© Via Biennale di Veneza

80º Festival de Veneza | Como um ‘Comandante’ pode começar a salvar um Festival?

O filme italiano ‘Comandante’, de Edoardo De Angelis, abre hoje o Festival e a Competição de Veneza 80. Trata-se de um grande filme de guerra e não apenas uma substituição de recurso, causada pela greve dos actores e argumentistas de Hollywood, que quase pôs em causa esta edição redonda, que termina a 9 de Setembro.

É ao final da tarde de hoje, 30 de agosto que o júri presidido pelo cineasta Damien Chazelle (‘La La Land’), começa o seu trabalho de avaliação da Competição de Veneza 80, que para nós jornalistas iniciou já esta manhã com a exibição de ‘Comandante’, do italiano Edoardo De Angelis, um filme espantoso, marcado pela expressividade do rosto do grande actor Pierfrancesco Favino (‘Nostalgia’). 

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Por causa da greve dos actores e argumentistas de Hollywood, Alberto Barbera, o Director Artístico, da Mostra de Veneza, não ganhou para o susto, pois corria o risco de não ter alguns filmes, nem os seus talentos; e foi mesmo obrigado a substituir o filme de abertura ‘Challengers’, de Luca Guadagnino, com Zendaya como cabeça de cartaz, por ‘Comandante’, de  Edoardo De Angelis. E parece que, para já, não ficou nada a perder!




Apesar deste percalço de última hora, e ao que parece ultrapassados os efeitos directos dos grevistas — quem levantam diga-se justas e oportunas reivindicações —, esta 80ª edição do festival (30 de agosto a 9 de setembro) vai conseguir apresentar uma notável selecção de filmes e talentos, que mistura várias gerações de cineastas, incluindo Ryusuke Hamaguchi, Agnieszka Holland, David Fincher, Sofia Coppola e muitos mais. 

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VÊ TRAILER DE ‘COMANDANTE’

Aliviado parece estar Alberto Barbera que dizia hoje à CIAK que esta vai ser sem dúvida — já estamos habituados a isso em anos anteriores — uma selecção cheia de surpresas: ‘Estou muito satisfeito com o nível de qualidade e diversidade dos filmes que vão ser apresentados no Festival, e também convencido de que quem vai surpreender, a par dos mestres, serão os realizadores de uma nova geração, capazes de oferecer surpresas, em alguns casos, até extraordinário’. Esperemos, mas à partida tudo leva a crer pela expectativa, que Barbera tem razão para estar contente!




Para já foi naquela espectacular e única — para contar aos netos — edição de Veneza 77, naquele que já parece longínquo ano de 2020, em plena pandemia de Covid-19, que ‘Laços de Família’, de Daniele Luchetti, um filme italiano foi uma espécie de recurso para abrir um Festival de máscara e com limitações sanitárias nas salas. ‘Comandante’, realizado por Edoardo De Angelis, um filme de prestígio e um verdadeiro blockbuster (15 milhões de euros de orçamento), um filme de produção italiana, volta a abrir a Mostra de Veneza 2023, aberta ao mundo, mas que começou bastante chuvosa e fria, ao contrario de anos anteriores. O protagonista é Pierfrancesco Favino, actualmente a grande estrela do cinema italiano e deste festival, já que o vamos encontrar igualmente em ‘Adagio’, de Stefano Sollima, outro filme da Competição de Veneza 80. 

Comandante
O Comandante Todaro, não é apenas um marinheiro-soldado, é sobretudo um ser humano. © Via Biennale di Venezia

Favino interpreta Salvatore Todaro, um comandante da Marinha Real Italiana, a quem foi confiado o submarino Cappellini, no início da II Guerra Mundial Guerra, do lado das tropas do Eixo, portanto dos fascistas. O filme conta a história real deste homem, considerado um homem de grande coragem e humanidade que era seguido incondicionalmente pela sua tripulação. Em outubro de 1940 Todaro, foi protagonista de um gesto destinado a entrar para a história da guerra. Enquanto navegava nas águas do Oceano Atlântico, — curiosamente entre a Madeira e os Açores — na escuridão da noite surgi-lhe a silhueta de um navio mercante, que viajava com as luzes apagadas: o Kabalo. O navio abriu fogo contra o submarino Cappellini, mas este saiu vitorioso da batalha, afundando a embarcação de bandeira belga, um país à partida neutral. Porém, Todaro, não é apenas um marinheiro-soldado, é sobretudo um ser humano com elevados valores e códigos de guerra, que o impedem de deixar morrer no mar, os 26 sobreviventes da tripulação inimiga. Embora com dificuldades para a sua própria tripulação, deixa embarcar no seu submarino os sobreviventes, para que estes pudessem desembarcar no porto neutral mais próximo (na ilha de Santa Maria nos Açores). 




Não podendo acolhê-los no convés inferior do submarino, porque não cabem, o Comandante Todaro, decide então viajar três dias e três noites à superfície, colocando os seus homens em risco, mas sempre consciente de ter tomado a decisão certa. O realizador em plena rodagem contou à CIAK: ‘Descobri esta história em 2018, quando o almirante Giovanni Pettorino, a contou durante as comemorações dos 123 anos da Guarda Costeira’. 

Comandante
O porão do submarino não chega para tripulação e sobreviventes. © Via Biennale di Venezia

O argumento escreveu-o em parceria com Sandro Veronesi: ‘Tivemos acesso ao arquivo da família Todaro, que contém as cartas à sua esposa Rina, graças às quais conseguimos reconstituir o pensamento do Comandante, que não era propriamente um pacifista, mas antes um soldado convencido da sua missão, o que não o impediu de ter consciência, do que significava ter humanidade no mar e respeito pelo inimigo indefeso’.

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É a terceira vez que Edoardo De Angelis, apresenta os seus filmes na Mostra de Veneza [‘Perez’ (2014), fora de competição e ‘Indivisíveis’ (2018), na Giornate degli Autori), mas esta é a primeira vez que chega à Competição. Fazer este blockbuster de guerra é um desafio vencido e um marco na história do cinema italiano, mais apontado actualmente a questões e histórias políticas e sociais. 




Sem efeitos especiais espectaculares e num filme quase sempre assente no homem e na sua relação, com os outros homens, os seus e os sobreviventes, De Angelis constrói um filme que está ao nível dos melhores do género de Hollywood. Porém, o realizador pode contar com o brilhante Favino, um companheiro de aventura determinado a dar a Salvatore Todaro, o prestígio e o carisma devido a um personagem de tanta profundidade e realismo. O resultado é um grande filme que começa logo a salvar a Competição de Veneza 80 e que esperemos chegue em breve às salas de cinema. 

Liliana Cavani
Liliana Cavani, recebe o Leão de Ouro de Carreira. © Biennale di Venezia

Também hoje a veterana realizadora Liliana Cavani (90 anos) recebe o Leão de Ouro de Carreira e apresentou fora da competição ‘L’ Ordine del Tempo’, um filme inspirado no romance do físico Carlo Rovelli, com o mesmo título (distribuído em Portugal pela Objectiva) um ensaio sobre o que significa o fluxo do tempo ou por que nos lembramos do passado e não do futuro? O filme é centrado em 10 personagens (com destaque para as figuras de Alessandro Gassman e Angela Molina) que se juntam numa bela casa à beira-mar para comemorar o aniversário de uma delas, enquanto dois deles têm a informação privilegiada, mas angustiante de que um meteorito pode vir de encontro à Terra. Na cadeira à minha frente, estava sentada a assistir à sessão, a actriz Charlotte Rampling, que trabalhou com a realizadora em ‘O Porteiro da Noite’ (1974), e que vai logo entregar-lhe o prémio de carreira na Cerimónia de Abertura de Veneza 80.

JVM em Veneza

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