"Bodies Bodies Bodies" abriu a 16ª edição do Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa| ©MOTELX/A24

MOTELX ’22 | Bodies Bodies Bodies, em análise

“Bodies Bodies Bodies” abriu a 16ª edição do MOTELX – Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, apresentando como proposta a comédia de terror realizada pela holandesa Halina Reijn, também atriz, e que aqui assina a sua segunda longa-metragem. Este slasher veranil tem selo A24 e, entre muitas reviravoltas narrativas, cumpre exatamente aquilo a que se propõe: traçar uma sátira leve da Geração Z e também diagnosticar uma certa crise de valores. Tudo isto com abundante diversão e algum terror. 

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Esta segunda incursão de Halina Reijn no terreno da realização de longas-metragens, “Bodies Bodies Bodies”, teve estreia mundial na última edição do Festival norte-americano South by Southwest, que decorre em Austin, Texas, e onde a obra foi relativamente bem-recebida. Em grande parte, os louvores recaíram sob o bom trabalho de elenco e o notável valor satírico e humorístico, marcas que reconhecemos a esta narrativa quase desde os primeiros instantes.

Aqui apresenta-se uma noite bastante característica na vida de um grupo de jovens de 20 e poucos anos, todos eles ricos (ou pelo menos de classe média alta), à medida que se preparam para uma noite de diversão, drogas e jogos na mansão de um deles.

A festa promete, não houvesse uma tempestade gigante lá fora, e uma das jogatinas é “Bodies Bodies Bodies”, que se baseia num jogo da vida real. “Body Body” é um murder mystery game. Trocando por miúdos, um jogo de festa em que, num quarto escuro, são escolhidos um ou vários “assassinos”, com papelinhos ou cartas, sem o conhecimento do grupo, os quais irão “matar” os restantes jogadores. Sempre que uma pessoa é “morta” as luzes voltam a ligar-se, grita-se “Body Body” (ou neste caso “Bodies Bodies Bodies”) e discute-se quem poderá ser o assassino. No fundo, é uma espécie de mistura entre o  jogo de cartas da aldeia (ou o jogo dos Lobos e Aldeões) e o quarto escuro. O jogo acaba quando os assassinos são descobertos – ou quando vencem a partida.

This is not a safe space A24
Poster oficial de “Bodies Bodies Bodies”, com a frase “This is Not a Safe Space” (este não é um espaço seguro, trocadilho com um cliché acerca de abertura de diálogo falsamente evocado pelas personagens) |©A24

 

Tudo começa a correr horrivelmente mal nesta festa quando a luz falha no meio da tempestade (cliché máximo do terror, sempre premonitório) e quando alguém morre não no jogo, mas na vida real. A partir daí instala-se um clima constante de desconfiança que, verdade seja dito, fora já criado desde a cena introdutória . Um dos trunfos mais evidentes do filme é a sua capacidade para nos fazer duvidar, desde o momento em que nos são apresentadas, das intenções de cada uma das personagens, neste que é um verdadeiro filme de elenco.

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E não obstante a importância do elenco geral para criar a atmosfera de “Bodies Bodies Bodies”, as nossas duas protagonistas, Amandla Stenberg como Sophie e Maria Bakalova como Bee (a segunda fresquinha da sua inesperada nomeação ao Óscar em 2021 por “Borat Subsequent Moviefilm”) , são extremamente eficazes na criação, desde os primeiros minutos, de uma paranoia que apenas se vê ampliada ao longo da obra.

Falando de Maria Bakalova, a partir do momento em que a vemos sentimo-la como uma final girl não convencional: não-virginal, não-heteronormativa, não-consensual. Tudo menos comum e o reflexo de uma personagem pensada na segunda década do século XXI. À medida que a trama se vai desenvolvendo, os segredos e o comportamentos desta heroína invulgar vão-nos dizendo algo bastante particular acerca de “Bodies Bodies Bodies”: o filme pode não ser o mais original, o mais horrífico, o que nos guia numa viagem de whodunnits e de mistério de homicídio mais complexa. Ainda assim, vence pela sua peculiaridade e pela capacidade de criar uma história bem distinta da que esperávamos quando nos é apresentado o cenário inicial.

“Bodies Bodies Bodies” chega a ser ultrajante e, nesta sessão de abertura do MOTELX no dia 6 de setembro de 2022, foi capaz de colocar uma sala repleta a rir a plenos pulmões. Ousamos dizer (e parece-nos bem evidente) que o humor suplanta em grande medida o terror presente nesta fita. Tanto o é que, a certa altura, se perde o equilíbrio entre a comédia, o thriller e o terror.

O argumento, escrito a várias mãos pelos jovens talentos de Kristen Roupenian, Sarah Delappe, Chloe Okuno, entre outros, é uma das vertentes mais fortes desta história. É ágil, absurdo, incisivo, pleno e rico em diálogos que colocam o foco na hipérbole . Isto no que diz respeito a exacerbar não só os vícios e traços mais negativos da atual juventude mas também o negrume presente na raça humana, capaz de tremenda desconfiança. Na sua essência, o filme torna-se trágico-cómico, à medida que compreendemos o que se está a passar nesta noite. E se a tensão das sequências iniciais se vai perdendo ao longo de uns meros 95 minutos de filme, as reviravoltas (mesmo as mais previsíveis) mantêm o interesse e a genica da obra.

Ao fim de contas, este é um filme que pede emprestada a estrutura do mistério de homicídio para a virar do avesso. É este o legado de “Bodies Bodies Bodies” , que acaba apenas por pecar, como já referimos, pela sua incapacidade de gerir um equilíbrio perfeito entre a tensão do mistério e o seu humor jocoso.

Ademais, esta não é propriamente uma longa-metragem para todos. Com termos como “gaslight“, “cancel culture” e tantos outros atirados para o caldeirão conversacional em alta rotação, esta paródia da geração Z é acima de tudo digerível e desfrutável para jovens adultos na casa dos 20 e adultos na casa dos 30, sofrendo de uma falta de transversalidade notória (será o filme à prova de Boomer? Possivelmente não, mas a leitura será de certo distinta). Além disso, é um filme que bebe da cultura de celebridade de forma quase auto-referencial. O papel de Pete Davidson, como o anfitrião David, é uma das provas disso mesmo. Não obstante, Davidson oferece um ótimo alívio cómico ao comportar-se quase como uma paródia à sua imagem pública (e vida privada) altamente mediatizada nos Estados Unidos da América.

Pequenos pecados à parte, “Bodies Bodies Bodies” é um filme inteligente, com diálogos que examinam mais do que a mera geração atual de jovens e a forma como nos movemos num mundo hiper-tecnológico e fundado à base de falsas expetativas e percepções. Sem moralismos excessivos e sem cair no melodramático, a sátira de Halina Reijn faz-se com notória diversão e descontração.

“Bodies Bodies Bodies” abriu a 16ª edição do MOTELX . Chegará, em breve, às salas de cinema portuguesas pela mão da Big Picture. 

Bodies Bodies Bodies, em análise
poster final bodies bodies bodies

Movie title: Bodies Bodies Bodies

Movie description: Quando um grupo de jovens ricos de 20 e poucos anos planeia uma festa de arromba numa mansão de família isolada, um jogo de festas torna-se mortal, neste fresco e engraçado olhar sobre traições, amigos falsos e uma festa que correu muito, muito mal.

Date published: 9 de September de 2022

Country: EUA

Duration: 95'

Director(s): Halina Reijn

Actor(s): Amandla Stenberg, Maria Bakalova, Pete Davidson

Genre: Comédia, Thriller, Terror

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  • Maggie Silva - 73
73

Conclusão

“Bodies Bodies Bodies” é uma comédia de terror que satiriza o comportamento humano, munida da capacidade de refletir sem pregar aos sete ventos e sem se tornar cansativa. A suportar a narrativa, destaque para um elenco composto por várias jovens atrizes talentosas.

Pros

  • A sátira traçada;
  • A constante inversão de expetativas;
  • Todo o esforço de representação;

Cons

  • Uma reviravolta final previsível e divertida mas que, dentro da sua previsibilidade, não deixa de servir perfeitamente o arco narrativo;
  • A incapacidade de criar um verdadeiro equilíbrio entre a tensão e a comédia – por vezes, a tensão quase que evapora (embora reapareça);
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