"Last Knights of the Right Side" | © FEST

FEST ’21 | Last Knights of the Right Side

Last Knights of the Right Side”, primeira longa-metragem de Michal Edelman, é um documentário polaco na senda do Lince de Ouro no FEST 2021.

Nos tempos que correm, extremismos da direita têm-se vindo a afirmar por todo o mapa Europeu. O que primeiro parecia ser um fenómeno mais sentido no Leste, depressa infetou todo o Continente. Os mais astutos e insidiosos têm até subido ao poder, mascarando sua ideologia de ódio através do eufemismo político, falando de economia e imigração quando realmente estão a promover o preconceito de raça, credo, a xenofobia e o exaltamento de valores retrógrados. Se, em Portugal, nos achávamos incólumes a tais movimentos, a ascensão do Chega veio por fim à ilusão.

Tal como muitos indivíduos que olham aterrorizados para estas validações do fascismo contemporâneo, o polaco Michal Edelman procurou perceber as origens do mal, pesquisando o que une todos esses extremistas e consolida sua ação. Seu objeto de estudo foi o ONR, o dito Campo do Radicalismo Nacionalista, que é das organizações de extrema-direita mais populares na Polónia. Mais especificamente, o realizador partiu à descoberta da fação que germinou em Lodz, terra em que estudou cinema. De facto, foi também na Escola de Cinema de Lodz que o pai do cineasta, Pawel Edelman, estudou a sua arte e daí partiu para uma carreira consagrada com a nomeação para os Óscares em 2002 pela fotografia de “O Pianista”.

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A juntar-se a essa vertente de herança pessoal na escolha de Lodz, também temos que mencionar que Edelman tem ascendência judaica, pondo-o numa clara oposição étnica contra as supremacias arianas defendidas pelo ONR. No entanto, longe de procurar a confrontação, “Last Knights of the Right Side” segue uma abordagem mais observacional que confunde apatia liberal com objetividade. Por exemplo, muita importância se dá aos antecedentes económicos que podem explicar a fragilidade de Lodz e sua predisposição a retóricas do ódio. Afinal, uma cidade industrial caída em obsolescência é terra de virulento desemprego e precariedade.

Não que a câmara de Edelman tenha muito interesse na generalidade de Lodz enquanto comunidade. Num gesto que tresanda miopia, o filme prefere encontrar conforto entre os ambientes domésticos do ONR, as casas dos seus membros e os laços de amizade que os unem. Entre interlúdios de ação manifestante, com muito enfase na luta fascista contra a comunidade LGBT+, “Last Knights of the Right Side” afigura-se um retrato amistoso destes homens. Sim, são quase todos homens, e a única mulher com direito à palavra faz seu testemunho com o namorado sentado ao lado, atentamente vigiando a companheira.

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Por um lado, há valor no modo como o filme permite aos seus sujeitos explicarem, por palavras suas e despidos de discurso público, o que os atraiu à ideologia fascista. Por outro, esse impulso apresenta-se aqui como algo incomum que necessita existir em prol do diálogo, mas a verdade nua e crua é que este tipo de exercício empático há muito se faz. Leitores de jornais internacionais já estão habituados a ler enchentes de perfis que se predispõem a compreender a extrema direita. O pior é que “Last Knights of the Right Side”, como a grande maioria desses artigos, não demonstra grande questionamento sobre os valores defendidos em entrevista.

Em suma, não há debate, e o pouco que vemos dos ativistas na oposição resume-se ao seu insulto sistemático e ataque por parte dos nossos queridos protagonistas. Muito ouvimos falar das razões para o ódio sem nunca interagirmos com as pessoas afetadas por ele. Essa insularidade pode refletir a perspetiva do ONR, mas não produz um documentário especialmente essencial ou sábio sobre seus temas. É uma estratégia de dissimulante radicalismo, cobrindo a criatura reacionária com a máscara do diálogo interpartidário. Só que aqui, diálogo é monólogo e a ideia centra parece ser que, por detrás da retórica vil, este é um grupo de amigos com crenças idílicas, quase inocentes, sobre Polónia etnograficamente uniforme.

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Onde está a voz dada às pessoas assediadas e protestadas por estes ditos ativistas? A intenção do documentário tem o seu valor político, mas a unilateralidade da sua perspetiva ora trespassa uma falha ética ou uma tentativa de se inocular contra a revulsa de audiências. A comunidade cuja celebração do Orgulho é invadida jamais tem hipótese de se defender. Na perspetiva do documentário, eles não são mais que abstrações vilificadas pela palavra dos protagonistas, seu ódio virulento. São pessoas normais e com quem é fácil simpatizar, ou assim parece que os filme nos quer convencer. Até a inclusão de crianças arrastadas para as manifestações sabe a humanização narrativa, mas tem um travo sinistro.

Isso é especialmente evidente quando o formalismo de “Last Knights of the Right Side” finalmente parece por travão na glória do ONR e questiona suas explicações através de meios não-verbais, mais viscerais que do intelecto. As doces notas musicais são sempre uma escolha meio aterradora para o documentário, sentimentalizando um discurso de ódio. Mas, num último interlúdio em ação nas ruas, o vermelho intenso das tochas dá ares infernais ao grupo. Aí, a melodia lentamente, torna-se numa batida amorfa, um rugido eletrónico que magoa os ouvidos. Um sonho torna-se num pesadelo. De seguida, sob a alçada de uma bandeira racista da Confederação Americana, viram-se os paradigmas da conversa e passa a ser o realizador quem é entrevistado.

O que a conversa nos revela bem é quanto o grupo sabia que tinha de se apresentar da melhor maneira possível. Revelam-se limites na honestidade do engenho cinematográfico na interação. Assim sendo, com uma conclusão que os judeus às vezes podem ser pessoas normais, tão humanos como os extremistas da direita, o filme termina – um sorriso nervoso para a câmara é a última imagem que vemos. É uma nota inquieta e inquietante, mas, apesar da ideia valiosa, ela vem tarde demais para surtir efeito. “Last Knights of the Right Side” é o tipo de documentário que os seus sujeitos aprovariam e, numa vertente de cinema jornalístico, isso parece-nos um fracasso.

Last Knights of the Right Side, em análise

Movie title: Ostatni rycerze prawej strony

Date published: 10 de October de 2021

Director(s): Michal Edelman

Genre: Documentário, 2020, 67 min

  • Cláudio Alves - 40
40

CONCLUSÃO:

O caminho para o inferno é uma calçada em que cada pedra é uma boa intenção. “Last Knights of the Right Side” ilustra bem essa ideia. Partindo de uma busca humanista pelo entendimento, o documentário de Michal Edelman acaba por ser demasiado unilateral para funcionar enquanto cinema político com algo importante a revelar. O filme tem o seu valor, mas sente-se incompleto e não pouco tendencioso.

O MELHOR: A manifestação banhada em escarlate, o deformar da melodia sentimental em algo ameaçador. Mesmo que textualmente não haja oposição às crenças do ONR, pelo menos o formalismo faz frente ao resto do edifício fílmico.

O PIOR: Indo além da questão política, “Last Knights of the Right Side” não é um filme especialmente interessante do ponto de vista audiovisual. Com muitas entrevistas encenadas com displicência, a obra só acorda nos últimos 10 minutos. Até aí, é tão genérico ao ponto de ser anónimo.

CA

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