"Babygirl" | © TIFF

Babygirl, a Crítica | Nicole Kidman em prestação digna de Óscar

Babygirl é o mais recente filme com Nicole Kidman. Um filme cheio de erotismo e inquietação, que parte de uma premissa muito interessante: em jogos do corpo, quem tem poder é quem se deixa ser dominado.

Estreado em 1999, “Eyes Wide Shut” é a obra final de Stanley Kubrick, uma hipnotizante exploração dos desejos e segredos mais profundos. Com Nicole Kidman e Tom Cruise nos papéis principais, o filme acompanha a turbulenta viagem interior de um médico nova-iorquino (Tom Cruise) que, após uma revelação inquietante da esposa, se vê arrastado para um submundo de mistério e erotismo. Entre rituais sombrios e encontros perturbadores, Kubrick pinta um retrato provocador sobre a fragilidade das relações e os limites do desejo humano.

Este Natal, Kidman assume o papel principal. Em “Babygirl”, a atriz interpreta Romy Mathis, uma CEO de sucesso em Manhattan que, apesar de uma vida profissional e familiar aparentemente perfeitas, enfrenta desejos não realizados e uma sensação de monotonia no casamento.

“Babygirl” deixa-nos logo presos ao ecrã com um início pouco usual, mas seguramente sedutor, onde a personalidade de Romy é apresentada rapidamente: no sexo assume o controlo, mas finge o prazer; sabe satisfazer-se sozinha, mas esconde algo profundamente reprimido numa mulher de sucesso.

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A narrativa de Babygirl

Na cena de abertura, uma linha de montagem ganha vida com máquinas e robôs em movimentos metódicos e repetitivos. É um espetáculo mecânico, onde cada peça cumpre o seu papel sem questionar, numa rotina fria e funcional. À semelhança da personagem de Kidman, estes autómatos parecem presos a um ciclo impessoal, orientado para a produtividade, mas vazio de prazer ou ambição por algo que transcenda a mera funcionalidade.

É como se tanto a fábrica como a protagonista existissem num universo onde o desejo foi substituído por dever e rotina. Uma família feliz, um cargo importante, muito dinheiro, botox, telemóvel, e mais botox; Romy tem tudo para se sentir preenchida.

Tudo muda com a chegada de um jovem estagiário, Samuel (Harris Dickinson). Este é o catalisador que quebra a monotonia da vida de Romy. Jovem, carismático e com uma curiosidade quase desarmante, Samuel entra na vida de Romy como um estagiário aparentemente inofensivo, que apenas procura conselhos profissionais. No entanto, o seu comportamento revela rapidamente uma mistura sedutora de inocência e audácia, que desafia os limites estabelecidos pela protagonista, os limites da própria noção de poder.

Mas Samuel é mais do que um simples objeto de desejo; ele simboliza liberdade e a energia de possibilidades inexploradas e é, acima de tudo, reflexo de uma sexualidade reprimida. O arco de Samuel é ambíguo e é aí que reside o suspense de “Babygirl”: Samuel é o cão ou é o dono?

This is a man’s man’s man’s world

Nicole Kidman
© DFree via Shutterstock.com, ID 2151361415

“Babygirl” não é extremamente inovador em praticamente todos os aspetos. Não tem escolhas muito arrojadas na forma como escolhe operar a câmara ou até na própria montagem, mas há algo moderno e insinuante na narrativa e na sua aptidão para reverter os papeis de género.

“Babygirl”, contudo, desafia as normas de género ao colocar Nicole Kidman no comando. Ao contrário de filmes como “Instinto Fatal”, onde as mulheres são frequentemente manipuladas ou retratadas como enigmas perigosos, aqui é Romy quem detém o poder.

Na sua relação com Samuel Romy assume o papel de dominadora, por um lado, invertendo a dinâmica habitual, já que é a que tem poder monetário e Samuel, o jovem estagiário, não é o predador, mas o objeto de desejo – uma inversão que desconstrói o olhar masculino típico do cinema.

Mas Halina Reijn criou uma dicotomia extremamente inteligente, em que Romy domina, mas deixa-se ser dominada e essa ambivalência é o que torna o filme tão intenso, em que a idade, o género, o poder monetário são colocados em perspetiva, quando se assume que quem tem poder é quem decide que o tem e, ao longo do filme, vamos percebendo cada vez melhor isso.

Embora não seja tecnicamente ousado, o filme destaca-se pela narrativa que vira o jogo, mostrando que o poder e o desejo podem – e devem – ser reimaginados através da lente feminina.

O poder do sexo no cinema

Atração Fatal Michael Douglas Netflix
© Paramount Pictures

No cinema, o sexo tem sido frequentemente usado como uma ferramenta de poder, onde as relações de domínio e submissão não se limitam ao físico, mas também ao psicológico. Em filmes americanizados, o sexo é muitas vezes romantizado, com foco no amor ou na sedução, deixando de lado as complexidades das dinâmicas de poder que este pode implicar. Já no cinema europeu, o sexo é abordado de forma mais crua e honesta, refletindo as “kinks” ou desejos mais ocultos, muitas vezes sem os filtros do politicamente correto.

Em “Babygirl”, o poder sexual não é apenas sobre atração ou prazer, mas também sobre controle e subversão de papéis. Embora o filme tenha um tom que pode ser considerado romantizado, a forma como ele lida com o desejo e as práticas sexuais revela uma abordagem mais ousada e livre. A personagem de Romy explora o seu prazer sem reservas, indo além das convenções sociais e permitindo que o público testemunhe desejos mais íntimos.

O filme não se limita a um olhar superficial sobre o sexo; ele aborda o poder que pode ser exercido através dele, especialmente no contexto de uma mulher que se liberta das normas tradicionais e reivindica o controle da sua sexualidade. As interações de Romy com Samuel não são apenas físicas, mas são também carregadas de uma tensão psicológica, onde o sexo se torna um espaço de troca de poder, que se irá refletir também no seu casamento com Jacob (Antonio Banderas).

“Babygirl” é ousado, despe-se e grita, mas é, simultaneamente, contido o suficiente para não se tornar demasiado excêntrico e para conseguir ser minimamente inquietante. Pessoalmente, esta foi das minhas prestações preferidas de Nicole Kidman, onde ela revelou estar à altura daquilo a que se propôs, nunca saindo de características ou traços que lhe parecem ser inerentes. Harris Dickinson não tem apenas um nome sugestivo, tem muito talento escondido num certo mistério e magnetismo que parecem pautar as suas performances.

Halina Reijn, realizadora do filme de terror “Bodies, Bodies, Bodies”, foi muito astuta no tema que decidiu trazer para o cinema. Com algum humor, suspense e intelectualidade traz-nos algo fresco, com elegância, mas por vezes um pouco sóbrio demais. A banda sonora de Cristobal Tapia de Veer (“White Lotus”)acrescenta muita dimensão interpretativa ao mais recente filme dos estúdios A24. É realmente incrível.

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Babygirl estreou no Festival Internacional de Cinema de Veneza a 30 de agosto de 2024, onde Kidman recebeu o Prémio Volpi de Melhor Atriz. Foi também nomeado um dos dez melhores filmes de 2024 pelo National Board of Review, com Kidman a receber o prémio de Melhor Atriz e estreia hoje nas salas de cinema portuguesas.

Não percas a oportunidade de ir ver um dos filmes mais aguardados do ano.

Babygirl, a crítica
  • Patrícia Marques - 75
  • Cláudio Alves - 90

CONCLUSÃO

Babygirl é o mais recente filme com Nicole Kidman. Um filme cheio de erotismo e inquietação, que parte de uma premissa muito interessante: em jogos do corpo, quem tem poder é quem se deixa ser dominado.

Overall
83
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Pros

Performances muito fortes e seguras;

Ideias e conceitos bem trabalhados e aplicados aos tempos atuais;

Reflexões interessantes sobre os papéis de género.

Cons

Montagem muito pouco arriscada;

Falta alguma excentricidade.



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  1. Manuel Cavaco 3 de Janeiro de 2025

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