Infiltrado, em análise

Bryan Cranston interpreta, em Infiltrado, um homem que, nos anos 80, se infiltrou no mundo dos cartéis de droga americanos e contribuiu para uma das maiores vitórias de sempre na guerra contra as drogas.

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Infiltrado afirma-se logo no seu primeiro minuto como mais um ponto, numa lista, cada vez maior, de projetos cujos realizadores parecem estar sobre a ilusão que a chave para criar um bom filme sobre criminosos é estudar e copiar indiscriminadamente o trabalho de Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. A câmara segue as costas da personagem principal à medida que ela se movimenta por um ambiente cheio de luz, cor e vício, enquanto, na banda-sonora, ressoam os ritmos de pop rock dos anos 80. É difícil não pensarmos logo em Tudo Bons Rapazes e este é apenas um momento entre muitos, incluindo uma descarada referência ao Padrinho Parte II e seu beijo entre irmãos, um traído e um traidor assustado.

Em resumo, Infiltrado pode ser muita coisa, mas está longe de ser um filme original, inovador ou surpreendente. No entanto, isso não implica necessariamente um nível imperdoável de mediocridade, nem mesmo o tipo de pastiche incompetente de outros projetos semelhantes como Black Mass do ano passado. Na verdade, sob a astuta direção de Brad Furman e uma grande prestação de Bryan Cranston, a história verídica de como Brad Mazur se infiltrou no mundo dos cartéis de droga, ganhou a confiança de alguns dos associados de Pablo Escobar e os trouxe, a eles e aos bancos que com eles colaboravam, à justiça, é contada com um inesperado nível de sofisticação, sagacidade e genuína adrenalina.

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A uma primeira análise muito superficial é certo que o estilo de Furman poderia ser ingratamente descrito como uma versão de dieta do musculoso formalismo de Martin Scorsese, mas, na cópia, Furman encontra algo que perfeitamente se adequa à sua narrativa. Por exemplo, em mais do que uma cena, as personagens fazem referência a filmes de gangsters, e um dos encontros mais importantes entre duas personagens ocorre dentro de um enorme cinema a passar clássicos a preto-e-branco. Noutras palavras, esta não é uma obra desprovida de algumas insinuações de metacinema e a carga concetual que com elas vem.

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Quando copia os planos sequência de Scorsese, a direção de atores de Coppola ou mesmo os esquemas cromáticos de Oliver Stone, Furman não está somente a imitar, mas sim a construir uma colagem de referências. Do mesmo modo, Brad Mazur utiliza a sua observação e conhecimento de cultura pop para se tornar numa figura amistosa e de confiança para os criminosos. Noutra medida ainda, os próprios criminosos usam os filmes como inspiração para a sua vida e estilo (como aconteceu na realidade histórica) o que se estende aos próprios espaços que habitam, como a casa de um “amigo” de Mazur que parece ter saído de uma cena cortada de Scarface.

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É evidente, no entanto, que Infiltrado não é nenhum revivalismo mainstream da Nouvelle Vague e que o interesse de Brad Furman não é construir um inteligente puzzle teórico, mas sim contar a emocionante história de um homem a perder-se nas mentiras inerentes ao seu trabalho. Nesse aspeto, o realizador deve muito ao maravilhoso Bryan Cranston, que tem aqui o seu melhor papel de sempre em cinema. O ator, que é um especialista em criar camadas de dissimulação e astuta falsidade nas suas prestações mas que corre sempre o perigo de cair em truques manientos, tem aqui o papel perfeito para mostrar os seus maiores talentos e esconder as fragilidades do costume. Nas suas mãos, Mazur é um ator em aprendizagem que lentamente se vai sentindo cada vez mais confortável em improvisar e encarnar o seu papel com tal naturalidade que as separações entre real e irreal se tornam perigosamente ténues.

Mas não é apenas no seu cuidado trabalho que assenta o sucesso da narrativa de Infiltrado, pois todos os atores do filme se mostram adeptos deste peculiar registo entre o real e a teatralidade vistosa. Do lado da lei, Olympia Dukakis, por exemplo, rouba o holofote sempre que aparece cheia de trejeitos tirados diretamente de um filme de gangsters dos anos 40; Amy Ryan é uma presença de oportunista severidade; John Leguizamo é um perfeito turbilhão de imprevisibilidade volátil e uma necessária vulnerabilidade; enquanto, no papel da mulher de Mazur, Juliet Aubrey ancora as cenas domésticas com modesta integridade emocional. Do outro lado do espectro de legalidade e moral, Benjamin Bratt é uma figura tão calorosa que, tal como Mazur, a audiência tem dificuldade em não se afeiçoar à sua carismática pessoa.

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Do elenco principal falta apenas falar de uma pessoa e ela é precisamente a única presença humana em cena que é capaz de rivalizar com a mestria espampanante de Cranston. Referimo-nos, pois claro, a Diane Kruger no papel de Kathey Ertz, a agente que se infiltrou ao lado de Mazur sob o disfarce da sua sedutora noiva. Tão capaz de sombrear a sua prestação com os vários níveis de performance como Cranston, Kruger vai um passo mais longe, imbuindo as suas cenas com uma tensão sufocante. Essa tensão expressa-se nos duetos de desesperada improvisação entre Ertz e Mazur, mas também na aura de tragédia que consome os dois agentes quando se começam a aperceber que, no final, vão ter de trair as pessoas com quem inadvertidamente, travaram genuínos laços afetivos.

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O clímax de Infiltrado, passado num casamento cheio de câmaras e pessoas a interpretar papéis fictícios, é o cúmulo desse conceito da performance enquanto trabalho policial e leva todas as escolhas estilísticas do filme aos seus extremos. Quer seja a fotografia, que vai variando de cena para cena, sugerindo um mundo artificial, volátil e feio, ou o design recheado de ostentação ordinária, o realizador rende-se por completo à teatralidade inerente à narrativa. Ao mesmo tempo, Kruger e Cranston usam todas as oportunidades para sublinharem que, no meio deste circo, existe também espaço para a tragédia humana e que, não obstante toda a artimanha e subterfúgio, muitas pessoas se sacrificaram, traíram e mentiram para se chegar ao tipo de triunfante final que encerra este sólido, mas pouco original, docudrama criminal.

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O MELHOR: Do lado narrativo e humano, a química não-sexual de Kruger e Cranston é espantosa. De um ponto de vista mais formalístico, a fotografia ensandecida de Joshua Reis é o perfeito exemplo de como, ocasionalmente, produzir imagens feias e desarmoniosas é um bom trabalho de fotografia para cinema.

O PIOR: A falta de originalidade, como é óbvio, mas, acima de tudo, o modo como o filme se prejudica ao centrar-se exclusivamente na experiência individual de Mazur. Em cenas onde vemos a equipa de investigadores trabalhar em conjunto, vislumbramos uma narrativa coletiva, à la David Fincher, que poderia ter sido infinitamente mais gratificante e surpreendente que a versão final de Infiltrado.



Título Original:
 The Infiltrator
Realizador: Brad Furman
Elenco:
 Bryan Cranston, Diane Kruger, John Leguizamo, Jason Isaacs, Benjamin Bratt

NOS | Drama, Crime, Biografia | 2016 | 127 min

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