72º Festival de Cannes | Os Zombies Não Morrem
O norte-americano Jim Jarmusch abriu a competição com ‘The Dead Don’t Die’, uma excêntrica comédia negra que é uma metáfora sobre o consumismo e o mundo de hoje, onde afinal às vezes parecemos todos zombies. Mas nada de novo….
Mortos-vivos na abertura? Sim, mas não é razão para entrar em pânico ou afinal ser uma raridade, já que para além ‘The Dead Don’t Die’ ser pouco assustador, a passadeira vermelha esteve bem viva e luminosa com estrelas como Javier Bardem e Charlotte Gainsbourgh que, no palco do Grande Auditório Lumière, abriram oficialmente o 72º Festival de Cannes; além de na plateia estarem também Chloë Sevigny, Adam Driver, Tilda Swinton, Bill Murray, e Selena Gomez as estrelas de ‘The Dead Don’t Die’, acompanhadas do realizador. Certamente realizador e actores, devem ter-se divertido imenso (até deu direito a certo estilo de improvisação) com este ‘The Dead Don’t Die’, uma variação sobre o género gore e de filmes de zombies; e Jim Jarmusch assinou um filme que não sendo uma obra-prima ou novidade é interessante e muito peculiar.
VÊ TRAILER DE ‘THE DEAD DON’T DIE’
‘The Dead Don’t Die’, passa-se num mundo à beira do abismo — por causa das perfurações nos polos em busca de novas fontes de energia, a Terra sai do seu eixo de rotação — onde os homens há muito perderam a alma por causa dos lucros e da ganância. E nós vamos olhar para Centerville, uma pequena cidade sem história no interior dos EUA, com casas bem arranjadas, mas todas iguais, rodeadas da floresta, com o seu ‘dinner’, onde se reunem todos para intrigar, e um posto da polícia, onde a habitual tranquilidade é perturbada pelo suposto roubo de galinhas feito pelo anti-social Hermit Bob, protagonizado pelo actor-cantor Tom Waits — aliás habitual colaborador de Jim Jarmusch em outros filmes, tanto como Adam Driver, Tilda Swinton, Bill Murray e agora com a outra estrela da pop, Iggy Pop.
Observador atento da natureza e do mundo a que não quer pertencer Hermit Bob vai detetando algumas anomalias: a claridade do dia não termina, pássaros e formigas agitados e o tempo que parece parar, aliás como os relógios e equipamentos electrónicos dos polícias. E rapidamente com o aproximar do dia longo, as ‘vibrações tóxicas lunares’, vão fazer sair das tumbas os mortos transformando-os em zombies. Além de contagiosos e obcecados pela carne humana, estes zombies têm a particularidade de serem viciados em tudo quanto é moda: wi-fi, vinho chardonnay, cafeína, bricolage, etc. Resumindo são uns zombies obcecados sobretudo por um materialismo fanático e por preocupações fúteis e consumistas, que fazem deles uns perfeitos alienados, antes mesmo de serem mortos-vivos.
‘The Dead Don’t Die’, é assim uma divertida mas inconsequente variação crítica sobre a nossa condição pós (pós)-moderna, que está perfeitamente inscrita na tradição dos filmes de George A. Romero (‘A Noite dos Mortos Vivos, 1968) ou na obra de John Carpenter. Mas tem qualquer coisa de deslocado, de um humor negro único e principalmente a graça de estar cheio de piscadelas de olho às cinematografias de série B. E por isso há também qualquer coisa dos filmes de Quentin Tarantino, sobretudo na excêntrica personagem de Tilda Swinton, que faz lembrar Uma Thurman em ‘Kill Bill’. Ou não fosse mesmo Tarantino influenciado pelos ‘mestres’ anteriores. Resumindo com ‘The Dead Don’t Die’, 0 72º Festival de Cannes teve uma abertura elegante, mas morna que não vai fazer grande história.
José Vieira Mendes