MOTELX ’22 | Nightsiren, em análise
“Nightsiren”, um belo conto fundado no folclore da Eslováquia, estreado em Agosto no Festival de Locarno 2022, de onde saiu premiado, passou pelo MOTELX, integrando a Competição Europeia, a 10 e 11 de setembro. As argumentistas Barbora Naverova e Tereza Nvotová (também realizadora) pintam um retrato instigante de uma ruralidade onde a superstição se torna a mais perigosa das ameaças.
“Svetlonoc”, no original eslovaco, ou “Nightsiren”, é um filme que nos induz em erro à primeira vista, transmitindo-nos a impressão de que se trata de uma obra onde o sobrenatural irá pairar, de forma preponderante, ao longo de toda a narrativa. Todavia, Barbora Naverova e Tereza Nvotová, as jovens mulheres responsáveis pelo argumento da longa-metragem, criam antes um mosaico rico onde a culpa e a memória são alimentadas pela pressão de uma sociedade de costumes anacrónicos e que se entrega ao preconceito.
Com uma fotografia de tirar o fôlego, que oscila entre o naturalismo, o misticismo e, em momentos esporádicos, a pura experimentação, situamos-nos numa vila montanhosa remota. Duas irmãs, a protagonista Šarlota e a sua irmã Tamara, foram criadas por uma mãe abusiva. Os seus maus tratos foram sempre ignorados por parte de toda a aldeia e, quando se dá um acidente terrível e as irmãs desaparecem, Otyla, a mulher cigana e “bruxa” que vive nos limites da povoação, é culpada por todos e ostracizada.
Toda a gente na pequena aldeia acredita que Šarlota morreu. Por isso, quando a jovem reaparece passados 20 anos, é com surpresa, apreensão e abundante desconfiança que a população local a recebe a si e às suas questões – sobre a morte da mãe, sobre o incêndio na sua cabana, sobre o porquê de um alegado desentendimento entre a mãe e Otyla. Na aldeia, a população é pia, temente a Deus e pouco receptiva à diferença.
Šarlota cresceu e formou-se na capital e é uma mulher cosmopolita, que choca com a mentalidade desta pequena povoação, em particular por procurar respostas onde a população apenas procura conformidade. A única pessoa que a acolhe de braços abertos é Mira, também ela alguém que veio de fora e se afirma como uma ervanária jovem, excêntrica, sem papas na língua e sem qualquer paciência para a misoginia que reina neste pequeno local.
O filme realizado por Tereza Nvotová não se coíbe de expressar, através de atos e eventos significativos ao longo da narrativa, a sua veemente crítica às personagens que coloca a moverem-se no grande ecrã. Não o faz através de frases vazias, de clichés acerca de racismo ou igualdade de género. Fá-lo criando uma história complexa, surpreendente, devastadora, mística, repleta de beleza natural (a natureza é respeitada e quase venerada como a única divindade meritória) e deslumbramento lunar; fá-lo edificando uma parábola semi-fantástica que serve como conto de advertência.
Tereza Nvotová e a argumentista Barbora Naverov defendem que a construção da narrativa de “Nightsiren” se baseia em memórias da sua própria infância e faz todo o sentido que assim seja. “Svetlonoc” faz-se sentir bastante pessoal, apesar da sua estética que nos transporta para um mundo de fantástico onde a magia se parece ter simultaneamente perdido.
Assim, “Nightsiren”, um filme sobre o qual é difícil entrar em demasiado detalhe sem revelar spoilers desnecessários acerca do bem estruturado enredo, é extremamente intemporal, tocando em temáticas como bruxas, magia, mitos e lendas, rituais de paganismo em meio florestal ou os papéis de género em comunidades pequenas e na nossa sociedade de forma mais lata. É também uma narrativa que se mune de um olhar muito contemporâneo e informado sobre todos estes tópicos.
De acordo com a sua realizadora, numa frase [da nota de intenções] que sumaria na perfeição a raison d’être bem conseguida desta assombrosa narrativa: “Svetlonoc procura dissipar os mitos ultrapassados em torno da figura da mulher, delineando uma linha entre as antigas superstições misóginas e o seu ressurgimento no mundo moderno.”
Fá-lo com evidente sucesso, deixando quem vê num misto de expectativa, contemplação e pura ira.
TRAILER | O BELO NIGHTSIREN ESTEVE EM COMPETIÇÃO NO 16º MOTELX
Nightsiren, em análise
Movie title: Nightsiren
Movie description: Numa remota vila nas montanhas, duas irmãs crescem à mercê de uma mãe abusiva. Um terrível acidente acontece quando a mais velha, Šarlota, foge para a floresta, seguida pela irmã Tamara. Otyla, uma mulher cigana que vive nos arredores, é culpada pelo desaparecimento de ambas e acusada de bruxaria. 20 anos depois, Šarlota reaparece na aldeia.
Date published: 17 de September de 2022
Country: Eslováquia, República Checa
Duration: 109'
Author: Barbora Naverova, Tereza Nvotová
Director(s): Tereza Nvotová
Actor(s): Natalia Germani, Eva Mores, Juliana Olhová
Genre: Mistério, Drama
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Maggie Silva - 85
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Cláudio Alves - 80
CONCLUSÃO
“Nightsiren” é uma misteriosa e tensa experiência de sala, a qual coloca a nu traumas individuais da equipa criativa e traumas coletivos da sociedade humana. As temáticas desta longa-metragem são específicas e universais e, ao contrário do mais habitual, as expectativas de sobrenatural não se cumprem e tal não nos desaponta. Já William Shakespeare afirmara: “O inferno está vazio e todos os demónios estão aqui”, sem dúvida se aplica.
Pros
- A criação de um universo rico e hostil, sustentado por duas interpretações centrais que equilibram mágoa e vitalidade em proporções equilibradas;
- Uma fotografia luminosa e que torna o mundano extraordinário;
- A lua, filmada com o maior dos respeitos pelo seu misticismo;
- O desenlace narrativo, em todas as suas frentes;
- A abordagem fora da norma às expectativas dentro do género do terror. A perpétua ameaça do sobrenatural;
Cons
- O enredo, com todas as suas reviravoltas interessantes, pende, por vezes, de forma involuntária, para o novelesco e melodramático;
