Upside down cuppa coffee

Upside down cuppa coffee, uma teia de relações

“Upside down cuppa coffee”, a primeira produção da companhia teatroàfaca, traz ao palco da Comuna-Teatro de Pesquisa uma extraordinária peça de narrativas alternadas com constantes saltos temporais.

À porta é distribuído um cartão colorido por cada espectador e explicado que representa um café que poderemos beber mais tarde. Sorrindo, o público entra atrás da anfitriã e é conduzido até um bonito e simples espaço cénico: espalhadas pelo palco estão cadeiras brancas em número suficiente para acolher todos os presentes; há pequenas mesas de apoio com candeeiros dispersos pelo palanque; algumas lâmpadas de filamentos pendem do teto e uma mesa com duas máquinas de café delimita um dos lados do espaço. O público esquece a existência da plateia, instala-se no palco e ouve algumas indicações. Não, afinal não são indicações. Um manifesto talvez?

“Isto é tudo absolutamente real, é a sério, mas nada disto aconteceu realmente, ok? Eu garanto-vos […] Vocês vão sair como entraram […] O tempo não existe, só a pausa.”

Não, já é o próprio texto dramático. “Upside down cuppa coffee” começou a partir do momento em que fomos recebidos e resulta numa peça que nos envolve de corpo e alma, esbatendo a barreira entre teatro e uma simples conversa de café. Culmina numa obra complexa e intricada sobre si mesma, baseada em saltos temporais e com narrativas individuais separadas por capítulos. As diferentes personagens, que adquirem o nome do ator que lhes dá vida, refletem em voz alta acerca do seu passado. São os protagonistas das suas próprias histórias mas fazem parte de uma diegese maior que eles próprios: cada um é membro integrante de uma narrativa global e transversal a todas as outras personas em palco.
A cada espectador é dada uma atenção desmesurada, sem que o espaço individual seja invadido: as personagens contam-lhes a sua história, olham-nos nos olhos e descrevem o seu passado próximo enquanto o analisam. Buscam a aprovação do público aquando da sucessão de etapas do seu raciocínio lógico numa procura de distanciamento entre a realidade e a ficção. Ao mesmo tempo, o espectador faz o mesmo, procurando descortinar o discurso proferido pelos atores e unir todas as peças do puzzle.

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Cada personagem não vê, não ouve, nem sente a presença das outras. Apesar de todas se encontrarem em cena em simultâneo, cada uma reflete individualmente acerca de peripécias pessoais. Ao espectador é progressivamente dado o poder de omnisciência, sendo o único que tem conhecimento suficiente para entender o modo como os passados se relacionam.
Saltos temporais são constantes e os passados comuns das personas interligam-se à medida que o discurso avança, sendo a viagem em cada narrativa movida pelo anúncio de início e fim de diferentes capítulos através de projeções vídeo. A atenção do espectador viaja de igual forma de uma persona para outra, sem haver falhas na construção de nenhuma delas ou na representação.

“Upside down cuppa coffee” contém personagens bem construídas, estruturadas dramaturgicamente de modo exímio e, acima de tudo, interpretadas de modo excepcional. Os atores têm uma performance extraordinária, com um controlo vocal e corporal que já dentro do teatro profissional é difícil de encontrar, resultando na construção em palco de imagens fortes (principalmente as desenhadas em palco por Júlia Valente).

Não tardamos a nos ver envolvidos em “Upside down cuppa coffe” e só nos distanciamos quando nos vemos obrigados a abandonar a sala. A peça termina e nem damos por isso, fomos tomados pelo ritmo da sequência narrativa e por todos os elementos cénicos que envolveram a encenação.

Os teatroàfaca são uma companhia de teatro sediada em Lisboa com o principal objectivo de promover e produzir a nova escrita e adaptação para teatro em português. De 25 a 28 de abril às 21h30 e dia 29 às 16h estarão na Comuna – Teatro de Pesquisa a apresentar “Upside down cuppa coffee“. Os bilhetes normais custam 7,5€, para profissionais do espectáculo, estudantes e sócios Gerador o preço é de 5€ e por 10€ o público ajuda a companhia.

Uma criação e direção de Afonso Molinar; interpretação de Filipa Correia, João Gaspar, Júlia Valente e Rodolfo Major; audiovisuais por Stella Krämer Horta e desenho de luz por Gonçalo Morais.

É de seguir de perto o trabalho desta inovadora nova companhia.

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