Tereza (Malu Galli), uma estilista traumatizada, após um assalto violento. ©Nitrato Filmes/Divulgação

Propriedade, a Crítica | Um thriller sobre privilégio, revolta e sobrevivência

Estreado na secção Panorama da Berlinale 2022 e com passagem pelo MotelX, “Propriedade”, do realizador brasileiro Daniel Bandeira, chega finalmente às salas portuguesas. Apesar do intervalo entre a sua estreia internacional e a distribuição nacional, o lançamento coincide simbolicamente com o 1º de Maio — um momento propício para refletir sobre os direitos dos trabalhadores, tema central deste intenso thriller social brasileiro.

Propriedade
A unidade agrícola vai ser desmantelada e todos despedidos. ©Nitrato Filmes/Divulgação


Um thriller social com raízes no terror e na crítica política


Produzido pela mesma equipa por trás de Bacurau (2019), este Propriedade partilha da mesma ambição: fundir géneros populares com uma forte crítica social. O filme recorre a elementos do subgénero ‘home invasion’, mas inverte a perspetiva tradicional. Aqui, não se trata de proteger o lar ou neste caso uma fazenda, mas de contestar a sua posse. A narrativa centra-se em Tereza (Malu Galli), uma estilista traumatizada que, após um assalto violento, decide refugiar-se na fazenda da família, no interior de Pernambuco. Conduzida por um marido condescendente e protegida por um carro blindado, vê-se inesperadamente encurralada quando os trabalhadores rurais da propriedade iniciam uma revolta após saberem que a terra será vendida para dar lugar a um empreendimento turístico.

VÊ TRAILER DE “PROPRIEDADE”



Uma alegoria de classes dentro de um carro blindado


Propriedade constrói uma metáfora poderosa: Tereza, presa num carro de luxo, isolada e impotente, representa uma elite protegida mas desconectada. O vidro que a separa dos trabalhadores é também uma barreira simbólica entre privilégio e necessidade, segurança e revolta. A atmosfera de tensão cresce de forma orgânica, sem recorrer a grandes efeitos ou violência gráfica gratuita. Malu Galli entrega-se a uma interpretação contida mas bastante eficaz, transmitindo medo, alienação e egoísmo em doses bem medidas. A sua personagem, longe de ser heroína ou vilã, revela-se um reflexo complexo da elite brasileira.

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A mulher tem dificuldade em resistir aos esforços exteriores para render-se.©Nitrato Filmes/Divulgação



Referências cinematográficas e identidade própria


Propriedade evoca ainda de certa forma o conhecido, Sala de Pânico de David Fincher, com Jodie Foster e Kristen Stewart, ao retratar também uma personagem confinada que tenta sobreviver a uma ameaça externa. No entanto, Daniel Bandeira evita o convencional, dando mais ênfase ao desconforto psicológico do que à ação física. Tal como em Nova Ordem (2020), de Michel Franco ou o clássico Viridiana (1961), de Luis Buñuel, onde o caos surge como consequência de um sistema social excludente. Ainda que a premissa não seja totalmente inédita, Bandeira distingue-se pela construção cuidadosa do suspense e pelo retrato realista dos revoltosos: não são caricaturas de bandidos das favelas, que assaltam por um telemóvel, mas pessoas comuns empurradas ao limite pela insegurança e desespero.

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A maioria dos trabalhadores luta pela sua sobrevivência. ©Nitrato Filmes/Divulgação

Fragilidades e virtudes


Porém, Propriedade perde alguma força na segunda metade, com decisões narrativas que podem soar forçadas ou pouco convincentes. A ausência de respostas externas — como a polícia ou a comunidade — limita as possibilidades dramáticas, e algumas atitudes dos personagens desafiam a lógica do enredo. Ainda assim, o clímax é tenso, e a encenação mantém-se eficaz até ao final, mesmo que a conclusão possa dividir opiniões.

JVM

Propriedade, a Crítica | Um thriller social brasileiro sobre privilégio, revolta e sobrevivência
  • José Vieira Mendes - 75

Conclusão:

Propriedade, de Daniel Bandeira é um thriller social provocador, imperfeito mas relevante. Explora as desigualdades estruturais do Brasil contemporâneo com ousadia estética e narrativa. A sua abordagem híbrida entre o cinema de género e a crítica política coloca-o entre os títulos mais interessantes da nova cinematografia brasileira. Se tivesse sido produzido por um grande estúdio, talvez tivesse tido o destaque que merece. Por isso, é essencial valorizar este tipo de obras — tanto pelo seu conteúdo como pela sua forma.

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4 (1 vote)

Pros

O melhor: Uma tensão crescente e uma crítica social bem integrada na narrativa.

Cons

O pior: Algumas falhas de coerência narrativa e personagens secundárias pouco desenvolvidas.


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