélgica. Verscheure é ainda professor do Instituto Nacional de Artes Performáticas (INSAS) e membro do conselho científico da Cinémathèque Française. Também ele já foi galardoado com o “Lifetime Achievement in Film” no Festival de Cinema Internacional Independente de Bruxelas.

A intensa paixão pelo cinema, pelas imagens e pelo som nota-se no rosto de Jean-Pierre Verscheure. Nestes dias de correria, tivemos oportunidade de acompanhar o trabalho de Jean-Pierre Verscheure com os membros da cabine de projecção da Cinemateca Portuguesa, onde o investigador mostrou o seu entusiasmo em lidar com tão responsável e dedicada equipa. Para Verscheure, tudo é verdadeiramente fantastique naquele espaço.

As suas lições já passaram pelo México, por França e agora por Lisboa. Nem dá para acreditar quando confessa que mais nenhuma cinemateca do mundo faz um trabalho tão aprimorado como a portuguesa. Seguem-se repetitivos “bravos!” e “muito obrigado”, das pouquíssimas palavras que Verscheure pronuncia em português. E com um sentido bater de palmas, Jean-Pierre Verscheure dá início à conversa com a equipa da MHD.

Jean-Pierre Verscheure
Jean-Pierre Verscheure

MHD: Como é que surgiu esta ideia da rubrica “Uma História dos Formatos”? E como se estabeleceu esta parceria entre o Jean-Pierre Verscheure e a Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema? 

JPV: Grande pergunta (risos). O meu primeiro interesse começou há muitos anos atrás, quando eu era ainda uma criança. Um dia um distribuidor deu-me um rolo de um filme e quando cheguei a casa eu queria projecta-lo, mas claro não o sabia como fazê-lo. Tudo isso foi para mim uma grande descoberta! Depois fiquei tão fascinado e quis conhecer a história do cinema, e dos sistemas de imagem e de som. Queria conhecer essencialmente os formatos originais de um filme. Se um realizador de cinema decide projectar um filme em CinemaScope ou em Vistavision, ou em Stereophonic Sound, existem parâmetros entre a forma e o conteúdo. O meu interesse era tão ávido que me tornei professor numa escola de cinema em Bruxelas. Tenho ensinado durante toda a minha vida, a relação entre o sentido e a forma, porque o cinema é uma mescla desses elementos.

Quanto à última parte da sua pergunta tenho a dizer que o director da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa está também interessado nestas questões, em mostrar o verdadeiro cinema. Por isso, convidou-me para falar dos formatos. Esta é a única maneira de descobrir o formato original dos filmes e dos seus realizadores. A Cinemateca Portuguesa é surpreendente. Digo já que é muito melhor que o arquivo cinematográfico de Tóquio. Estive há vários anos em Tóquio, mas lá não oferecem as condições que existem na Cinemateca Portuguesa. Aqui há todo o equipamento para projectar os filmes no seu formato original, oferecendo o verdadeiro valor do cinema. Eu não imaginava um arquivo com estas capacidades.

MHD: Alguns dos filmes exibidos no decurso do programa, como “Safety Last!”, “West Side Story”, “My Fair Lady”, ou “Saving Private Ryan” são obras cinematográficas conceituadas e com inúmeros admiradores. Acha fulcral aproximar o público da história do cinema através de um cinema mais comercial? 

JPV: Pergunta boa, mas difícil. A opinião sobre cada filme varia de pessoa para pessoa. Além disso, existem várias pessoas, uns mais intelectuais, outros nem tanto. O que tento fazer é mostrar todo o tipo de filmes, e os espectadores pensam aquilo que quiserem. Mediante a escolha do filme, eu tento sensibilizar as pessoas a melhorar o seu conhecimento sobre a história do cinema. Curiosamente, algumas vezes, as pessoas dizem que o som e o formato da imagem são interessantes, mas estão mais preocupadas com a qualidade do argumento. Essas pessoas ainda dizem que podem ver um filme através da televisão ou através do telemóvel, mas isso não é a verdadeira intuição do cinema. Numa cinemateca, ou num museu,  mostrar um filme implica conservar os elementos da sua projecção original.

Jean-Pierre Verscheure
Jean-Pierre Verscheure

MHD: Como surgiu a Cinevolution? E qual é o principal trabalho desta instituição que preside? 

JPV: Obrigado pela sua pergunta. A Cinevolution foi criada há mais de 20 anos (em 1994), para estudar os formatos da imagem e do som. Eu comecei esta pesquisa porque era difícil no meu país conhecer o verdadeiro formato dos filmes. Tivemos que construir uma sala, uma cabine de projecção, e uma sala de máquinas para obter todas as informações sobre o som de um determinado filme. A colecção de equipamentos permite ouvir os filmes nas mesmas condições que o realizador concebeu. Esta filosofia parece-me rigorosamente essencial, porque permite tomar as decisões adequadas antes de quaisquer restaurações. Aliás, o nosso espaço permite projecções de 17 formatos de som. Tenho desenvolvido juntamente com o meu filho, Laurent Verscheure, que é engenheiro de som, esse espaço.  

MHD: O cinema de hoje é um cinema extremamente diversificado, tanto em narrativas como em técnicas. Quais são os aspectos deste presente que provavelmente serão revisitados no futuro, por exemplo, daqui a 10 a 15 anos? 

JPV: Acho impossível prever aquilo que vai acontecer no futuro. Mas desde o primeiro filme dos irmãos Lumière até hoje, a evolução do som é inimaginável. O que temos que fazer é respeitar cada período de tempo, e respeitar a visão de cada realizador. Se hoje quiséssemos ver um filme dos irmãos Lumière, precisamos do primeiro cinematógrafo para descobrir o formato original. Mas se hoje um filme é feito com todo o equipamento digital, nós precisamos de preservar isso. Eu sou sentimental quanto à história do cinema. Eu gosto do Technicolor dos anos 50, mas hoje há outros sentimentos. O problema é que as gerações mais jovens não gostam do Technicolor, porque a qualidade do digital é gigantesca. As gerações mais jovens não percebem a razão de ser dada tanta atenção ao formato original.

Jean-Pierre Verscheure
Jean-Pierre Verscheure

MHD: A Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema dedica este ano à apresentação de filmes de várias cinematecas, através da rubrica: “As Cinematecas Hoje”. A seu ver, qual é o trabalho de uma cinemateca ou de qualquer outra instituição de acervo cinematográfico nos dias de hoje? 

JPV: A missão de cada arquivo cinematográfico deve ser preservar o cinema nacional. É isso que fazemos na cinemateca belga. É ainda importante preservar o cinema de todas as partes do mundo. Cada arquivo cinematográfico à volta do mundo faz isso. Bélgica, Japão, Vietname são países que respeitam o seu cinema, mas é necessário celebrar as atividades de outras cinematecas. Ao fazê-lo celebra-se a cinematografia existente nos outros países, que precisa de ser descoberta. Deve ser esta a filosofia, que apesar de tudo varia de cinemateca para cinemateca.

MHD: Gostava de vir mais vezes a Portugal e à Cinemateca Portuguesa? 

JPV: Porque não? É um país lindíssimo…e vocês têm um bom vinho do Porto (risos).

Um agradecimento especial ao Gabinete de Relações Públicas da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, pela possibilidade de termos conseguido esta entrevista. 

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