'Asteroid City'/©Pop. 87 Productions/Focus Features

76º Festival de Cannes | O Asteróide de Wes Anderson

A apresentação de ‘Asteroid City’ na Competição de Cannes 76, era decisiva para Wes Anderson se consagrar definitivamente, como um cineasta-autor que consegue chegar a todas as franjas de público e agradar à crítica. Este seu último filme é mais uma fantasia alucinada e artificial, feita de quadros de um humor muito particular, com muitas estrelas à mistura. 

O reconhecido e aclamado por muitos — começo por dizer que não é definitivamente o meu caso —  pelo seu estilo inimitável, o texano francófono, que anseia por agradar à crítica europeia, construiu uma obra singular e extravagante, apesar da resistência de alguns. E goste-se ou não, o visual dos seus filmes é único e o seu sucesso em determinada crítica e no público não tem parado de crescer, pelo menos desde o seu último ‘Crónicas de França’ (‘The French Dispatch’), estreado em 2021 e bastante acarinhado pela crítica francesa. Porém, esta sua última fantasia ‘Asteroid City’ teve uma recepção bastante fria aqui na Competição de Cannes, quando estamos a aproximarmo-nos do fim do Festival. Era mais ou menos esperado que ‘Asteroid City’ recuperasse as extravagâncias do seu trabalho anterior, quanto mais não fosse para agradar aos espectadores europeus. O filme leva o espectador a uma cidade imaginária perdida no meio do deserto americano. Conhecida pela sua cratera onde caiu um meteorito do céu, a pequena cidade recebe uma série de protagonistas, muitos dos quais vêm para assistir a uma cerimónia de entrega de prémios a jovens astrónomos. Mas um outro evento vindo céu vai abalar rapidamente a convenção, forçando o governo a colocar a cidade em quarentena. A comunidade terá então que conviver pacientemente com a situação e forjar laços nesta terra de ninguém.

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asteroid city
“Asteroid City” | ©Pop. 87 Productions/Focus Features

Efectivamente, ‘Asteroid City’ não apresenta nenhuma reviravolta estilística na carreira de Wes Anderson. Diria que se mantem os irritantes elementos formais característicos do seu cinema de autor: obsessão doentia pela simetria dos planos ou melhor ‘quadros’, um fotografia vintage, anos 50, do tempo do Cinemascope, um grande elenco de estrelas — é mesmo para dizer, quem não entra nos filmes de Wes Andersson? — abundância de diálogos declamados a um ritmo tão excêntrico quanto preciso e rápido. Anderson continua a operar no seu terreno familiar. Mas temos que reconhecer (mais uma vez) a sua perfeição técnica. Porém, Wes Anderson parece ser o único mestre a bordo do seu enorme navio, divertindo-se como um pequeno louco, criando um universo homogéneo e coerente consigo próprio, com uma atenção cada vez mais louca aos detalhes que transparecem em cada fotograma dos seus filmes. Todos os outros, incluindo os actores, às vezes não devem saber muito bem o que andam para ali a fazer?

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VÊ TRAILER DE ‘ASTEROID CITY’

Contudo ‘Asteroid City’ era uma questão de afirmação ou mais uma prova de que o cineasta já não tem muito mais para nos contar e tornou-se prisioneiro do seu próprio universo? A resposta não é assim tão óbvia. Se ‘Crónicas de França’, sofria de uma abordagem teórica que sistematicamente colocava as emoções de fora, o mesmo não acontece com ‘Asteroid City’. Nunca o cineasta pareceu abrir-se tanto sobre sua condição de artista quanto neste seu último filme. Com uma história que seria criminoso contar muito mais além do que foi dito aqui, Anderson parece lidar de frente com os seus medos, os limites da sua arte e, por fim, oferece-nos uma reflexão de grande melancolia sobre as suas angústias de criação e afirmação como cineasta-autor ainda relativamente jovem. Isso obviamente passa pela jornada emocional das suas personagens, todos admiravelmente caracterizados e muito bem (pudera!) interpretados: além de alguns dos seus habitues como Jason Schwartzman, ainda Tilda Swinton, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Bryan Cranston, Margot Robbie, Steve Carrel, Adrian Brody, Edward Norton… O cinema de Anderson encontrou neste ‘Asteroid City’, uma força que tem faltado nos seus últimos filmes, passando até alguma emoção para os espectadores em vez de uma sucessão de bonecada. Sob seu habitual ar de pequeno, leve e artificial teatro de marionetes. ou vinhetas de banda desenhada todas encadeadas, ‘Asteroid City’, esconde uma proposta mais torturada e desiludida, do que à primeira vista pode parecer, olhando-o como uma comédia. É um filme sobre o luto, uma história de amor impossível ou incompreendida numa sociedade muito conservadora e, mais, sobre o medo do vazio e outras angústias e preocupações humanas bem reais: a existência ou não de vida em outros planetas ou a eminente ameaça nuclear, que nos persegue desde os anos 50 do século passado. Wes Anderson ousa desta vez casar todas essas complexas questões existenciais, com a artificialidade dos efeitos pictóricos e plásticos, que domina como ninguém. O resultado é tão engraçado quanto cruel, tão profundo quanto divertido e tão íntimo quanto universal. Mas não é nenhuma maravilha de filme. Pelo contrário. É preciso voltar a Moonrise Kingdom’, onze anos atrás, para atribuir esse adjetivo a um filme de Wes Anderson.

JVM

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