Ninfomaníaca – Vol. 2, em análise
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Insensibilidade.
Joe ausenta-se desta forma do primeiro volume. E se achamos que estas duas horas de filme nos fizeram mergulhar na lama do vício – embora ainda misturado, ou disfarçado, se quisermos, pela rebeldia da adolescência e juventude -, o seguimento da aposta de Lars von Trier corta qualquer eventual expectativa de homogeneidade.
Distingamos duas idades: a da infância e a adulta.
Joe, de pijama e bebendo um chá com leite – sinais de conforto e de um corpo agora resguardado ‘versus’ exposição e prazer tortuoso do passado – esgotou cada um dos primeiros capítulos da sua inicial depravação. Desde a descoberta precoce e atípica da sexualidade até ao ‘split screen’ que conecta fauna, Bach, sexo e amor (mas não é von Trier que nos recomenda que o esqueçamos?), passando pela invocação do afecto paternal e a destruição de relações alheias, o realizador conduziu-nos, num primeiro momento, pela infância de uma sex addict (“sex addict…we say sex addict”).
Na idade adulta, von Trier não nos deixa respirar. E não é que o sexo explícito seja abusivo; pelo contrário, comparativamente ao primeiro volume. E há espaço e tempo para apontamentos de humor. É o ambiente que é pesado, perturbador e desconfortável. E é essa falta de ar que se sente. O oxigénio das sensações agradáveis que algumas vezes nos invadem na primeira metade desaparece. Não haja ilusões. O segundo volume é desprovido destes devaneios.
K. (Jamie Bell), intransigente e implacável, representa o mundo do sadomasoquismo a um nível de extrema violência, desesperadamente procurado por Joe, e sobrevalorizado em detrimento do bem mais precioso. O menino, numa óbvia referência a “Antichrist”, diz-nos que as dependências têm tanta força que nos puxam, frequentemente de forma irreversível, destruindo o aparentemente indestrutível.
Jerôme (Shia LaBeouf) é o antagonista do vício. Se há alguém apto a poder desatar nós – nós que ela própria aprende a dar -, é Jerôme. Não obstante, o delírio, a patologia e o desejo tornam-na insensível a afectos e regras criadas pela sociedade.
E se no âmago do que não é social e legalmente aceite, e à margem do que é partilhado pela maioria, conseguirmos conciliar insanidade e estabilidade financeira que nos permitam ir sobrevivendo? L. (Willem Dafoe) reflecte a falta de escrúpulos imprescindível à aceitação do ‘eu’. Pois uma eventual reabilitação significará não amar os seus impulsos e pecados, a sua natureza predadora.
P. (Mia Goth) simboliza a tentativa de uma passagem de testemunho, muito embora a sua génese seja outra. Não há comparação possível entre os dois elementos femininos. Com efeito, uma ambicionará mais do pôr-do-sol; a outra nunca o terá visto. Tratam-se, pura e simplesmente, de campeonatos distintos.
Colocando-me ao lado de um Seligman (Stellan Skarsgård) perdido nas divagações metafóricas, é como se o céu cinzento e inundado de nuvens, na iminência de descarregar chuvas e tornados; os trovões impedidos de se manifestar em toda a sua brutalidade, tivessem estado presentes, mas só em potência, nos primeiros capítulos. Nas restantes divisões, as chibatadas dos fortes temporais dominam o argumento e já não há lugar para o prazer. Já só há lugar à dor, ao vício, à opção.
Fazendo agora menção à ‘visão-floresta’ a que me refiro na análise de “Nymphomaniac – vol. 1”, pese embora a excentricidade característica de algumas cenas, a obra de von Trier é fiel ao que entendemos por dependência, seja ela qual for. Uns por ouvir dizer, outros por experiência própria.
E é o mote que me fascina. “Forget About Love” não nos sugere (só) que nos desliguemos do amor e só nos entreguemos à relação física. von Trier transmite mais. Constata que, numa dependência, quase nunca o amor pode salvar.
“All the greatest men are maniacs. They are possessed by a mania which drives them forward towards thier goal. The great scientists, the philosophers, the religious leaders – all maniacs. What else but a blind singlenee of purpose could have given focus to their genius, would have kept them in the groove of purpose. Mania … is as priceless as genius.”
Ian Fleming, “Doctor No”