Hookworms, Microshift | em análise

Minimalista e cheio de incerteza existencial, o novo disco dos Hookworms, Microshift, representa tudo menos uma mudança microscópica.

Microshift não só é um grande disco, é um grande disco que podia não existir. Embora o noise-rock psicadélico dos dois anteriores álbuns de estúdio, Pearl Mystic (2013) e The Hum (2014), tivesse sido criticamente aclamado, os Hookworms começavam a sentir-se num lodo criativo, compondo um EP do qual estavam pouco convictos. No “Boxing Day” de 2015, as cheias do Rio Aire, em Leeds, causadas pela tempestade Eva, submergiram uma grande parte da área de Kirkstall e destruíram 2500 casas e 700 propriedades comerciais, incluindo o estúdio da banda, Suburban Home.

Este não só lhes servia de quartel-general e espaço de ensaio, como era a única fonte de rendimento de Matthew Johnson (MJ), vocalista, teclista e compositor. A reconstrução do estúdio e a campanha de angariação de fundos para a financiar eram, por isso, prioritárias e obrigaram a uma indefinida pausa no trabalho da banda. Como se não bastasse, o seu engenheiro de som, amigo de longa data, morreu e MJ perdeu lentamente o pai, primeiro para o Alzheimer e depois para o cancro.

Hookworms (© Hollie Fernando)

O que poderia ter sido uma série trágica de eventos capaz de pôr fim à banda tornou-se, contudo, uma oportunidade de revitalização: “Quando a inundação se deu, estávamos a fazer tudo constantemente há tanto tempo que o dávamos quase por adquirido. Foi bom ter o espaço para tomar consciência de que queríamos continuar e atirarmo-nos de novo à banda sem qualquer outra razão que não fosse o gosto por ela.” (MJ) Neste intervalo forçado, os membros dos Hookworms envolveram-se em projectos electrónicos laterais, adquiriram novos instrumentos, alargaram as suas preferências musicais. Enquanto produtor, MJ teve de lidar com bandas mais pop, o que, tudo junto, levou ao amadurecimento da sonoridade da banda.

As canções dos Hookworms sempre se basearam num loop, repetido à exaustão. Mas este costumava ser formado pela linha de baixo. Em Microshift, foram motivos electrónicos a constituir o loop de partida para a subsequente tessitura das várias linhas sonoras. As canções são mais intrincadas, revelando uma composição cerebral no estúdio. As nuvens de drone e distorção quase desapareceram, evidenciando-se os ritmos motorik e as melodias dos sintetizadores, gerando um instrumental esquelético, cheio de “espaço negativo” e nitidez. A voz, mais melódica, vulnerável e a sobressair na mistura, levou MJ a elaborar as letras das canções, dando tempo à introspecção e lugar à sinceridade.

HOOKWORMS, MICROSHIFT | “NEGATIVE SPACE”

Como não podia deixar de ser, dado o contexto de Microshift, as letras vão reflectindo sobre como “não há nada de mal em ser frágil”. “Static Resistance” é uma angustiada meditação sobre o desejo e a depressão. Em “Ullswater”, MJ desabafa a dor de ver o pai a desaparecer na amnésia e na morte: “Um dia esquecerás / que eu sempre te amarei”. Tudo se resume, como canta em “Opener”, à contradição de “estou sempre à procura de uma maneira de alcançar/ enquanto sonho com uma maneira de escapar”. Palavras que não fogem à dramaticidade da vida e contrabalançam o instrumental dançável, quase eufórico, num disco que é grande porque vive de tudo aquilo pelo qual podia não ter existido. A começar por “Static Resistance”, única canção que restou do malfadado EP e que agora brilha aqui em toda a sua glória.

HOOKWORMS, MICROSHIFT | “STATIC RESISTANCE”

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Hookworms, Microshift | em análise

Name: Microshift

Author: Hookworms

Genre: noise-rock, neo-psicadelismo, electro-pop

Date published: 2 de February de 2018

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  • Maria Pacheco de Amorim - 88
  • Rui Ribeiro - 85
87

Um resumo

Em Microshift, os Hookworms integram organicamente, nunca soando derivativos, a instrumentação electrónica. A propulsão krautrock que os caracteriza convive agora com compassos complexos e texturas claras e intrincadas, sem se perder nada da antiga força visceral e atmosfera emotiva. A voz de Matthew Johnson, antes obscurecida na mistura, é uma surpreendente revelação, mas a mudança macroscópica é mesmo o uso da nova sonoridade para compor canções pop. Com ela, os Hookworms provam conseguir fazer o que muitos somente alegam que fariam se quisessem.

Incontornáveis: “Negative Space”,”Ullswater”, “Opener”

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