JEUNESSE (LE PRINTEMPS) © Gladys Glover - House on Fire - CS Production - ARTE France Cinéma - Les Films Fauves - Volya Films.

76º Festival de Cannes | Wang Bing e a Barbuda

O cineasta chinês Wang Bing, pela primeira vez na competição de Cannes 76, estreou ‘Youth (Spring)’, um excelente documentário sobre a juventude e o mercado de trabalho, no contexto do capitalismo chinês. A francesa Stéphanie di Giusto apresentou na Un Certain Regard, um magnífico ‘Rosalie’, um filme sobre a intimidade de uma mulher com barba, protagonizado por Nadia Tereszkiewicz e Benoît Magimel.

Depois ‘Dead Souls’ (2018), que recolheu os testemunhos dos sobreviventes do campo de trabalhos forçados no deserto de Gobi em Gansu, na China, o cineasta japonês Wang Bing, continua na senda de mostrar os problemas e as profundas mudanças do comunismo, para a versão chinesa do capitalismo moderno. Por isso, trouxe à Competição este ‘Youth (Spring)’, sendo que é a primeira vez que cá está no Festival de Cannes e logo em duplicado, já que fora de concurso mostrará também ‘Man in Black’, um filme curto, de uma hora, na mesma sessão que ‘As Filhas do Fogo’, de Pedro Costa. ‘Youth (Spring)’ é um filme belíssimo de 3h32, que mistura as mudanças da estação do ano,— que decerto modo também acompanham a modo no vestuário — com um retrato minucioso sobre o mercado de trabalho e as possibilidades de acesso de uma juventude cada vez mais orientada para conseguir, melhores condições de vida que a dos seus antecessores. Porém, há sempre o outro reverso da medalha e as respectivas disfunções. O tema da juventude e as suas dificuldades de acesso ao mercado de trabalho é aliás um tema universal, bastante explorado, pelos políticos populistas dos países ocidentais e neste sentido o cineasta faz também a sua observação no contexto de uma China em profunda aceleração económica e disruptiva. Como a paciência é um características dos chineses e do cinema de Wang Bing, durante cerca de cinco anos — entre 2014 e 2019 — o cineasta predispôs-se a filmar pausadamente e como se a(s) câmara(s), não estivessem lá, os protagonistas reais deste filme observacional e rigoroso: os trabalhadores na sua maioria jovens na casa dos 20 anos, que vêm de todo o país à procura de emprego numa das 18 mil pequenas unidades de produção de indústria têxtil e vestuário, localizadas na província de Zhilie no norte da China. Local, onde chegam mais de 300 mil trabalhadores migrantes, que aceitam um trabalho mecânico, repetitivo e mal remunerado, sem quaisquer regalias e com horários de trabalho de escravo, que passam inclusive por turnos durante a noite, para produzir cada vez mais vestuário para o mercado interno e para exportação. O filme chama-se ‘Youth (Spring)’, mas começa no Inverno e vai acabar na Primavera, quando aquecem demais os apertados dormitórios temporários, anexos às pequenas unidades fabris. onde rapazes e raparigas, comem, dormem, lavam a sua roupa, sem qualquer tipo de intimidade; e onde fazem também contas à vida nas suas curtas pausas para descansar, depois dos seus longos turnos de trabalho, agarrados à maquina de costura e às suas tarefas repetitivas. ‘Youth (Spring)’ regista a chegada da Primavera, mas decerto com tanto tanto tempo de filmagens, vamos ter cenas para novos capítulos, até às próximas estações do ano. Não percam este ‘Youth (Spring)’, apesar da longa duração e lembrem-se dele, quando forem comprar alguma coisa a uma ‘loja do chinês’!

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VÊ TRAILER DE ‘YOUTH(SPRING)

Depois de ‘La Danseuse’ (2016), a realizadora francesa Stéphanie di Giusto apresentou  no Un Certain Regard, este ‘Rosalie’ um filme inspirado em factos verídicos sobre uma  mulher diferente das outras e que escondia um segredo, na França rural de 1870. ‘Rosalie’ é livremente inspirado na figura de Clémentine Delait (1865-1939), uma famosa barbuda da aldeia francesa de Thaon-les-Vosges, que com uma barba de 35 cm, vendia postais com a sua imagem provocadora, no seu café. Stéphanie Di Giusto teve acesso a estas fotografias-postais e viu nelas uma história inspiradora de uma mulher que quis afirmar a sua singular feminilidade e teve a coragem de enfrentar os preconceitos da sua época, em vez de se tornar uma vítima. Por causa de uma qualquer disfunção hormonal, Rosalie (Nadia Tereszkiewicz), tinha o rosto e o corpo coberto de pelos. Porém, nunca quis tornar-se um fenómeno de feira e queria ter uma vida normal de mulher casada, com filhos. Porém, por medo de ser rejeitada, viu-se obrigada barbear-se, até ao dia em que Abel (Benoît Magimel), um endividado dono de um café, aceita casar-se com ela por causa do seu dote, mas sem saber do seu segredo. Mas Rosalie, quer ser vista como mulher completa, apesar da sua diferença, não quer esconder mais o seu segredo. Por sua vez Abel tem dificuldade em amá-la, após descobri a verdade. O filme de Stéphanie di Giusto é uma história muito romântica e sensível que vai evoluindo à medida que avança na narrativa transformando-se num verdadeiro manifesto contra a intolerância, pelo direito à diferença e aceitação do outro. No elenco além de Nadia Tereszkiewicz e Benoît Magimel como protagonista, que conseguem criar uma clima de incerteza quanto aos seus sentimentos, no elenco constam também Benjamin Biolay, Gustave Kervern, Guillaume Gouix e Juliette Armanet.

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Festival de Cannes 2023
‘Rosalie’/©Festival de Cannes

‘Black Flies’, do francês Jean-Stéphane Sauvaire — foi assistente de realização de Gaspar Noé e do falecido Cyril Collard (1953-1993) — o que diz logo muito sobre o estilo, é a primeira grande desilusão desta Cannes 76. O realizador francês que vive actualmente no EUA, fez uma com uma ‘câmara vertiginosa’, uma má réplica de ‘Por um Fio’, de Martin Scorsese, o filme das ambulâncias e dos paramédicos interpretados neste filme por Sean Penn e Tye Sheridan, que parecem de uma forma bastante irritante querem salvar o mundo de todos os acidentes e desgraças. 

JVM

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