70º Festival de Cannes (Dia 10) | Depois de um Festival
A selecção oficial terminou com ‘D’Aprés Une Historie Vraie’, de Roman Polanski um filme fora de competição. No entanto terminada a competição oficial com os filmes de François Ozon, Fatih Akim e Lynne Ramsay, fica-se com uma certa sensação de frustração.
Por aqui corre uma certa unanimidade e desilusão relativamente à competição oficial desta edição comemorativa do 70º Festival de Cannes. As razões devem-se talvez a que muitos dos ausentes não tinham os seus filmes prontos e quem parece ir ganhar com isso vai ser a Mostra de Veneza, que se vai realizar entre 30 de Agosto e 9 de Setembro próximos. O cinema é como vinho há boas e más colheitas e a deste 70º Festival de Cannes foi talvez uma das piores dos últimos anos.
L’Amant Double, de François Ozon com Marine Vacht, Jéremie Rénier e um saudado regresso de Jacqueline Bisset, teve um acolhimento pouco entusiástico por parte da crítica. O último filme de François Ozon é um exercício de estilos com muitas referências cinematográficas que vão de Hitchcock a David Cronemberg, que não passa de uma falsa e insegura tentativa de manipulação do espectador, sem nexo e sem coerência narrativa. Plasticamente é muito bonito — quem tem Vacht ao seu dispor tem tudo — este drama psicológico que coloca em cena e à beira do abismo uma jovem mulher muito perturbada com um passado e uma história de amor muito complicada, atraída por dois gémeos psicoterapeutas. L’ Amant Double entra numa espiral vertiginosa de acontecimentos em que o jogo de virtuosismos do realizador são marcados pelos códigos de uma falsa psicanálise.
VÊ TRAILER DE ‘L’AMANT DOUBLE’
Já quanto a In the Fade, do alemão de origem turca Fatih Akim, protagonizado por Diane Kruger as coisas passam-se um bocadinho melhor com um filme uma história de vingança que tem como pano de fundo o terrorismo mas curiosamente desta vez não do lado muçulmano.
Fatia Akim assina em In the Fade, um bom thriller, baseado num bom argumento — pode até valer um prémio nesta categoria — situado na comunidade turca de Hamburgo, que conta a história de uma mulher alemã (Kruger, que curiosamente apesar de uma longa carreira de actriz, este é o seu primeiro papel no seu país natal), perdeu o marido (Numan Acar), de origem turca e o filho num atentado terrorista, perpetuado pela extrema direita alemão. Sem que a justiça faça justiça vai fazê-la ela pelas suas próprias mãos. É curioso sobretudo no filme ver como a justiça os seus preconceitos e como os movimentos radicais na Alemanha e na Grécia não estão mais nas mãos de bandos organizados de cabeças rapadas, mas antes minados de intelectuais.
VÊ TRAILER DE ‘IN THE FADE’
A competição não podia terminar da pior maneira com You Were Never Really Here, da escocesa Lynne Ramsay (We Need to Talk About Kevin), um filme mau e sem qualidade para estar nesta competição. Foi um fecho de facto em grande desilusão.
VÊ TRAILER DE ‘YOU WERE NEVER REALLY HERE’
O filme conta a história de ex-marine traumatizado por uma infância de violência e depois da Guerra do Iraque, que se vê confrontado em libertar uma adolescente das garras de uma poderosa rede de prostituição infantil.
Um tema que remete imediatamente para Taxi Driver (1976), de Martin Scorcese e Hardcore (1979), de Paul Schrader, num papel bem à medida de Joaquin Phoenix, que tenta a todo o custo dar dignidade a uma composição de personagem com o ele gosta e se sente mais à vontade. Em tudo é que o filme não ajuda.
E efectivamente a selecção oficial, essa em geral, fechou menos mal, mas sem grande entusiasmo com D’Aprés Une Historie Vraie, de Roman Polanski, um thriller escrito por ele próprio e com Oliver Assayas, baseado no romance A Partir de Uma História Verdadeira, de Delphine de Vigan (Quetzal Editores), e que parece roçar mesmo uma situação autobiográfica da autora.
ENTREVISTAS COM A EQUIPA DE ‘D’APRÉS UNE HISTORIE VRAIE’
O cineasta polaco regressa com competência a dois temas que lhe são caros e que mais gosta: o universo da literatura e o universo feminino. Eva Green e Emmanuele Seigner interpretam uma amizade tóxica que pode levar ao abismo a segunda uma escritora célebre à procura de uma história para o seu novo romance. O filme é num fundo uma história perversa sobre um processo de criação literária.
JVM